Debate sobre Reforma Política

Cristian Klein (Valor, 10/02/2011) tem acompanhado o debate sobre Reforma Política que, atualmente, mobiliza mais o próprio Congresso Nacional do que a sociedade brasileira. Se alguém te perguntar sobre “o que é mais prioritário para o povo brasileiro” e der cinco opções de respostas, qual delas você assinalaria: (a) reforma política (representação parlamentar); (b) reforma social (trabalhista); (c) reforma econômica (tributária); (d) todas essas reformas têm igual importância; (e) nenhuma delas?

Se é discutível, sob o ponto de vista popular, conceder prioridade à aprovação de reforma política, essas “regras de auto-reprodução” mobilizam, praticamente, toda a atenção de deputados e senadores. Eles já se preparam para novo esforço de votação desta reforma político-partidária, o que pode ser, novamente, inócuo.

Se não, vejamos o levantamento feito pelo jornal Valor, com líderes de 16 partidos da Câmara, que reúnem 501 dos 513 deputados da Casa. Ela mostra divisão de forças que está longe de favorecer a aglutinação em torno de alguma proposta mais ousada de mudança do sistema eleitoral.

A lista fechadapela qual os eleitores passariam a votar só em partidos – perdeu força de apoio. O modelo que nos últimos anos tem centralizado o debate é apoiado pelos líderes de PT, DEM, PSC, PCdoB, PV, PPS e PSOL. Isso representaria a preferência de 192 deputados, sem descontar as inevitáveis defecções, que contribuíram em muito para a derrota da proposta em 2007, quando, por exemplo, 27 dos 71 petistas em plenário não seguiram a orientação do partido.

Outro sinal de que a lista fechada entraria no debate com menos força é o fato de a maioria dos líderes de legendas adeptas do sistema terem citado modelos alternativos, com mais chances de aprovação, como a lista flexível, que permite ao eleitor escolher um candidato e mudar a ordem prévia do partido.

No caso do PV, a lista preordenada seria apoiada, mas a preferência viria depois do distrital misto. Este sistema, em sua versão clássica, alemã, elege metade dos parlamentares pela lista fechada e metade pelo voto majoritário em circunscrições de um só representante (voto distrital puro). PV, PTdoB e PRB, que totalizam 126 deputados, citaram o distrital misto.

O maior golpe contra a lista fechada, no entanto, vem do PMDB. O partido, que apoiava a proposta defendida com entusiasmo pelas cúpulas de PT e DEM, agora cerra fileiras na ideia patrocinada pelo PP: o distritão. Tido como projeto que incentiva o personalismo, em contraste com o voto partidário da lista fechada, o distritão empolga também o PR e reuniria, assim, 162 votos.

A principal diferença entre o distritão e o modelo atual, de lista aberta, é que os candidatos seriam eleitos exclusivamente pelos seus votos. Em São Paulo, por exemplo, os 70 mais votados seriam eleitos para a Câmara dos Deputados. Não haveria mais o chamado quociente eleitoral, que exige dos partidos um patamar mínimo de votação como primeiro critério de distribuição das vagas.

O distritão foi apresentado, em 2007, como proposta de emenda constitucional (PEC) pelo senador Francisco Dornelles (RJ), presidente do PP, e pelo então líder do partido na Câmara, Mário Negromonte (BA), atualmente ministro das Cidades. Desde então, ganhou força e entusiastas. Os principais líderes do PMDB o defendem: o vice-presidente da República, Michel Temer, o líder e o vice-líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN) e Eduardo Cunha (RJ), e o presidente do Senado, José Sarney (AP).

O apoio declarado de líderes de peso dá nova inflexão ao debate. Se a direção do PT sempre demonstrou mais determinação na reforma política e com isso moldou-a a seu gosto, agora é a vez do PMDB, que parece querer fazer o mesmo.

O principal argumento dos defensores do distritão é que ele acabaria com a possibilidade de um candidato se eleger com menos votos do que outro que ficou de fora. Por exemplo, na disputa do ano passado, no Rio de Janeiro, 56 candidatos que ficaram na suplência tiveram votação maior que a do último dos 46 eleitos, Jean Wyllys (PSOL). O ex-participante do programa Big Brother Brasil (BBB) conquistou apenas 13.018 votos, mas foi puxado pela popularidade do colega de partido, Chico Alencar, que obteve mais de 240 mil.

Outra vantagem apontada é que o distritão, ao abolir a necessidade de os partidos atingirem o quociente eleitoral, reduziria o número de candidatos e legendas. Os partidos não ficarão mais como “barata tonta” atrás de candidatos que só têm 2 ou 3 mil votos para inchar o total dado às suas listas. O modelo enxugaria o número de partidos.

A lógica é que, sem a exigência do quociente eleitoral, se extinguiriam naturalmente também as coligações partidárias e, logo, as pequenas legendas, que se apoiam nas alianças eleitorais para sobreviver.

Para os críticos da lista fechada, esse sistema é retrógrado, devido ao risco de oligarquização dos partidos. Para o grupo de legendas favoráveis à lista fechada, o distritão é que deve ser evitado, por estimular o personalismo na disputa eleitoral.

Para os críticos do distritão, é necessário fugir de qualquer modelo distrital, majoritário, que personaliza a disputa e subverte a representação partidária. Se no sistema proporcional de lista aberta, como o adotado pelo Brasil, é grande a quantidade de candidatos que se elegem com menos votos que outros, no sistema majoritário a distorção ocorre na representação dos partidos.

No Reino Unido, por exemplo, em 1974, houve caso extremo, o Partido Liberal alcançou votação nacional de 19,3%, mas levou apenas 2,2% das cadeiras do Parlamento. Por causa dessa distorção, nem sempre radical, porém sistemática, que lhes prejudica, os liberais são os maiores defensores de reforma política britânica em direção a sistema mais proporcional.

O modelo brasileiro, com distritos muito grandes, entre 8 e 70 cadeiras, para as eleições à Câmara, faria com que o resultado ainda fosse bem mais proporcional que as do Reino Unido ou dos Estados Unidos, onde os distritos são uninominais, isto é, só se coloca uma vaga em disputa. O problema maior, segundo seus críticos, seria o aumento do individualismo e o enfraquecimento dos partidos.

Nesse ponto, curiosamente, o PT converge com o DEM. Considera que, atualmente, a política não é programática, pois privilegia o dinheiro, campanhas milionárias, e estruturas de poder. O risco de caciquismo da lista fechada pode ser evitado com reforma partidária que estimule a democracia interna das legendas. Seria a consagração das tendências na luta interna dos partidos. O militante independente teria que ser “celebridade” para conseguir se colocar como “puxador de votos” para a lista da legenda.

O PSDB, marcado pela posição ambígua nas discussões anteriores, desta vez está menos indeciso. Mas não a ponto de se alinhar automaticamente às propostas principais. O partido, que sempre teve posição “em cima do muro” em relação ao tema e já apoiou o voto distrital, o distrital misto alemão e até a lista fechada do adversário PT, se empolga novamente pela “terceira via”, ou seja, o modelo que vem sendo chamado de “distritão misto“. O projeto é uma espécie de mistura do modelo atual, proporcional, com o distritão. O objetivo é aproximar a relação entre os eleitos e seus eleitores. A ideia é que, no Estado de São Paulo, que tem 70 deputados, fossem criados, por exemplo, 14 distritos que elegessem cinco representantes cada qual.

Na verdade, apenas diminuiria a distorção de, em São Paulo, “em princípio”, um deputado ter que angariar votos entre 30 milhões de eleitores, ou seja, 22% dos 136 milhões de eleitores brasileiros. Uma das vantagens dessa proposta em relação à do “distritão”, é que não mudaria o sistema brasileiro de proporcional para majoritário, o que implica mudança da Constituição e a difícil obtenção da maioria de dois terços. Não se enxerga, porém, a complexidade política de criação dos distritos.

 

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