Os economistas do banco compilaram dados de 14 mil jogos para chegar a um relatório de 67 páginas, que estimou resultados para todos os jogos, publicado em 30 de maio. Depois da primeira fase, ficou claro que a realidade não corresponde 100% a dados históricos.
Analisando as previsões originais, feitas antes do início da Copa, apenas 37,6% dos jogos da primeira fase terminaram da forma que o modelo do Goldman Sachs previu. O banco calculou uma das três possibilidades – vitória, derrota ou empate – corretamente em pouco mais de 33% das vezes, quase o mesmo de uma previsão aleatória. Dos jogos calculados corretamente, o Goldman conseguiu prever o número de gols em 17% dos casos, ou seja, em três ocasiões: Argentina x Bósnia, Coreia do Sul x Rússia e Argélia x Rússia.
Quando o banco atualizou suas previsões no fim da primeira fase do torneio, ele acertou o resultado das partidas – vitória, derrota ou empate – em 60% das vezes. Mas fracassou na tentativa de acertar os resultados das semifinais e acabou prevendo equipes erradas na final.
Parece justo fazer algumas observações essenciais.
Em primeiro lugar, uma cláusula fundamental nas previsões do Goldman: “Se um jogador essencial que foi responsável pelo sucesso recente do time for machucado, isso não tem peso nas nossas previsões.” Neymar sofreu uma lesão nas costas no jogo contra a Colômbia e não jogou a semifinal contra a Alemanha. Talvez mais importante tenha sido a ausência de Thiago Silva, que devido a uma infração boba levou o segundo cartão amarelo e foi suspenso do jogo seguinte, contra a Alemanha. O banco poderia argumentar que foi a ausência do melhor defensor brasileiro que provocou a derrota de 7 a 1.
Em, segundo lugar, o banco chegou a calcular originalmente que a Argentina chegaria à final. Mas quando atualizou suas previsões depois da fase inicial, substituiu a Argentina pela Holanda. Esta perdeu para a Argentina na semi-final, nos pênaltis. O banco seguiu atualizando suas posições à medida que a competição avançava. Ele agora aponta uma “ligeira” vantagem para a Alemanha na final.
Enquanto as avaliações feitas com base em análises do desempenho passado e valor de mercado tiveram suas limitações, apostadores na rua tiveram mais sorte? Alguém apostou com sucesso no resultado mais surpreendente da Copa, a vitória de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil?!
Este foi um evento aleatório – um “cisne negro” – praticamente inesperado. Porém, nos fez lembrar de que “baixíssima probabilidade” não significa “impossibilidade”! Alguma vez ocorrerá, não se sabe quando…
Nassim Nicholas Taleb pertence ao restrito grupo de pessoas que, antes da quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, publicaram livros prevendo o colapso financeiro. “A Lógica do Cisne Negro – O Impacto do Altamente Improvável“, que chegou às livrarias em 2007 (editora BestSeller), demonstrava estatisticamente como eventos muito improváveis podem destruir sistemas robustos, “grandes demais para quebrar”. Mesmo o mais rigoroso analista deixa passar despercebido o risco do improvável e do aleatório, achando que seu sistema é resistente.
Um feito, realmente. Ainda assim, Taleb considera que “Antifrágil – Coisas Que Se Beneficiam Com o Caos” (Record, 768 págs., R$ 60,00), agora publicado no Brasil, que estende a outras áreas da vida os argumentos do livro anterior, é um sucesso mais importante. Isso porque, embora “A Lógica do Cisne Negro” tenha se tornado um best-seller mundial (no Brasil, vendeu 30 mil cópias), “Antifrágil” obteve uma resposta mais direta dos leitores. Taleb, que falou ao Diego Viana (Valor-Eu&Fim-de-Semana, 11/07/14) de seu escritório na Universidade de Nova York, afirma que sua caixa de correio está sempre atulhada de cartas e projetos enviados por pessoas que sentem suas intuições expressas pela primeira vez nesse livro mais recente.
Em linhas gerais, o sentido do conceito de “antifrágil” é simples. O contrário do sistema “frágil”, diz Taleb, não é o sistema “robusto”, mas o “antifrágil”. Enquanto a robustez se refere à capacidade de resistir a eventos traumáticos e inesperados, o neologismo antifrágil cunhado por Taleb expressa a capacidade de fortalecer-se ou aperfeiçoar-se com esses contratempos. A natureza é, portanto, “antifrágil”, porque usa a desordem para aperfeiçoar-se. Já o sistema financeiro é frágil porque a quebra de um banco provoca a queda de todos os demais [risco sistêmico].
Taleb aplica o conceito que cunhou a áreas tão díspares como os sistemas políticos e a vida pessoal. Aparelhos de ginástica, por exemplo, fomentam a fragilidade do corpo, porque não o submetem a uma pequena dose de estresse necessário, como práticas esportivas mais rústicas. Na economia, um dos conceitos atacados em “Antifrágil” é a ideia de que economias de escala sejam benfazejas, levando à concentração de mercados em oligopólios – hoje, eufemisticamente conhecida como “consolidação”. Para Taleb, a concentração do mercado em enormes corporações significa que eventos traumáticos, ainda que improváveis – e os improváveis são os mais perigosos, porque a única coisa previsível é que eventualmente algum deles vai ocorrer -, deixam de representar só um abalo temporário e se tornam um risco sistêmico de colapso.
À primeira vista, a ideia de “antifragilidade” faz pensar no Friedrich Nietzsche de “Crepúsculo dos Ídolos“, com a célebre afirmação de que “o que não me mata me torna mais forte”. Mas aqui não se trata de um filósofo, e sim de um especialista em risco e aleatoriedade que trabalhou durante 20 anos em Wall Street. Após a crise de 2008, ocasião em que suas apostas heterodoxas lhe valeram uma fortuna suficiente para dedicar-se a seus verdadeiros interesses, Taleb concentrou suas atenções em estudos técnicos e se tornou professor da Universidade de Nova York.
Atualmente, Taleb prepara a criação de um instituto, no interior da universidade, para desenvolver seus conceitos. O Instituto de Eventos Extremos (Extreme Events Institute) tem absorvido grande parte de seu tempo. O objetivo da iniciativa é agregar pesquisadores em torno de modelagens em risco e em antifragilidade e conseguir financiamento para essas pesquisas. Taleb afirma, com veemência, que influenciar políticas públicas e aconselhar governos não estão em pauta.
Em paralelo, Taleb pretende reunir seus escritos sobre probabilidade em um único volume. No website Silent Risk (Risco Silencioso: http://www.fooledbyrandomness.com/; leia versão preliminar do livro: TALEB, Nassim. Silent Risk ), ele atualiza a produção da obra, que recebe contribuições de leitores e internautas. “A internet mudou o modo como fazemos tudo, e uma coisa que está mudando monstruosamente é a publicação de textos científicos. Podemos contornar as revistas acadêmicas e distribuir nossa produção amplamente, com agilidade.” O autor sai fortalecido, porque recebe contribuições e comentários de pessoas ao redor do mundo, cujo interesse é melhorar os argumentos, e não de um editor, cujo interesse, segundo Taleb, é encaixar o texto na linha da revista.
Nascido em Beirute de uma família libanesa tradicional e afluente, Taleb testemunhou a perda da fortuna familiar durante a guerra civil naquele país, antes de transferir-se para os EUA. Enquanto ainda trabalhava no mercado financeiro, publicou “Fooled by Randomness“, em 2001 (Enganados pela aleatoriedade“), em que explorava o papel do acaso e da sorte nos mercados de capitais, e desmentia ideias sobre a competência de “traders” renomados. Com suas obras mais recentes, como um livro de aforismas chamado “The Bed of Procrustes” (“O Leito de Procrustes“), passou a estender seus argumentos para além do mundo financeiro, o que lhe valeu ser considerado um filósofo em perfis publicados pela mídia americana.
Ele mesmo não se define assim. “O que faço, para resumir, é estudar probabilidades e a tomada de decisões. Mas a probabilidade é algo que se mistura com muitos outros campos, então é por isso que muitas pessoas consideram que faço Filosofia“, afirma Taleb. “Estou interessado em problemas práticos, matemáticos e filosóficos, todos sob o ponto de vista da probabilidade. Estou juntando todos os meus livros em um só volume e ele vai chamar-se ‘Um Ensaio Filosófico sobre a Incerteza’.”
Parte da atenção que as obras de Taleb atraem, tanto de seguidores quanto de detratores, resulta de um estilo particular de escrita. De um lado, seu texto é agressivo. Ele não hesita em escrever que suas fórmulas são estatísticas sem “bullshit”, ao contrário do que fazem “esses charlatães”, como chama economistas, professores universitários e jornalistas de opinião (“Meu problema maior é nos Estados Unidos, em outros países não é assim”). Formalmente, ele escreve de modo solto, iniciando uma explicação com exemplos do dia a dia e terminando com extensos comentários, que podem envolver impérios do passado e silogismos filosóficos.
Ambas as características são fruto de sua convicção de que alguém que escreve ou toma qualquer atitude na esfera pública deve estar pessoalmente engajado naquilo que faz, arriscando-se a grandes perdas. (…)
De longe, o maior alvo das críticas acerbas de Taleb é o establishment americano, particularmente, o governo, a mídia, a academia e as grandes corporações. Sobre a mídia nos EUA, Taleb considera que as grandes empresas de comunicação, como o “New York Times“, não conseguem ter independência em relação ao governo e às grandes corporações – “eles apoiaram até mesmo a guerra no Iraque”. Há opções: “Quando quero informação de verdade, vou procurar no ‘The Guardian‘”, o jornal britânico cujo acesso pela internet é livre. “Por que faço isso? Porque aí sei que consigo uma opinião livre, que absolutamente não existe na imprensa americana.”
Se o problema em política e na economia é a concentração excessiva e a ilusão dos ganhos de escala, a solução passaria por uma maior fragmentação das comunidades, áreas de influência que se tornariam razoavelmente autônomas, favorecendo ideias que têm ganhado terreno nos últimos anos, como a de “bottom-up” (de baixo para cima) no lugar de “top down” (de cima para baixo) e o mantra “small is beautiful”, segundo o qual o pequeno é preferível ao grande. “Todas as grandes transformações da história da humanidade aconteceram assim.”
Taleb é um defensor renhido da ideia de cidade-Estado, em oposição ao Estado-nação. Argumenta, com exemplos históricos, que a única forma de centralização política necessária é uma confederação com fins militares, para evitar guerras. Entram nesse conceito a liga de cidades-Estado da Grécia antiga, o império austro-húngaro (em que os povos balcânicos teriam convivido muito melhor do que sob a Iugoslávia centralizada), a Suíça e até mesmo a França do Antigo Regime – “que era centralizada, mas incompetente para administrar. Quando aprenderam a administrar com competência, o país entrou em crise.” A Organização das Nações Unidas (ONU) seria um bom exemplo, também, “mas é uma instituição completamente burocrática e, por isso, incompetente”.
Leia mais: http://www.blackswanreport.com/blog/
Prezado Fernando,
o autor escreveu excelentes livros, segue o download:
The Black Swan – Nassim Nicholas Taleb – Epub: http://www5.zippyshare.com/v/63548219/file.html
Antifragile – Things That Gain from Disorder by Nassim Nicholas Taleb – Epub:http://www51.zippyshare.com/v/64138376/file.html
The Bed of Procrustes Philosophical and Practical Aphorisms – Nassim Nicholas Taleb – Epub:http://www45.zippyshare.com/v/11049775/file.html
Fooled by Randomness – Nassim Nicholas Taleb – Epub:http://www3.zippyshare.com/v/99616099/file.html
Prezado Reinaldo,
muito grato pelo envio desses links!
Ajudará muito a quem deseja uma formação alternativa à ortodoxia.
abs
Fico imaginando, esse esquema de sistemas antifrágeis pode ajudar a explicar porque as previsões de Marx que as contradições do capitalismo iriam destruí-lo. Será que é possível que as contradições do capitalismo o tornem mais forte ao invés de mais fraco? Afinal, Taleb foi um crítico do Piketty, dizendo que o Piketty incentivava a inveja. Mas, talvez eu não conheça ambos o suficiente para opinar, mas esse pensamento passou pela minha cabeça.
Prezado Rafael,
se Taleb disse que Piketty incentivava a inveja, era uma confissão: ele sentia inveja dele!
Será mais uma “querelle des écoles” ou pura vaidade que transborda dos intelectuais midiáticos?
Não sei, mas sei que o sistema financeiro “frágil”, devido ao risco sistêmico, é componente fundamental do capitalismo…
att.