Mulheres Ricas: Herdeiras, Viúvas, Empreendedoras ou Divorciadas

Minha amiga Prof(a). Dr(a). Hildete Pereira (UFF) sugeriu à Cássia Almeida, Repórter Especial de Economia do Jornal O Globo, escrever uma matéria sobre desigualdade entre os sexos dos ricos nacionaisPreparando-me para a entrevista, resolvi fazer uma breve pesquisa preliminar a respeito. Hildete me disse: “sabemos que há desigualdades entre as grandes fortunas, as mulheres não detêm nem 20% do patrimônio das contas de investimentos dos bancos”. Eu não sabia. Mesmo com minha longa carreira como pesquisador do sistema financeiro nacional, não me lembrava de nenhuma estatística de riqueza financeira por gênero.

Só tinha conhecimento da lista das bilionárias… Pessoalmente, só tive o prazer de conhecer a Milu Vilela que me convidou para um almoço no MAM quando meu livro “Brasil dos Bancos” foi publicado. Disse-me que desejava conhecer o autor, pessoalmente, pois eu fui muito fiel na descrição de seus antecedentes. Foi muito simpática.

Pesquisando na internet, constatei que existem 21 mulheres brasileiras bilionárias, segundo o ranking da revista Forbes Brasil de 2015. A maioria teve a sorte de nascer em “berço de ouro”, herdeiras de famílias que são donas de holding econômico-financeira, ou casou-se bem, separou-se ou tornou-se viúva. No restrito grupo dentro do já seleto de pessoas mais ricas do mundo em dólares, apenas 16 mulheres do planeta ingressaram no ranking de ricaços sem ser por meio de uma herança ou um divórcio.

Entre as brasileiras, há três irmãs bilionárias em dólares, cada uma com US$ 1,9 bilhão, já que são controladoras da Camargo Correa, conglomerado de cimento e construção fundado em 1939 pelo pai Sebastião Camargo. De uma lista com 124 bilionários em reais, apenas 21 são mulheres.

Há empreendedoras que obtiveram sucesso financeiro em conjunto com o marido. Em 30º lugar, aparece uma médica de 65 anos, com fortuna estimada em R$ 4,69 bilhões. Junto com o ex-marido fundou o grupo de saúde Amil. Uma professora de 76 anos, fundou com o marido a Universidade Norte do Paraná (Unopar). Após vender seu negócio, tornaram-se grandes acionistas do grupo Kroton Educacional. A fortuna do casal é avaliada em R$ 1,87 bilhão, e eles estão em 78º/79º lugar. Também junto ao marido, uma mulher empreendedora ajudou a criar o frigorífico Marfrig. O casal aparece no 103º lugar no ranking da Forbes, com riqueza estimada em R$ 1,28 bilhão.

No entanto, o imaginário social no Brasil vê esse mundinho dos ricos de maneira superficial, como fosse composto, tipicamente, pelas cinco socialites que exibiam seus hábitos de luxo na televisão. A primeira temporada do reality show “Mulheres Ricas”, há cinco anos, na Band, contou com narcisistas que ostentavam carrões, roupas de grife, passeios de barco. O que parecia só futilidade se transformou em fenômeno de audiência na emissora. Em tempos de economia em alta – e em que ostentar nas redes sociais não era tão explícito –, os telespectadores tinham curiosidade em saber como viviam as ricaças em um país em desenvolvimento como o Brasil. A guerra de egos que que pairava entre elas dizia respeito a quem tinha mais poder aquisitivo.

Economistas devem abandonar o individualismo metodológico em que se tira conclusões gerais a partir de estudos de casos específicos. Não avaliam se o tamanho da amostra é representativo. Treinados para extrapolar o Homo Economicus como representativo de todos os agentes econômicos, confiam em opinião de uma única pessoa (“argumento de autoridade”) sob a crença que basta pequena amostra para representar grupos de indivíduos similares.

Essa extrapolação é um típico de viés heurístico da representatividade: é com base no “conhecimento popular” de estatística que se infere uma análise superficial. Utiliza-se de regras intuitivas de probabilidades, que não seguem a lógica racional da estatística científica, para avaliar a ocorrência de algum fato. Por exemplo, se algum resultado já ocorreu várias vezes, acha-se que a probabilidade de ele se repetir decai, mesmo sendo evento independente. Estabelecem-se opiniões baseadas apenas em estereótipos ou mesmo preconceitos.

Holístico ou holista é um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o holismo, ou seja, que procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade. A palavra holístico foi criada a partir do termo holos, que em grego significa “todo” ou “inteiro”.

O holismo é inspirado na Filosofia aristotélica, mas Jan Christiaan Smuts, em 1926, o recapitulou como a “tendência da natureza de usar a evolução criativa para formar um todo que é maior do que a soma das suas partes”. Esta noção remete para uma forma específica de contemplar o mundo que pode ser aplicada em várias áreas de conhecimento, como Medicina, Psicologia, Física, Administração, Ecologia, etc. Em Economia da Complexidade adota-se uma visão holística para se observar, inicialmente, o todo e, depois, deduzir os principais nódulos da rede de relacionamentos entre seus diversos componentes que interagem para a emergência do Sistema Complexo.

Para isso, o caminho metodológico é pesquisar em big data. Data mining é uma expressão inglesa ligada à informática cuja tradução é mineração de dados. Constitui a etapa de análise do processo conhecido como KDD (Knowledge Discovery in Databases), sendo a sua tradução literal “Descoberta de Conhecimento em Bases de Dado”.

Consiste em uma funcionalidade que agrega e organiza dados, encontrando neles padrões, associações, mudanças e anomalias relevantes. O data mining pode ser divido em algumas etapas básicas que são: exploração, construção de modelo, definição de padrão e validação e verificação.

A mineração de dados é uma prática relativamente recente em computação. Utiliza técnicas de recuperação de informação, inteligência artificial, reconhecimento de padrões e de estatística para procurar correlações entre diferentes dados que permitam adquirir um conhecimento útil. Para uma empresa, o data mining pode ser uma importante ferramenta que potencia a inovação e lucratividade.

Essa “mineração” é bastante usual em grandes bases de dados (big data). O resultado final da sua utilização pode ser exibido através de regras, hipóteses, árvores de decisão, dendrogramas, etc. Uma mineração de dados bem executada deve cumprir tarefas como: detecção de anomalias, aprendizagem da regra de associação (modelo de dependência), clustering (agrupamento), classificação, regressão e sumarização.

Sem tempo (e habilidade) para adotar essa metodologia mais sofisticada, fui apenas ler as DIRPF 2016 – AC 2015, única base de dados que conheço que separa a estatística de rendimentos e bens & direitos por gêneros. Fiz pequeno cálculo – somando todos os rendimentos (tributáveis, exclusivos e isentos) e dividindo-os pela quantidade de declarantes, seja por faixas de idade, seja por faixas de salários mínimos –, e o repetindo para bens e direitos, para também achar a média per capita, além de dividir os rendimentos totais por 12 meses, com a finalidade de visualizar os rendimentos mensais, passíveis de comparações com outras fontes de informações.

De cara (analise a tabela acima), encontrei informações sobre a diversidade de renda e riqueza entre os dois gêneros que me surpreenderam. A faixa etária até 18 anos feminina, composta por 306.344 declarantes, tem o maior rendimento per capita mensal (quase R$ 12.000 em 2015) e a maior média de bens e direitos per capita (R$ 451 mil). Por que supera até mulheres acima de 80 anos? Por que há apenas 44.609 declarantes masculinos até 18 anos, cujos rendimento mensal per capita era R$ 4.814,66 e bens e direitos cerca de 1/3 das mulheres?

Estava obrigada a apresentar a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física referente ao exercício de 2016, a pessoa física residente no Brasil que, no ano-calendário de 2015:

  1. recebeu rendimentos tributáveis, sujeitos ao ajuste na declaração, cuja soma anual foi superior a R$ 28.123,91;
  2. recebeu rendimentos isentos, não tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte, cuja soma foi superior a R$ 40.000,00.
  3. obteve, em qualquer mês, ganho de capital na alienação de bens ou direitos, sujeito à incidência do imposto, ou realizou operações em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas;
  4. optou pela isenção do imposto sobre a renda incidente sobre o ganho de capital auferido na venda de imóveis residenciais, cujo produto da venda seja destinado à aplicação na aquisição de imóveis residenciais localizados no País, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da celebração do contrato de venda, nos termos do art. 39 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005.
  5. relativamente à atividade rural: obteve receita bruta anual em valor superior a R$ 140.619,55; pretenda compensar, no ano-calendário de 2015 ou posteriores, prejuízos de anos-calendário anteriores ou do próprio ano-calendário de 2015.
  6. teve a posse ou a propriedade, em 31 de dezembro de 2015, de bens ou direitos, inclusive terra nua, de valor total superior a R$ 300.000,00.
  7. passou à condição de residente no Brasil em qualquer mês e nessa condição se encontrava em 31 de dezembro de 2015.

Minha hipótese é que se trata de adolescentes herdeiras de imóveis que recebiam alugueis como rendimentos. Porém, isso não responde a respeito da razão da diferença muito significativa (sete vezes maior) entre o número de declarantes femininos e masculinos nessa faixa até 18 anos. Quem sabe?

Quando se analisa a Tabela acima em que os declarantes são divididos por faixas de salários mínimos mensais, a única anomalia que se destaca está na diferença superior de rendimentos mensais per capita das mulheres sobre os de homens na faixa de 60 a 320 salários mínimos. Ganhavam entre R$ 47.380,00 e R$ 252.160,00, no ano de 2015, 33.055 declarantes masculinos (0,21% do total masculino de 15,9 milhões) e 6.979 femininos (0,06% do total feminino de 11,6 milhões). Talvez devido ao número muito menor de mulheres, os rendimentos per capita delas constituem médias superiores.

Em síntese, dentro da imensa desigualdade socioeconômica brasileira destaca-se ainda a desigualdade entre gêneros. Isto sem comentar a desigualdade entre etnias em um país de herança escravista em regressão para o regime de escravidão contemporânea.

2 thoughts on “Mulheres Ricas: Herdeiras, Viúvas, Empreendedoras ou Divorciadas

  1. Interessante, tem como fazer a primeira tabela considerando apenas a parcela mais rica da sociedade? Digamos o 1% do topo da piramide.

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