Hedge a la Avestruz

Marcela Rocha é economista de O Mercado. Publicou artigo (Valor, 11/04/17) em que revela a proteção de avestruz adotada por Ele.

“Ao contrário das expectativas, a conjuntura internacional após a vitória de Trump, por ora, não se configura em um cenário adverso para as economias emergentes. O ano de 2017 tem sido marcado por:

  1. a alta do índice acionário dos mercados emergentes,
  2. a valorização da maioria das moedas e
  3. o recuo do prêmio de risco destas economias.

Os principais riscos provenientes dos EUA para as economias em desenvolvimento, como ações protecionistas, retaliação comercial e promessas de estímulo fiscal, continuam presentes nos discursos de Trump e, inclusive, algumas ações já foram anunciadas. No entanto, a expectativa de que grande parte das propostas mais polêmicas de Trump permaneça somente no campo da retórica e que o Congresso americano atue para refrear medidas controversas e demasiadamente onerosas têm contribuído para o bom desempenho dos ativos emergentes no ano.

Ainda mais importante do que o fator Trump, o que ajuda a explicar a boa performance dos países emergentes no período são:

  1. os preços das commodities sustentados pela expansão sincronizada da economia global,
  2. o menor risco de uma desaceleração abrupta da economia chinesa e
  3. a perspectiva de maiores gastos com infraestrutura nos EUA.

O Brasil desfruta da janela de oportunidade externa e os principais ativos brasileiros também mostram retorno positivo no ano. Contudo, a boa performance dos ativos domésticos levanta questionamentos sobre o quanto da melhora foi influenciada pelos desdobramentos externos.

Afinal, logo após a vitória de Trump, também foram observados avanços positivos no cenário interno. [?!] O governo de Temer teve êxito em aprovar a PEC do teto dos gastos, uma ambiciosa reforma da Previdência foi enviada ao Congresso e foram anunciadas diversas medidas microeconômicas com o intuito de aumentar a produtividade do país. Adicionalmente, a desaceleração mais intensa da inflação viabiliza um ciclo de afrouxamento monetário mais vigoroso e contribui para a retomada do crescimento.

Para tentar entender o quanto do bom desempenho dos ativos brasileiros neste período pode ser explicado pelo cenário internacional, buscamos replicar o modelo desenvolvido pelo Ibre/FGV (“Câmbio nominal: fatores internos ou externos em sua dinâmica recente?”, de 2016) que estabelece uma metodologia que diferencia os movimentos do risco-país, medido pelo CDS, devido a fatores externos daqueles explicados por fatores domésticos.

A regressão do modelo conta com três variáveis que não são influenciadas pela conjuntura brasileira:

  1. preços das commodities,
  2. taxa de juros de dez anos dos EUA e
  3. o dólar em função de uma cesta de moedas.

Assim, o risco-país estimado a partir deste modelo é chamado de CDS dos componentes globais. Já o resíduo desta regressão pode ser interpretado como o componente doméstico do risco-país.

De acordo com o modelo econométrico, por exemplo, desde maio de 2016 até novembro de 2016, período em que Temer assumiu a presidência até a eleição nos EUA, o CDS brasileiro foi, em média, determinado pelos fundamentos internacionais, uma vez que a correlação entre o CDS brasileiro e o risco-país dos componentes globais é de 73%. Contudo, a partir da vitória de Donald Trump, o risco-país dos componentes globais estimado e o CDS brasileiro mostram diferença relevante, sinalizando que os riscos locais passam a ter maior influência no CDS brasileiro.

No primeiro trimestre de 2017, por exemplo, a correlação entre as séries é de somente 25%. Ainda, enquanto o risco-país dos componentes globais mostra recuo de somente 5 pontos-base em 2017, o CDS brasileiro apresenta queda de 45 pontos-base no período.

Este exercício, ainda que em uma janela curta de observação, nos leva a inferir que a recente queda do risco-país do Brasil é explicada por fatores idiossincráticos domésticos. Ou seja, qualquer frustração com a condução dos próximos passos do ajuste fiscal em curso deve trazer mais volatilidade e levar a correções aos ativos brasileiros. [E o desmanche do sistema partidário, nada?!]

E fatores de preocupação em relação à evolução do ajuste fiscal não faltam. A reforma da Previdência tramita em ritmo mais lento do que o governo inicialmente planejava e alterações na regra de transição proposta parecem inevitáveis. Adicionalmente, existem incertezas sobre o cumprimento da meta fiscal de 2017 e, principalmente, dúvidas sobre o retorno do superávit primário consolidado em 2019, conforme a expectativa do governo. [Que reducionismo economicista!]

A PEC do teto dos gastos deve ser cumprida até 2020 com redução das despesas discricionárias. Porém, com alguma modificação na reforma da Previdência, a trajetória aguardada de redução das despesas como proporção do PIB é interrompida.

Nossas estimativas indicam que, caso a regra de transição da reforma da Previdência mude de acordo com as emendas já apresentadas à PEC, o efeito no aumento das despesas com os gastos previdenciários é de 0,3 pontos percentuais do PIB em relação à proposta original do governo para a regra de transição. Portanto, após um começo de ano favorável aos ativos brasileiros, qualquer desdobramento fiscal inesperado pode ter efeitos demasiadamente negativos.”

[Economistas de O Mercado atuam como lobistas com recorrentes e frágeis argumentos. O contexto político muda, mas a análise econômica continua a mesma, como no mundo real  a economia e a política fossem separadas como são nos livros-textos…]

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