Ler é Aprender

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Certas vezes, e não sempre, a sabedoria se realiza pela leitura: a aquisição de conhecimentos, mas, não, de habilidade. Se concluirmos, entretanto, que a espécie de leitura que resulta em maior erudição ou compreensão é idêntica à espécie de aprendizado que resulta em mais conhecimento – estaremos cometendo um grande erro. Estaremos dizendo que ninguém pode adquirir conhecimento a não ser através da leitura, o que é falso.

Mortimer J. Adler, em “A Arte de Ler”, afirma que, na historia da educação, os homens sempre fizeram distinção entre a instrução e a descoberta, como fontes de conhecimentos. A instrução ocorre quando um homem ensina a outro, mediante a fala ou a escrita. Podemos, no entanto, adquirir conhecimento, sem que ninguém nos ensine. Se não fosse assim, e se cada professor tivesse um mestre naquilo que, por sua vez, ensina a outros, nunca se teria começado a adquirir conhecimento. Daí, a descobertaprocesso de aprender graças à pesquisa, à investigação, ao raciocínio, sem mestre de espécie alguma.

A descoberta está para a instrução, assim como aprender sem professor está para aprender com sua ajuda. Em ambos os casos, a atividade é de quem aprende. Seria um grave erro supor que a descoberta é ativa, e a instrução passiva. Não há aprendizado passivo, assim como não há leitura inteiramente passiva.

A diferença entre as duas atividades depende do material do aprendizado. O aluno, que está sendo educado ou instruído, age com o que lhe transmitem. Realiza operações na dissertação escrita ou oral. Aprende, porque lê ou ouve.

Note-se a relação intima entre ler e ouvir. Se ignoramos as menores diferenças entre esses dois modos de receber comunicação, podemos dizer que ler e ouvir são a mesma artea arte de se educar.

Quando, no entanto, o aluno trabalha sem auxílio de professor, o processo do aprendizado se realiza mais na natureza do que no livro. As regras que governam tal aprendizado constituem a arte da descoberta. Se empregarmos, negligentemente, a palavra “ler”, podemos dizer que a descoberta é a arte de ler a natureza, como a instrução (ser educado) é a arte de ler livros ou, para não desprezar o ouvido, de aprender com as ideias alheias.

E pensar? Se por “pensar” entendemos a aplicação de nossas mentes em adquirir conhecimento, e se a instrução e a descoberta são os únicos modos de o fazer, – é claro que só devemos pensar durante uma ou outra dessas duas atividades.

Temos que pensar ao correr:

  1. da leitura e
  2. da audição e
  3. da pesquisa.

Natural que as maneiras de pensar sejam diferentes – diferentes, como são os dois modos de aprender.

A razão pela qual muita gente considera o pensamento mais intimamente ligado à pesquisa e à descoberta, do que à educação, é porque ler e ouvir são atitudes passivas. Rigorosamente, pensa-se menos quando se lê por erudição do que quando se procura descobrir alguma coisa. Porque a leitura, aí, é menos ativa. Mas isso não acontece quando ela é mais ativa – e quando se faz esforço para compreendê-la. Ninguém que tivesse lido desse modo diria que o pudesse fazer sem pensar.

O pensamento é apenas um setor da atividade de aprender. Deve-se usar também os sentidos e a imaginação. É observar, rememorar e construir ideologicamente o que não pode ser observado. Há, de novo, uma tendência para realçar o papel dessas atividades no processo da pesquisa ou da descoberta, e esquecer ou subestimar sua importância, no processo da instrução pela leitura ou pelo ouvido. Uma reflexão de um instante mostrará que tanto os poderes sensoriais, quanto os do raciocínio, devem ser empregados quando se lê ou ouve.

A arte de ler, em síntese, compreende as mesmas habilidades que constituem a arte da descoberta:

  1. agudeza de observação,
  2. memória pronta,
  3. fertilidade de imaginação e,
  4. por certo, uma inteligência habituado à analise e à reflexão.

Embora, em geral, sejam idênticas, as habilidades podem ser empregadas diferentemente nos dois tipos principais de aprendizado.

Mortimer J. Adler insiste, ainda, nos dois erros que ocorrem frequentemente.

Um erro é feito pelos que escrevem ou falam de uma arte de pensar como se tal coisa existisse por si mesma. Desde que nunca pensamos, fora dos processos do aprendizado e da pesquisa, não há arte de pensar independente da arte de ler e ouvir, de um lado, – e da arte da descoberta, de outro.

Enquanto for verdade que ler é aprender, será também verdade que ler é pensar. Uma noção exata da arte de pensar só pode ser dada com uma análise completa da leitura e da pesquisa.

O outro erro é feito pelos que escrevem sobre a arte de pensar como se ela fosse idêntica à arte da descoberta. Um exemplo notável desse erro é limitar a discussão sobre o pensamento ao aprendizado pela descoberta. Mas esta é apenas uma das principais maneiras de pensar. É igualmente importante saber como pensamos, quando lemos um livro ou assistimos a uma aula.

Talvez seja ate mais importante para os professores que realizam a instrução, uma vez que a arte de ensinar se refere à arte de aprender, como a arte de escrever se refere à arte de ler.

Mortimer J. Adler duvida que alguém que não saiba ler bem, consiga escrever bem. Duvida que seja capaz de ensinar, quem não possui a arte de se instruir.

Perde-se muito mais tempo em habilitar os alunos a fazerem descobertas sozinhos, do que em habilitá-los a aprender com os outros. Não há vantagem nenhuma em gastar energia para descobrir o que já foi descoberto. Devemos poupar nossa habilidade para pesquisar o que não é conhecido e exercitá-la para aprender o que os outros já sabem e que podem ensinar, portanto.

Perde-se um tempo enorme em cursos práticos. E a única desculpa para tal excesso é que, assim, os alunos aprendem a pensar. Em verdade, os alunos pensam, mas só uma espécie de pensamento.

Um homem bem educado, e, mesmo, um cientista, é capaz de aprender com a leitura também. As gerações humanas não precisam aprender tudo por si como se, antes, nada se tivesse aprendido. A verdade e que elas não o poderiam fazer, nem que o quisessem.

Muitas das regras formuladas para a leitura de livros podem se aplicar ao ato de assistir a aulas. Entretanto, é bom limitar nossa discussão à arte de ler ou, pelo menos, dar mais ênfase à leitura, deixando as outras aplicações se tornarem problemas secundários.

O fato é que ouvir é aprender com um professor-vivo, enquanto que ler é aprender com um professor-morto, ou com alguém que não está presente, a não ser através de seus escritos.

Enfim, a tese de Mortimer J. Adler, em “A Arte de Ler”, é que “a menos que a arte de ler seja cultivada, como ela não o é na educação de hoje, o uso de livros deve se reduzir cada vez mais”.

Evidentemente, esse livro interessa aos que ainda estão no colégio, escola ou faculdade. Mas interessa, também, aos que não estão mais, pois podem depender dos livrosúnico meio que têm de continuar a educação – e precisam saber como utilizá-los para um ensino conveniente.

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