A Crise Vista no Cinema

poster-do-filme-trabalho-interno-sobre-a-crise-financeira-1296853541257_615x300

O objetivo da CAROLINA AFONSO – Monografia – Crise Vista no Cinema (click no link para download) em seu Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação do Instituto de Economia – UNICAMP, defendida no dia 10 de dezembro de 2013, com 75 páginas, sob minha orientação — é analisar a repercussão da crise financeira, que explodiu em 15 de setembro de 2008, conforme foi veiculada ao grande público pelo Cinema.

Ainda poucos explorados pelos acadêmicos de Economia, os filmes constituem fontes de informações legítimas e não menos importantes do que outras fontes como a literatura, os relatórios de pesquisas, as estatísticas, etc. A maioria das pessoas irá se deparar com sua análise através de opiniões formadas a partir de filmes, sejam documentários, sejam dramas.

Todo o mundo foi severamente afetado pelo colapso financeiro de 2008, o que fez surgir a curiosidade em entender a dinâmica e os personagens de um mundo que lhe é pouco familiar, o de Wall Street. Neste contexto, diversos filmes sob diferentes perspectivas ideológicas foram lançados sobre a crise.

Carol desejava investigar, primeiramente, as contribuições de dois gêneros cinematográficos distintos sobre o tema: documentário e drama. A partir da resenha de sete filmes selecionados pelo critério de sucesso de público (e de crítica), seu trabalho explorou os pontos relevantes levantados por cada gênero e sua adequação ao dialogar com público leigo e especialista. Por fim, ela buscou entender como os documentários e os dramas se complementam e/ou se contrapõem para formar a opinião pública e a especializada em relação à crise recente.

01E_MGC_DOM_1Sht.inddOs dramas exploram muito bem os conflitos morais e as posturas éticas existentes no mundo das Finanças. Para além de denunciar os personagens culpados e crucificar os bodes-expiatórios pela crise, no caso, os banqueiros, os filmes selecionados deste gênero cinematográfico mostram os dilemas humanos e a diversidade na hierarquia das instituições financeiras. Há, por exemplo, os mega investidores que manipulam os mercados, inclusive ilegalmente, por excesso de poder ou por pura ganância, ambos sentimentos provocados pelo instinto de competição.

Capitalism A Love StoryUm documentário frio e objetivo impossibilita captar esses aspectos dramáticos, instintivos, enfim, humanos. Os dramas possibilitam mostrar também aqueles protagonistas pseudo inocentes úteis que se prestam a ser manipulados pelo sistema. Inicialmente, dotados da ânsia de rápido enriquecimento, suas “jornadas de heróis” se completam depois de decaírem e, face ao infortúnio, resgatarem a ética perdida. A costumeira desculpa (ou autoengano) é que eles apenas cumpriam ordens emanadas dos poderosos banqueiros.

Apesar dessa “demonização dos banqueiros” e “vitimização dos operadores subordinados”, as más consciências os incomodam. Além disso, os dramas não deixam de abordar questões técnicas da crise, porém, de forma menos intragável para o público leigo. Elas não deixam de ser instrutivas para a completa formação de economistas. Temas como risco moral, uso de informações privilegiadas, securitização, risco sistêmico, “bailout”, comportamento de manada, entre outros, são discutidos satisfatoriamente. Os cursos formadores de economistas e administradores necessitam resgatar os aspectos éticos de suas profissões. O Cinema pode ser útil nesse sentido moral.

Wall-Street IAchar que alguns banqueiros/traders/investidores criam bolhas especulativas através manipulação da massa ingênua de pequenos investidores com falsos boatos ou informações privilegiadas é postura tipo “me engana que eu gosto!”. Não é porque alguns poucos lucram com as perdas alheias que se pode deduzir que existe virgens na zona financeira…

Para bom entendedor, também fica visível nos filmes a possibilidade de crítica à direita, no caso, os incentivos à realização das premissas idealizadas para as Finanças propiciarem o funcionamento da “boa sociedade” ou do “livre mercado” com competição perfeita: racionalismo, atomismo e informações igualmente acessíveis a todos os participantes. Todos eles, grandes e pequenos investidores, suporiam que todas as informações são precificadas perfeitamente. Ninguém poderia superar sistematicamente o desempenho do mercado! Todos deduziriam, racionalmente, um comportamento humilde e passivo! Por essa surpreendente ideia, a Hipótese do Mercado Eficiente mereceu Prêmio Nobel de Economia!

Rogue-TraderAlém dessas críticas implícitas à esquerda e à direita, as “leituras” dos filmes por parte de estudantes e professores de Economia e Finanças permitem abordar muito bem algumas questões comportamentais da crise financeira.  Elas são explicadas, didaticamente, ao longo das tramas. Euforia e pânico, comportamento de manada, inflar e explodir bolhas, tudo isso é recorrente nos dramas e acaba sendo até mais “realista” do que é mostrado nos próprios documentários.

Por exemplo, explica-se muito bem o que foram os “ativos tóxicos”, envolvendo hipotecas de altíssimo risco, transformados pelos grandes bancos em títulos com as melhores classificações como investimento. Mas tal esquema de rápido enriquecimento, propiciado pelo ganho de capital na compra-e-venda de imóveis, foi generalizado, socialmente, de alto a baixo. Incentivou a ânsia de especulação imobiliária em toda a sociedade norte-americana.

A NegociaçãoOutro conceito bem exposto foi o de “moral hazard”, ou seja, a tendência de um agente a correr o risco quando sabe que os custos potenciais ou encargos de tomar esse risco, caso o desastre seja confirmado, serão suportados, direta ou indiretamente, em última análise, pelos contribuintes. Questiona-se, então, o pacote de “bailout” de US$ 700 bilhões do governo às instituições financeiras que causaram a crise. Não seria melhor deixá-las arcarem com seus erros, para que elas não os repetissem? Essa pergunta ingênua demonstra que seus formuladores não sabiam medir as consequências catastróficas de uma crise sistêmica internacional.

Os dramas acabam trazendo à tona o fato de que a crise é sistêmica, ou seja, Crise Geral do Sistema Capitalista – expressão que estava ficando tão fora-de-moda quanto os marxistas… Buscar por um bode expiatório na “figura do Capital” pode ser inglória, ou melhor, autoengano. Neste contexto, cada indivíduo procura apenas maximizar seus ganhos e “salvar sua pele”. No caso de empregados e empregadores, significa salvar o próprio banco, ou suas ocupações, mesmo que isso signifique disparar o gatilho para  crise se alastrar pelo mundo inteiro.

The company menNos dramas, a responsabilidade do governo americano na crise atual é colocada como pano-de-fundo sem maior aprofundamento na discussão. Critica-se, implicitamente, mais o salvamento dos bancos com o dinheiro do contribuinte do que a desregulamentação financeira, iniciada no governo Reagan, nos Estados Unidos. Os conflitos de interesses, dentro do próprio governo neoliberal, não são explicitados como no documentário Inside Job. Portanto, a seleção de obras dramáticas enfoca mais a realidade de Wall Street e as fragilidades do sistema, enquanto os fatores antecedentes que criaram o contexto para que a crise se tornasse tão fatal são deixados de lado. Mesmo porque o historicismo, no caso, prejudicaria o corte e o ritmo temporal necessário na montagem para se fazer bons thrillers, representativo do zeitgeist – espírito da época ou sinal dos tempos – vigente na sociedade, seja com os acontecimentos ocorrendo em um fim-de-semana, seja apenas em uma madrugada.

A irresponsabilidade é atribuída aos banqueiros, à medida que é sugerido que “o Secretário do Tesouro norte-americano está apenas mediando a inevitável catástrofe, contendo os danos de forma sensata”. Evidentemente, esta é a visão dos defensores do livre mercado: deixa quebrar! O darwinismo social depurará os vencedores, mesmo que seja à custa de uma catástrofe social com despejos e desempregos generalizados. Afinal, mais importante é defender a doutrina que reza que, no fim, entre mortos e feridos, sobreviverá a liberdade do mercado pela qual os “competentes” são afunilados através de competição mortal! Eles são “os sobreviventes da seleção natural” (sic).

Glengarry Glen RossDetalhes das consequências sociais do abalo sísmico de 2008, evidentemente, são apenas levemente sugeridos pelos dramas. Carol imagina que isso seja porque as estórias cinematográficas são mais envolventes através da catarse coletiva com dramas individuais. Cada espectador se emociona mais com a identificação, seja por aproximação, seja por afastamento, com algum protagonista. O público alvo está querendo alívio de seu próprio drama cotidiano ao entrar em uma sala-de-cinema.

Vale lembrar o significado de catarse: descarga de desordens emocionais ou afetos desmedidos a partir da experiência estética oferecida pelo teatro, música e poesia – e Cinema! Na estética teatral, refere-se à purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, especialmente dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico.

No caso da Economia no Cinema, os dramas resenhados avançam em um sentido novo e complementar a esta catarse, tentando trazer as pessoas para dentro do “mundo mágico” de Wall Street, aquele em que se enriquece miraculosamente tanto como se empobrece de uma hora para outra. No mundo moderno, há algo mais encantador do que essa dor?! Os diretores dos filmes analisados na Monografia da Carol fazem isso de maneira magnífica, escancarando as fragilidades do sistema capitalista através dos comportamentos quase-racionais de seus membros, mas também desmistificando o caráter demoníaco atribuído a alguns deles. Todos os participantes do mercado não cumprem uma servidão voluntária?

Veja mais5 Filmes sobre a Crise Financeira de 2008

 too-big-to-fail

4 thoughts on “A Crise Vista no Cinema

  1. Fernando,
    Adorei o post!
    As capas dos filmes deram ainda um toque especial.

    Foi um prazer realizar este trabalho, espero que inspire muitos outros baseados em filmes.
    Obrigada novamente por sua orientação e dedicação.
    Um abraço!
    Carol

  2. Pingback: Economia Monetária – 2015 | Cidadania & Cultura

Deixe uma resposta para rchristanelli Cancelar resposta