Cartel é um acordo comercial entre empresas, visando à distribuição entre elas das cotas de produção e do mercado com a finalidade de determinar os preços e limitar a concorrência. A etimologia dessa palavra afirma que cartel (1527) tem sua raiz em um vocábulo francês, originalmente com o sentido de “carta de desafio para duelo”. Como termo de Economia e de Política o étimo é o alemão Kartell (1789) usado neologicamente por Eugen Richter (1838-1906), deputado liberal na Reichstag, para designar um grupo de industriais metalúrgicos que formaram uma associação com as características de monopólio. Com essa nova acepção o termo se difundiu pelas línguas europeias – tanto no inglês cartel (1902), francês cartel (1906), italiano cartello (1892). O alemão Kartell, por sua vez, herdou o termo do francês medieval cartel na acepção de “desafio para um combate singular”.
Como os Estados Unidos enfrentaram esse “desafio para um combate singular” contra o cartel formado em sua indústria petrolífera na virada do século XIX para o XX? Talvez nessa narrativa histórica encontremos lições para o Brasil enfrentar esse “desafio para um combate singular” contra o cartel formado em sua indústria petrolífera na virada do século XX para o XXI. Como já disse, trabalho com a hipótese de que a implantação dos direitos e deveres da cidadania, no nosso País, ocorre em média com um século de atraso em relação ao que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos…
O cartel é um grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuação coordenada com vistas a interesses comuns. O tipo mais frequente de cartel é o de empresas que produzem bens e serviços semelhantes, de forma a constituir um oligopólio sindicalizado sob forma de um monopólio ou, vulgarmente, como se referiam a si as empreiteiras de obras públicas brasileiras, um “clube”.
Muitas vezes se utiliza termos como truste e sindicato para os mercados nacionais ou locais. Com isso, reserva-se o termo cartel para o mercado internacional, inclusive entre países produtores de determinada commodity, como é o caso da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Os objetivos mais comuns de cartéis são:
- o controle do nível de produção e das condições de venda;
- fixação e controle de preços;
- controle das fontes de matérias-primas, no caso, cartel de compradores;
- fixação de margens de lucros e divisão de territórios; ou
- pré-definição (e rotação) do ganhador em concorrências públicas.
As empresas que forma um cartel mantém sua independência e individualidade, mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo (“clube”), como a divisão do mercado e a manutenção dos preços combinados. Em geral, formam um fundo comum que serve de reserva orçamentária ao cartel. Esse fundo é utilizado para punir as empresas do grupo que não respeitarem o acordo e também para impedir que outras empresas penetrem em mercados já dominados.
Na maioria dos países, a formação de carteis que atuem internamente é proibida por configurar um monopólio que atenta contra a livre concorrência. No entanto, a cartelização é fenômeno que ocorre logo nas economias capitalistas que não vigiam e punem com severidade essa prática.
Há, então, um certo cinismo no tratamento da questão. Internamente, argumenta-se que a atuação dos carteis elimina a concorrência. Porém, externamente, os países exportadores constituem grupos alegando que “organizam racionalmente a produção e competem em igualdade de condições em determinado mercado”.
Há cem anos, os Estados Unidos declararam uma guerra política e judicial contra as peculiares práticas de negócios de Rockefeller e seus sócios desde o início do Standart Oil Trust. Ela tentava destruir quem quer se pusesse em seu caminho. Seu crescimento foi produto da rápida industrialização da economia norte-americana das últimas décadas do século XIX, que havia transformado uma economia descentralizada e competitiva, constituída de muitas pequenas empresas industriais, em outra dominada por imensos conglomerados industriais chamados trustes, cada qual montado em certo ramo industrial, várias delas com os mesmo investidores e diretores.
A Lei de Cunhagem de fevereiro de 1873, Coinage Act (The Fourth Coinage Act), que ficou conhecido como “The Crime of 1873”, continha a decisão de retirar padrão bimetálico do dólar norte-americano por meio da desmonetização da prata com a intenção de firmar o padrão-ouro como referência do sistema monetário norte-americano. O principal efeito do pânico financeiro, gerado então em 1873, foi o de levar à falência os bancos e as companhias ferroviárias que estavam envolvidos em especulação e subsídios governamentais.
O resultado da relativa estagnação econômica entre 1873 e 1896 foi o surgimento de diversos monopólios e cartéis. A concentração industrial americana tinha começado. No último quartel do século XIX, os bancos de investimentos americanos passaram a promover a fusão entre o capital industrial e a alta finança. O resultado do processo de concentração e centralização do capital, em um ambiente de desregulamentação financeira, foi submeter todos os setores da economia ao domínio das grandes empresas (trustes).
A expansão econômica americana do século XIX estava assentada na inserção na divisão internacional do trabalho em questionamento da política hegemônica britânica, defensora da competitividade de sua industrialização originária. A política externa americana estava lastreada em:
- finanças internas desreguladas, inclusive a bancária,
- protecionismo comercial (barreiras tarifárias e outras) e
- benefícios fiscais e monetários concedidos pelos Estados e governos locais aos empresários promotores do desenvolvimento, principalmente os industriais.
À medida que o século XIX dava lugar ao XX, o eleitorado composto pela pequena burguesia empobrecida pressionou para que o governo federal dos EUA:
- restabelecesse a competição,
- controlasse os abusos e
- domasse o poder econômico e político dos trustes.
As investidas legais contra a Standard Oil começaram a ser feitas pelos governos estaduais, através de processos antimonopolistas movidos por Ohio e pelo Texas e envolveram pelo menos outros sete Estados, além do território de Oklahoma. Em Kansas, o governador texano lançou um projeto para construir uma refinaria de propriedade estadual, que competiria com a da Standard Oil.
A Standard contratou o melhor e mais caro talento dos meios judiciais para enfrentar “essa loucura de febre antitruste”, como escreveu um seu alto executivo em 1888. Procurou igualmente influenciar o processo político aperfeiçoando a arte da contribuição política oportuna. A Standard Oil não cessou de fazer contribuições para políticos, principalmente para receber um bom tratamento do Partido Republicano no Poder. Corrompeu, por exemplo, um poderoso senador do Texas, conhecido como “o primeiro líder democrata dos Estados Unidos”, que precisava de dinheiro para completar a aquisição de uma imensa fazenda.
A imprensa não ficou de fora do butim. Sua agência de publicidade conseguia plantar notícias favoráveis nos jornais barganhando-as com espaços comprados para propaganda.
A Standard Oil criou ou assumiu o controle das companhias voltadas para o exterior como se fossem distribuidoras totalmente independentes. Seus anúncios traziam títulos cínicos como “não somos nenhum truste ou monopólio, somos absolutamente independentes”. Porém, prestava contas secretas à Standard…
Apesar das companhias da Standard Oil terem sido expulsas do Texas e as propriedades postas em depósitos, os depositários dos bens em litígio venderam todas as propriedades para “agentes-laranjas” da própria Standard…
De qualquer modo, as persistentes ações legais forçaram posteriores mudanças na organização da Standard. Em 1892, em resposta à decisão de uma Corte de Ohio, o truste foi dissolvido e as ações transferidas para vinte companhias. Mas o controle permaneceu com os mesmos donos. As companhias foram reunidas sob o nome de Standard Oil Interests, em que seus presidentes participavam de uma assembleia informal para a tomada de decisões estratégicas.
Entretanto, “os senhores lá de cima” encontraram a solução de seus problemas com uma base legal mais firme em New Jersey. Esse Estado tinha revisto as suas leis para permitir o estabelecimento de holding companies – incorporações que podiam possuir ações de outras incorporações. Assim, em 1899, os proprietários da Standard Oil Interests indicaram a Standard Oil de New Jersey como a holding company de toda a sua operação. A capitalização da empresa elevou-se em onze vezes, passando ser proprietária de ações de mais quarenta e uma companhias, que controlavam outras companhias, que por sua vez controlavam ainda outras companhias!
Nesse tempo ocorreu uma importante mudança de outro tipo dentro da Standard Oil. John D. Rockefeller já havia acumulado uma vasta riqueza, tornando-se o primeiro bilionário norte-americano, estava cansado, e começou a planejar a sua aposentadoria com 55 anos. O Pânico Financeiro de 1893 e a depressão econômica desencadeada, além do vigor da crescente competição na indústria petrolífera mundial, adiaram temporariamente essa sua intenção. Finalmente, em 1897, se retirou da companhia – sem ter completado 60 anos de idade –, “profissionalizando” sua direção com os cupinchas.
Entre 1893 e 1901, a Standard Oil pagou mais de 250 milhões de dólares em dividendos. De longe, a maior parte deles foi para uma meia dúzia de acionistas – e um quarto do total para Rockefeller. Um comentarista de finanças descreveu a companhia como “um verdadeiro banco dentro de uma indústria, que financia essa indústria contra todos os concorrentes”.
No entanto, coerentemente com a política de sigilo total da companhia, não se divulgou sua aposentadoria. Assim, ainda era considerado pessoalmente responsável por qualquer coisa que a Standard Oil fizesse. Para a opinião pública, Rockefeller continuava a ser sinônimo de Standard Oil, sendo alvo de toda a crítica, todo o rancor, todos os ataques. Os processos contra a companhia estavam ainda pendentes, então, os diretores lhe disseram que se qualquer um deles fosse para a cadeia ele teria de ir com ele.
Fonte: Daniel Yergin. The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power. São Paulo, Paz e Terra, 2010. 1077 páginas.
Pingback: Estados Unidos Contra Trustes & Carteis | SOU PETROBRÁS
Pingback: Estados Unidos Contra Trustes & Carteis - SOU PETROBRAS