Poupança Não Importa

Investimento e Poupança Nacional Bruta 2000-2014Poupança nas Contas Nacionais 2000-2013

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Apesar dos vasto conhecimento e notória experiência prática, economista nenhum costuma abrir mão dos conceitos aprendidos em sua formação básica. Assim, perdura o conceito de poupança, que a meu ver já deveria estar na “lata-de-lixo” da HPE (História do Pensamento Econômico) desde que se revelou o Paradoxo da Parcimônia e/ou o Sofisma da Composição: “se todos os agentes econômicos buscam elevar sua poupança, cortando o consumo, todos acabarão com menor poupança, pela queda de renda (e desemprego) decorrente da queda das vendas”. Aprendi isso na primeira aula do meu curso de Introdução à Economia, na FACE-UFMG, em 1971, época que a tecnocracia autocrática comandada pelo super-ministro Delfim Netto reinava de maneira absoluta.

Mais adiante, já no meu Doutorado, aprendi a diferença entre funding e poupança. As fontes de financiamento que são relevantes, pouco importando a poupança, seja ex-ante, seja ex-post, que é mero resíduo na Contabilidade Nacional. Estima-se a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) e subtrai-se o déficit das transações correntes (“poupança externa“), o déficit primário subtraido dos investimentos públicos (“despoupança governamental“), para encontrar-se o resíduo contábil denominado “poupança interna privada“. Calculada a Renda Nacional, deduz essa “poupança” para achar o consumo! Este é o que sobra! Nem a poupança, nem o consumo, no SCN (Sistema de Contas Nacionais), nenhum desses agregados é resultante direta de decisões.

Mas os ortodoxos invertem causa-efeito do cálculo do SCN, adequando-o à comprovação da “sabedoria convencional”. Afirmam: “É possível verificar que essa queda da poupança doméstica resulta de forte redução da taxa de poupança do setor privado.” Mas como, se esta é residual?! Adotam a Abordagem da Absorção (“excesso de gastos internos”) para explicar o déficit no Balanço de Pagamentos (“poupança externa”). Câmbio sobrevalorizado, demanda externa, paridade entre juros, paridade entre poder-de-compra, nada disso importa para o explicar…

Dito isso, vale rever o velho diagnóstico ortodoxo, acompanhado da maléfica receita contumaz — aumentar juros e cortar gastos públicos e privados para aumentar a poupança –, cujos efeitos colaterais — desemprego — o povo sempre arca. Compartilho abaixo o artigo-resenha do Delfim a respeito.

“Acaba de ser publicada a versão final de um estudo do Ibmec da maior importância. Trata-se do trabalho de dois competentes economistas, Carlos A. Rocca e Lauro M. Santos Jr.,

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, que diagnostica o problema fundamental que temos à frente: por que a poupança global e os investimentos em capital fixo – e logo, o crescimento -, murcharam? Sua leitura é imperdível. Para estimulá-la damos abaixo um pequeno petisco:

Poupança ENF 2005-2013

1) A queda da taxa de poupança entre 2010 e o primeiro trimestre de 2014 deve-se, essencialmente, à redução da poupança das empresas não financeiras (gráfico 1, acima);

2) Devido à queda do lucro retido das companhias de capital aberto e das maiores empresas fechadas não financeiras (gráfico 2), houve

3) forte queda da taxa de retorno sobre o capital próprio (ROE), devido à acentuada queda do lucro bruto (que vinha se deteriorando desde 2005). O mais importante fator para explicar o fato foi o aumento dos custos dos insumos (bens e serviços) que as empresas não conseguiram repassar ao mercado (gráfico 3).

No setor industrial, há claras indicações que um dos fatores mais importantes na redução das margens foi a elevação dos salários reais acima do aumento da produtividade do trabalho (gráfico 4). A dificuldade do repasse fica evidenciada quando se leva em conta a limitação introduzida pelo comportamento dos preços dos produtos importados que concorrem com a produção nacional. Embora seus preços em moeda estrangeira tenham aumentado durante todo o período, seus preços em reais tiveram crescimento inferior ao custo de produção pela valorização da taxa de câmbio.

Os próprios estímulos pontuais ao aumento da demanda interna de bens industriais pelo aumento do salário real acima da produtividade do trabalho, combinado com a expansão do crédito aos consumidores, deslocaram aquela demanda para os produtos importados pela valorização implícita da taxa de câmbio resultante da queda dos preços relativos dos bens comercializáveis em relação aos não comercializáveis. O aspecto mais perverso dessa política é que nunca houve falta de demanda interna do setor industrial. O que houve foi o seu deslocamento para o suprimento externo, uma vez que a oferta interna estava estagnada por ter perdido as condições isonômicas de competição;

4) Verifica-se que a taxa média de retorno sobre o capital investido (Roic) é, nos últimos anos, inferior ao custo médio da dívida (gráfico 5). Isso sugere um suicídio: para manter seu valor nas bolsas e distribuir dividendos, algumas companhias abertas estão tomando empréstimos a uma taxa de juro superior à taxa de retorno! Existem razões para se acreditar que a forte redução da geração de recursos próprios e a queda de rentabilidade do capital investido das maiores empresas não financeiras do país estejam entre os principais fatores para explicar a queda dos seus investimentos e a tendência à estagnação observadas na economia brasileira no último quatriênio;

5) A síntese de tudo isso está gravada no gráfico 6, que retrata a tragédia que se abateu – no nível macroeconômico – sobre a taxa bruta de poupança e de investimento, depois da bem-sucedida recuperação da economia após a crise do Lehman Brothers. Sem uma compreensão desses fatos não voltaremos ao crescimento industrial e, sem esse, o PIB continuará debilitado…”

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