
Economia do mar ou economia azul (blue economy), como alguns gostam de chamar, não é algo que se ouve tanto no Brasil quanto sobre agropecuária, indústria
de bens de consumo ou serviços, apesar de o país ter uma costa com quase 11 mil quilômetros de extensão. Os oceanos cobrem 71% da Terra e abrigam 99% do espaço habitado por vidas no planeta. Isso dá a dimensão de seu potencial. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que a economia oceânica alcançará US$ 3 trilhões até 2030.
O tema, porém, ainda é pouco explorado no Brasil, assim como em muitos outros países. Mas, quando vemos que esta foi nomeada a Década do Oceano pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, que elencou sete metas para serem alcançadas até 2030 e uma extensa agenda de propagação da temática, fica claro que o assunto é uma grande tendência.
Thauan Santos, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e um dos fundadores – e atual coordenador – do Grupo Economia do Mar (GEM), é um dos poucos que estudam a fundo a temática no Brasil. A pós-graduação na qual leciona, por exemplo, é a única em estudos marítimos do país, algo que ilustra quão nova é o tema por aqui.
Em entrevista exclusiva ao Prática ESG, Santos explica que os problemas submersos vão muito além de canudinhos e plásticos ingeridos pelas espécies marinhas e que as oportunidades de negócio ainda são pouco exploradas.
“É necessário ampliar o conhecimento de empreendedores e financiadores sobre os potenciais do setor, seja pela sua relevância em termos de agregação de valor, seja pela criação de empregos”, diz Santos, que também participa da Aliança Brasileira de Pesquisa em Finanças e Investimentos Sustentáveis (Brasfi, na sigla em inglês). Ele se prepara para participar da Conferência das Nações Unidas (ONU) para o Oceano, que acontecerá de 27 de junho a 1° de julho em Lisboa (Portugal).
A seguir, trechos da entrevista:
Prática ESG: Por que as empresas devem olhar para o tema economia do mar?
Thauan Santos: A economia do mar pode ser entendida como a nova fronteira da economia no século XXI. A diversidade de setores econômicos que depende direta e indiretamente dos mares e oceano, bem como a riqueza de recursos vivos e não vivos, renováveis ou não, no ambiente marinho já são objeto de amplo interesse, pesquisa e investimento em diferentes países do mundo.
Prática ESG: A preocupação com o plástico no oceano é mais conhecida. Quais são os outros problemas e preocupações em termos de sustentabilidade?
Santos: Sem dúvidas, há muitas ameaças relacionadas à exploração de atividades econômicas, mesmo as onshore [em terra], com impactos no ambiente marinho. Exploração de atividades offshore, como é o caso da indústria do petróleo e do transporte marítimo, possuem riscos à vida marinha mais óbvios, como é o caso de derramamento de óleo. Embora muito se fale do consumo de plástico, que é uma ameaça real à sustentabilidade e à vida marinha, é imprescindível entender que os mares e o oceano são, frequentemente, “a ponta” de diversas atividades econômicas, onde, inclusive, são despejados rejeitos de diferentes processos produtivos. É justamente por isso que, no atual contexto da Agenda 2030 e da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), ambas promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), a sustentabilidade dos setores da economia do mar tem sido tão buscada e evidenciada.
Prática ESG: Quais atividades humanas e industriais são mais poluentes?
Santos: No contexto das já citadas agendas da ONU, é importante entender que se busca, acima de tudo, viabilizar uma exploração dos mares e oceano de modo produtivo e sustentável. Isso significa dizer que, necessariamente, deve-se observar o tripé social-ambiental-econômico. Na perspectiva ambiental, a poluição marinha aparece com um resultado esperado da também conhecida como “Década do Oceano” (oceano limpo). De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos EUA, 80% da poluição marinha vem da terra. Dentre as atividades mais poluentes e que ameaçam a vida marinha, destacam-se: fertilizantes, pesticidas agrícolas, derramamentos de óleo, plásticos e microplásticos, esgoto não tratado.
Prática ESG: De onde vem essa poluição?
Santos: A poluição não pontual é uma das principais ameaças, ocorrendo como resultado do escoamento de água da parte de fontes, como tanques sépticos, veículos, fazendas de gado e áreas de extração de madeira. Embora os eventos de poluição de fonte pontual frequentemente tenham grandes impactos (como é o caso de derramamentos de óleo), felizmente ocorrem com menos frequência.
Analisando especificamente os resíduos industriais, toxinas perigosas se acumulam no ambiente marinho, incluindo resíduos radioativos, arsênico, chumbo, flúor, cianeto e muitos outros contaminantes elevados.
Prática ESG: Como o mundo avança na temática?
Santos: No mundo, é crescente a discussão sobre governança do oceano, que envolve uma série de regras e atores públicos e privados, sejam eles nacionais, regionais e/ou globais. Apesar de essa discussão já ter algumas décadas, novas atividades e ameaças ampliam constantemente o desafio de regular as atividades que ocorrem para além das fronteiras nacionais. Nesse contexto, destaca-se o papel da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), assinada em dezembro de 1982.
Prática ESG: E o Brasil?
Santos: Ainda há pouca discussão sobre o assunto. O GEM foi criado em 2019 para isso e a Brasfi está na vanguarda do debate, evidenciando o papel da economia azul nas novas oportunidades de negócio para o país. É necessário ampliar o conhecimento de empreendedores e financiadores sobre os potenciais do setor, seja pela sua relevância em termos de agregação de valor, seja pela criação de empregos. Mas posso dizer que essa discussão está ganhando mais fôlego no Brasil, com o mar passando a ser objeto central de políticas públicas em escala estadual e federal. Como representante da Marinha do Brasil no “GT PIB do Mar”, coordenado pelo Ministério da Economia, destaco que fizemos avanços no último ano junto à Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM).
Prática ESG: No que estão trabalhando?
Santos: Estamos elaborando um conceito oficial brasileiro sobre economia do mar, bem como sobre um método de mensuração oficial da relevância do mar na economia nacional, junto ao IBGE.
Prática ESG: No Brasil, quais as nossas principais preocupações em termos de ESG (ambiental, social e de governança)?
Santos: Por aqui, ainda associamos pouco o oceano como um meio que precisa ser pensado à luz das práticas ESG. Diferentes indústrias observam riscos e oportunidades. O setor de transporte se volta, por exemplo, para redução das emissões e consumo energético na questão ambiental (E); direitos trabalhistas, saúde e diversidade na perspectiva social (S); e, em termos de governança (G), transparência e “accountability”. Já a indústria de pescado está relacionada à preservação da biodiversidade e poluição local (E); segurança alimentar (S); e governança corporativa.
Prática ESG: Em um momento que se fala tanto de soluções para redução de gases poluentes, os oceanos podem ser a chave por serem o ‘pulmão do mundo’ (por causa dos fitoplânctons)?
Santos: Quando falamos do oceano no contexto da economia azul, estamos já considerando seu papel-chave na questão climática, particularmente na luta contra o aquecimento global. Em fevereiro, o sexto relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) trouxe conclusões de que houve mudanças em características fundamentais das águas salgadas, física e quimicamente nos últimos anos. Com o aquecimento, a eutrofização (concentração de nutrientes) torna-se mais intensa, o que muitas vezes leva à diminuição dos níveis de oxigênio da água. Com isso, aparecem “zonas mortas”, áreas onde há baixa taxa de vida. Ações como a sobrepesca e urbanização das faixas litorâneas aumentam o estresse já presente em ecossistemas fragilizados.
Prática ESG: Qual a consequência disso?
Santos: Como alguns dos principais afetados, podem-se citar os predadores de topo de cadeia alimentar, praias arenosas, pântanos salgados e manguezais. O oceano absorve quase um quarto das emissões do homem de CO2, razão pela qual as zonas costeiras e marinhas desempenham um papel decisivo na regulação climática.
Prática ESG: Já existe mercado de crédito de carbono nos oceanos?
Santos: Não. Pode ser que algum mercado de carbono contemple atividades marítimas, contudo desconheço alguma experiência de mercado de carbono focada exclusivamente no oceano.
Prática ESG: Quais as oportunidades para empresas na economia do mar no Brasil?
Santos: Pela extensão e pela concentração populacional e econômica na costa, o Brasil tem muitas oportunidades de negócio no que se refere ao desenvolvimento da economia do mar. Do ponto de vista nacional, promover cluster marítimos ao longo do litoral pode ser uma estratégia que otimiza recursos, know-how e conhecimento. Do ponto de vista das empresas, entender que a agenda da economia azul tem estreita relação com o desenvolvimento sustentável, ponto central da agenda global da ONU, pode agregar valor e criar novos nichos de mercado, inclusive pela percepção dos consumidores de que o engajamento empresarial nessas iniciativas criar valor.
Prática ESG: Que tipo de iniciativas, por exemplo?
Santos: O turismo é um exemplo. Exploramos muito pouco cruzeiros e esportes aquáticos. Existe muito espaço para desenvolver muita coisa, mas o problema é que não estamos acostumados a olhar para o mar e entender que há muita riqueza. O Brasil depende do mar para extração de petróleo e transporte de commodities, mas o potencial é maior do que isso.
Prática ESG: O que falta para as empresas aproveitarem as oportunidades?
Santos: Mais uma vez, é necessário que haja maior conhecimento e, sobretudo, informação e dados acerca não apenas da relevância da economia do mar no país, mas, inclusive, dos ‘gaps’ existentes no caso nacional. Há muitos setores defasados em termos de tecnologia, investimento e financiamento, que, com os estímulos adequados, têm condições de crescer e protagonizar um crescimento sustentável no contexto pós-pandêmico. Esse tipo de ruptura no modus operandi não é trivial, nem se dá de um dia para o outro, mas exige conhecimento, estratégia e visão de longo prazo.
Prática ESG: Que países estão aproveitando melhor essas oportunidades da economia azul sustentável?
Santos: Relativamente aos países e regiões que mais têm aproveitado oportunidades relativamente à economia azul, destacam-se: UE, EUA e China. Cabe
destacar o engajamento de alguns países em desenvolvimento, sobretudo Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS).
Prática ESG: O setor financeiro pode contribuir como para reduzir problemas e acelerar oportunidades para as empresas?
Santos: Sem dúvidas. Conhecimento não basta para que os setores marinhos e as atividades marítimas sejam, efetivamente, promovidos nos diferentes países e nas distintas regiões. Para tal, é essencial que haja recursos dedicados a essa finalidade, razão pela qual o setor financeiro e o crédito são fundamentais nesse processo.
Prática ESG: Como é tratada a responsabilidade dos oceanos que vão além do limite dos países? É um problema?
Santos: No âmbito do Direito do Mar, há grandes discussões acerca das possibilidades legais e dos compromissos regulatórios em distintas regiões do mar, como: mar territorial (MT), zona econômica exclusiva (ZEE), plataforma continental (PC) e alto mar. Quanto mais afastado da fronteira terrestre, menor é o direito de soberania do estado costeiro. A Unclos apresenta detalhamento sobre cada uma dessas classificações, mas cabe destacar que o debate atual tem se centrado muito na exploração e recursos e atividades no alto mar.