Os Meios para a Prosperidade

Nicholas Wapshott, no livro “Keynes x Hayek: a origem e a herança do maior duelo econômico da história”, conta que, “palestra após palestra, lendo sucessivas provas tipográficas de The General Theory corrigidas por ele próprio, Keynes apresentou as últimas iterações de seu pensamento. Ficou claro para os que assistiam que estavam testemunhando algo fora do comum.

Michael Straight, um estudante americano, lembrou: “Era como se estivéssemos ouvindo Charles Darwin ou Isaac Newton. A audiência silenciava enquanto Keynes falava.” No final da série, após lidar a seu jeito com suas ideias, Keynes estava satisfeito e pronto para entregar ao editor, Macmillan, o conjunto final de provas corrigidas de um trabalho que muitos veriam como o mais influente corpo teórico econômico escrito no século XX.

Embora na maior parte do tempo Keynes ficasse confinado à vida acadêmica durante a gestação de The General Theory, ele se permitiu uma significativa investida no domínio público. Quando foi anunciado que uma reunião de cúpula internacional, a Conferência Econômica Mundial, seria realizada em Londres, em junho de 1933, Keynes não resistiu a uma chance de participar. Queria certificar-se de que seu mais recente pensamento estivesse disponível para os formuladores de políticas públicas.

Propôs ao editor do The Times, Geoffrey Dawson, uma série de artigos sugerindo um modo de resolver a crise econômica mundial por meio da cooperação internacional. Os artigos ofereceram uma previsão rápida de uma teoria revolucionária que logo mudaria o mundo.

Depois de aparecer no Times, os artigos foram reunidos como um folheto, The Means to Prosperity, um documento que demonstrou ser o acampamento principal para o pico de The General Theory. Por uma vez, Keynes, agora com 50 anos, abandonou as tiradas fáceis e o sarcasmo pitoresco que se tornara sua característica típica e, em lugar disso, expressou com clareza e sem emoção um argumento que, ele sentia, atrairia a atenção dos economistas e ministros de Finanças que se dirigiam a Londres.

Ele os desafiou a concordar com a prescrição dele para criar milhões de novos empregos a um custo mínimo para o contribuinte, ou indicar onde ele errava. Foi o relato mais persuasivo, irrefutável e disciplinado de suas ideias criativas já expressado e continha todos os elementos do que se tornaria conhecido como “keynesianismo”.

Muito mais que The General Theory, cuja intenção era influenciar economistas acadêmicos, The Means to Prosperity foi feito deliberadamente para ser acessível àqueles, como muitos dos ministros de finanças do mundo, que tinham pouco conhecimento de economia. Para os hayekianos, The Means to Prosperity era o sinal mais claro ainda da escala do pendente desafio keynesiano à sua filosofia em defesa do Livre Mercado. Keynes lhes deu clara amostra do que viria em The General Theory e lhes sugeriu que era tempo de preparar contra-argumentos.

Em The Means to Prosperity, Keynes foi franco com aqueles que sugeriam que a economia se recuperaria se remédios tradicionais fossem empregados. “Ainda há pessoas que acreditam que a saída só pode ser encontrada no trabalho duro, na persistência, frugalidade, em métodos melhorados de negócios, negócios bancários mais cautelosos e, acima de tudo, em evitar artifícios”, escreveu. Armado com o estudo de Kahn, Keynes, pela primeira vez, integrou publicamente o multiplicador em sua proposta de que os governos deveriam gastar para elevar a demanda global na economia. E confrontou diretamente a assertiva dos hayekianos de que os gastos do governo só iriam estimular a inflação.

“Se o novo gasto é adicional e não meramente uma substituição para outro gasto, o aumento do emprego não para aqui”, escreveu. “Os salários adicionais e outras rendas pagas são gastos em compras adicionais, que, em troca, levam a mais emprego. Se os recursos do país já estivessem completamente empregados [plena ocupação da capacidade produtiva], essas compras adicionais se refletiriam principalmente em preços mais altos e importações aumentadas. Mas, nas presentes circunstâncias [com capacidade ociosa], isso seria verdade apenas em relação a uma pequena proporção do consumo adicional, uma vez que a maior parte dele poderia ser fornecida sem muita mudança de preço por recursos domésticos que, no presente, se encontram ociosos.”

Para aqueles que lidavam pela primeira vez com a forma de o multiplicador funcionar, Keynes explicou nos mínimos detalhes. “Os novamente empregados, que suprem as compras maiores dos empregados nas atividades do novo capital, irão, por sua vez, gastar mais, contribuindo assim para o emprego de outros; e assim por diante”.

Insistiu em que o emprego não era o único benefício do multiplicador. “Metade do que [o ministro das Finanças] envia irá de fato retornar a ele por meio da poupança do auxílio aos desempregados e um rendimento mais alto de um nível dado de tributação.” Isso se tornaria elemento-chave de The General Theory, que economistas e ministros de Finanças deveriam examinar minuciosamente, não se as entradas e saídas dos gastos nacionais estavam equilibradas, mas a escala da renda total da nação, o que Keynes chamaria de “demanda agregada” de uma nação.

Em um argumento familiar àquele que iria reemergir depois da crise bancária de 2008 quando planos para um estímulo mediante empréstimo do governo foram imediatamente contrariados pela ansiedade com respeito ao déficit orçamentário, Keynes afirmou que “é um erro completo acreditar que existe um dilema entre esquemas para aumentar o emprego e esquemas para equilibrar o orçamento — que devemos ir devagar e cautelosamente com o anterior por medo de ferir o último. Muito pelo contrário. Não existe possibilidade de equilibrar o orçamento exceto pelo aumento da renda nacional, que é muito a mesma coisa que aumentar o emprego”.

[Fernando Nogueira da Costa: a equipe econômica do governo temeroso não sabe esse beabá do keynesianismo: quer um ajuste fiscal durante a Grande Depressão que provocou com a taxa de juro elevadíssima! Com a queda da renda nacional não há como elevar a arrecadação fiscal ao patamar anterior.]

Novamente, um elemento essencial de The General Theory estava em exibição pública: que a renda nacional era igual à soma das rendas dos que estavam empregados. Keynes estimava que custaria 100 milhões de libras por ano pôr 1 milhão de pessoas para trabalhar, dos quais 50 milhões de libras poderiam vir de uma redução na tributação. Essa foi a primeira sugestão de que isenções nos impostos poderiam ser usadas para estimular a economia, política que se tornou uma marca, primeiro, dos keynesianos e dos ministros das finanças keynesianos, mas, depois, um talismã para seus oponentes Conservadores.

Ele advertiu que, para tal redução nas taxas [tributos] ter o efeito desejado no mercado de trabalho, “não se aplica um alívio na tributação compensado por igual redução dos gastos do governo (reduzindo o salário dos professores, por exemplo); porque isso representa uma redistribuição, não um aumento líquido, da capacidade nacional de gastos”.

Como Harrod observou, “começamos aqui a ter uma primeira insinuação de uma ideia, mais radical que qualquer uma recomendada até então, que o ministro das Finanças deveria elevar o poder de compra adicional, não apenas financiando obras públicas mediante empréstimos, como também perdoando impostos sem reduzir os gastos correntes. Isso é quase ‘financiamento do déficit’ em seu completo sentido”.

Ainda por cima, Keynes fez um apelo mais amplo para uma ação concertada a fim de aumentar a demanda em todo o mundo e, em face da deflação [queda de preços] disseminada que detinha a atividade empresarial, elevar deliberadamente os preços como incentivo aos empresários e à indústria privada. “Não existe meio efetivo de elevar os preços mundiais exceto pelo aumento dos gastos do governo financiados por empréstimos em todo o mundo”, afirmou. “Foi, efetivamente, o colapso dos gastos financiados por empréstimos feitos pelos Estados Unidos, para serem usados tanto interna quanto externamente, o principal agente do início da depressão.”

Keynes, então, se aventurou no território que guiaria o pensamento dos vitoriosos Aliados tentando restaurar a economia mundial depois da devastação infligida pela Segunda Guerra Mundial. Ele sempre expressara seu desprezo pelo ouro como medida arbitrária de riqueza. O que agora propunha era que os ministros de Finanças do mundo imprimissem dinheiro juntos, como se estivesse garantido por ouro.

Para Keynes, o “ouro imaginário” era tão completamente útil quanto os lingotes reais. Nações individualmente já haviam abandonado fazia tempos a vinculação de seu volume de cédulas de dinheiro ao montante verdadeiro de ouro estocado em seus tesouros. Por que não aplicar a mesma lógica financeira a um sistema de crédito internacional?

Em que a cada nação seriam fornecidas “cédulas de ouro” que teriam todos os benefícios de uma provisão de ouro, mas sem que essa provisão realmente existisse. Esse era, Keynes pressionava, um meio de restaurar a confiança em um mercado mundial que congelara ante a falência econômica. Mas, se era um instrumento para restaurar a confiança, era mais que mero truque de confiança.

Como Roy Harrod explicaria, “ninguém pensaria que era um truque de confiança se todas essas nações descobrissem um volume de ouro equivalente em minas locais e fossem encorajadas a ir adiante pelas reservas assim adquiridas. Por que certificados de ouro não desempenhariam papel similar?

Keynes, então, pôs em jogo uma ideia que se tornaria totalmente efetiva quando os Aliados contemplaram como assegurar que o mundo de pós-guerra evitasse repetir os erros do Tratado de Versalhes: o estabelecimento de um corpo bancário mundial, uma ideia que se tornou manifesta no Banco Mundial. Ele propôs US$ 5 bilhões em “notas de ouro” distribuídas para cada país de acordo com “alguma fórmula, tal como o volume de ouro que tinha em reserva em alguma data recente normal, por exemplo, no fim de 1928”.

Para assegurar a estabilidade da moeda, Keynes, que há muito descartara o ouro como padrão útil para fixar o valor das moedas, foi, talvez relutantemente, convencido de que um padrão-ouro imaginário deveria continuar a determinar o novo regime financeiro mundial. “As notas seriam notas de ouro”, escreveu, “e os participantes deveriam concordar em aceitá-las como equivalentes ao ouro. Isso implica que as moedas nacionais de cada participante deveriam ficar em alguma relação definida com o ouro.”

Havia uma nota profundamente agourenta em uma das observações de despedida de Keynes. Em The Economic Consequences of the Peace, ele previra que as reparações impostas às nações derrotadas iriam nutrir as condições ideais para o florescimento de movimentos políticos extremistas, da direita ou da esquerda. Embora não aludisse em The Means to Prosperity a eventos que aconteceram na Alemanha apenas dois meses antes que seus artigos aparecessem — a saber, o surgimento dos nazistas liderados por Adolf Hitler, nomeado chanceler em janeiro de 1933 —, ele se referiu a outro conjunto de circunstâncias que também exibiriam sua compreensão presciente de como o mundo girava.

“Alguns cínicos, que seguiram esse argumento até aqui, concluem que nada, exceto uma guerra, pode levar ao fim uma grande depressão”, escreveu. “Até agora, a guerra tem sido o único objeto dos gastos públicos financiados por empréstimos em larga escala que os governos consideram respeitável. Em todas as questões de paz eles são tímidos, cautelosos demais, indiferentes, sem perseverança ou determinação, pensando no empréstimo como uma perda e não como um elo para a transformação dos recursos excedentes da comunidade, que, de outra forma, seriam desperdiçados, em ativos de capital úteis. Espero que o nosso governo mostre que este país pode ser enérgico até em tarefas de paz.”

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