
Michael Hudson – Counter Punch, September 13, 2021. Traduzi o artigo para debate, embora seu radicalismo beire o pensamento binário, tipo azul ou vermelho, no caso brasileiro, amarelo ou vermelho…
“George Soros teve um ataque público com o fato de ele não poder ganhar o tipo de dinheiro fácil com a China como ele foi capaz de ganhar quando a União Soviética foi dividida e privatizada. Em 7 de setembro de 2021, em seu segundo editorial mainstream em uma semana, George Soros expressou seu horror com a recomendação do Black Rock, o maior gestor de ativos do mundo: os gestores financeiros deveriam triplicar seus investimentos na China. Alegando tal investimento colocar em risco a segurança nacional dos EUA ao ajudar a China, o Sr. Soros intensificou sua defesa das sanções financeiras e comerciais dos EUA.
A política da China de moldar os mercados para promover a prosperidade geral, em vez de deixar o superávit econômico se concentrar nas mãos de investidores corporativos e estrangeiros, é uma ameaça existencial às prioridades neoliberais da América, ele explica. O programa “Prosperidade Comum” do presidente Xi “visa reduzir a desigualdade distribuindo a riqueza dos ricos para a população em geral. Isso não é um bom augúrio para os investidores estrangeiros.” [1] Para os neoliberais, isso é uma heresia.
Criticando o “cancelamento abrupto de uma nova emissão do grupo Ant do Alibaba em novembro de 2020” pela China e “banimento da China de empresas de tutoria financiadas pelos Estados Unidos”, Soros cita o cofundador da Blackstone, Stephen Schwarzman, e o ex-presidente do Goldman Sachs, John L. Thornton, por buscar obter retornos financeiros para seus investidores, em vez de tratar a China como um estado inimigo e adversário iminente da Guerra Fria:
“A iniciativa BlackRock põe em perigo os interesses de segurança nacional dos EUA e de outras democracias porque o dinheiro investido na China ajudará a apoiar o regime do presidente Xi (…). O Congresso deve aprovar uma legislação para autorizar a Comissão de Valores Mobiliários limitar o fluxo de fundos para a China. O esforço deve contar com apoio bipartidário”.
O New York Times publicou um artigo proeminente, definindo a “Doutrina Biden” como “a China como concorrente existencial da América; a Rússia como um disruptivo; o Irã e a Coreia do Norte como proliferadores nucleares, as ameaças cibernéticas em constante evolução e o terrorismo se espalhando muito além do Afeganistão”.
Contra essas ameaças, o artigo descreve a estratégia dos EUA como uma representação de “democracia”, o eufemismo para países com governos mínimos, deixando o planejamento econômico para os gestores financeiros de Wall Street e a infraestrutura nas mãos de investidores privados, não fornecida a preços subsidiados. Nações a restringirem os monopólios e a relacionada caça-de-renda [rent-seeking] são acusadas de serem autocráticas.
Assim como os Estados Unidos, Alemanha e outras nações se tornaram potências industriais nos séculos 19 e 20 por meio de infraestrutura patrocinada pelo governo, tributação progressiva e legislação antimonopólio. “Chutar a escada”, isto é, a rejeição pós-1980 dessas políticas, levou à estagnação econômica para os 99% países de capitalismo tardio sobrecarregados pela deflação da dívida e pelo aumento das despesas gerais pagas aos rentistas dos setores de Finanças, Seguros e Imóveis (FIRE: Finance, Insurance and Real Estate).
A China está prosperando ao seguir precisamente as políticas pelas quais as antigas nações industriais líderes enriqueceram, antes de sofrerem com a doença da financeirização neoliberal. Este contraste estimula o motivo do citado artigo, resumido em seu resumo de o que espera se tornar uma Doutrina Biden, apoiada pelo Congresso, para escalar uma Nova Guerra Fria contra economias não neoliberalizadas, justapondo o imperialismo liberal-democrático patrocinado pelos EUA contra o socialismo estrangeiro:
“No mês passado, o Sr. Blinken advertiu a China e a Rússia estarem ‘argumentando em público e em privado os Estados Unidos estarem em declínio. Então, é melhor jogar sua sorte com suas visões autoritárias para o mundo em lugar de ser com a nossa visão democrática”. [2]
O Sr. Soros viu o fim da Guerra Fria abrir o caminho para ele e outros investidores estrangeiros usarem “a terapia de choque” para obter resultados fáceis na Rússia, seguida pela crise asiática de 1997, muito mais ampla, como uma oportunidade imediata de compra dos ativos mais lucrativos geradores de renda e/ou ganhos de capital.
Ele está chateado, porque o presidente Xi não está imitando Boris Yeltsin e deixando uma cleptocracia como cliente, para permitir na China as privatizações como aconteceram na economia da ex-URSS. Aquilo fez do mercado de ações da Rússia a queridinha do mundo por alguns anos, 1995-97.
Logo após a crise na Ásia, a administração de Bill Clinton admitiu a China na Organização Mundial do Comércio, dando aos investidores e importadores dos EUA acesso a mão de obra de baixo custo, capaz de vender mais com menor custo em relação ao da mão de obra industrial dos EUA. Isso ajudou a impedir os ganhos salariais dos EUA, enquanto a China usava o investimento estrangeiro como meio de atualizar sua tecnologia e a mão de obra barata para se tornar economicamente autossuficiente.
Não permitiu, no entanto, seu sistema monetário ou sua organização social se tornar financeiramente dependentes de O Mercado. Este “ser divino-maravilhoso” funcionaria como veículo para o controle dos EUA, o qual Soros esperava ocorrer quando começasse a investir na China.
A China reconheceu, desde o início, ser correta sua insistência em manter o controle de sua economia, direcionando-a para promover a prosperidade geral, não para enriquecer uma oligarquia-cliente em negociatas com uma classe de investidores estrangeiros. Isto acabaria criando a oposição política dos ideólogos da Guerra Fria dos EUA.
A China, entretanto, buscou aliados de Wall Street, oferecendo oportunidades de lucro para a Goldman Sachs e outros investidores, cujos interesses próprios os levaram a se opor às políticas anti-China.
Mas o sucesso da China criou tantos bilionários a ponto de agora estar se movendo para reduzir a riqueza exorbitante. Essa política atingiu, drasticamente, os preços das principais ações chinesas, levando Soros a alertar os investidores americanos para se salvarem. Sua esperança é isso levar a China à bancarrota e reverter sua política de elevar os padrões de vida em vez de enviar seus ganhos econômicos para os EUA e outros investidores estrangeiros.
A realidade é a China não precisar de dinheiro americano ou estrangeiro para se desenvolver. O Banco Popular da China pode criar todo o dinheiro de necessitado pela economia doméstica, enquanto seu comércio de exportação já o está inundando de dólares – e forçando a apreciação da moeda nacional.
John McCain caracterizou a Rússia como “um posto de gasolina com bombas atômicas”. Esqueceu-se de reconhecer agora ela ser o maior exportador de grãos do mundo, não mais dependente do Ocidente para seu suprimento de alimentos. Aliás, priorizou isso, em grande parte, graças às sanções comerciais patrocinadas pelos EUA.
A imagem corolário é os Estados Unidos ser visto como “uma economia financeirizada e monopolizada com bombas atômicas e ameaças cibernéticas”. Corre o risco de se tornar um Estado falido como a velha União Soviética, mas ameaça derrubar toda a economia mundial se outros países não subsidiarem sua economia cheia de dívidas sob Nova Guerra Fria.
Apresentando-se como a maior democracia do mundo, apesar de sua oligarquia financeira reinar em casa e de seu apoio às oligarquias-clientes no exterior, os Estados Unidos consolidaram o poder financeiro na esteira da hipoteca lixo de 2008 e da fraude bancária.
A formulação de políticas e a alocação de recursos passaram das mãos de políticas eleitorais significativas para as do setor de Finanças, Seguros e Imóveis (FIRE). Ray McGovern chamou-o de MICIMATT [Military-Industrial-Congressional-Intelligence-Media-Academic-Think Tank Complex]: um Complexo Think Tank, reunindo os componentes Militar-Industrial-Congressional-Inteligência-Mídia-Acadêmico, inclusive as principais fundações e ONGs.
Essas instituições procuram concentrar a renda e a riqueza nas mãos de uma oligarquia do setor FIRE. Da mesma forma, o Senado Romano bloqueou a reforma com poder de veto sobre a legislação popular. As Câmaras Altas do parlamento da Europa, como a Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha, usaram poder de estrangulamento semelhante para resistir ao controle do governo no interesse público.
A ascensão do neoliberalismo, patrocinado pelos EUA, significa a luta do século 19 para liberar os mercados do financiamento predatório, patrocinando o parasitismo rentista, ter falhado no fim do século 20. Esse fracasso é celebrado como uma vitória do Estado de Direito, da democracia, dos direitos de propriedade e até mesmo do livre mercado sobre a autoridade do poder público para regular a busca de riqueza privada.
A integração da economia global ao longo de linhas unipolares, permitindo os interesses financeiros dos EUA e das economias aliadas da OTAN se apropriarem dos ativos mais lucrativos e mais rentáveis de países estrangeiros, é idealizada como a evolução natural da civilização. Não é apresentada como o caminho para a servidão neoliberal e a escravidão por dívida, incorporadas ambas naquilo chamado pelas autoridades americanas de Estado de Direito.
Conclui na postagem de amanhã.
Notes.
[1] George Soros, “BlackRock’s China Blunder,” Wall Street Journal, September 7, 2021.
[2] Helene Cooper, Lara Jukes, Michael D. Shear and Michael Crowley, “In the Withdrawal from Afghanistan, a Biden Doctrine Surfaces,” The New York Times, September 5, 2021.
[3] Ron Suskind, “Faith, Certainty and the Presidency of George W. Bush,” New York Times Magazine, October 17, 2004, quoting Bush-Cheney strategist Karl Rove.
Michael Hudson is the author of Killing the Host (published in e-format by CounterPunch Books and in print by Islet). His new book is J is For Junk Economics. He can be reached at mh@michael-hudson.com