O Criador em defesa da Criatura: por uma Regra Formal de Política Monetária

John Taylor é professor de economia na Universidade de Stanford e Senior Fellow do Instituto Hoover. Livio Maya é PhD em economia pela Universidade de Stanford e economista no Banco Safra. Provavelmente pautado pelo segundo ele se dana ao falar da política monetária no Brasil em defesa de sua Regra de Taylor. Publicaram o artigo abaixo.

Em defesa de uma regra formal de política monetária _ Opinião _ Valor Econômico (03/03/23)

Economia monetária é um campo fascinante. Seu Santo Graal, o entendimento da transmissão de política monetária, é uma questão que motivou imenso volume de pesquisa acadêmica, especialmente a transmissão de mudanças na taxa de juros.

Não apenas por seu apelo intelectual, mas também pela sua substancial importância para formulação de política pública, como o mundo veio a descobrir nos últimos meses. Economia monetária é também um campo profundamente desafiador.

Muitos são os aspectos a serem considerados quando pensamos, por exemplo, sobre o juros escolhido pelo Banco Central. Seus efeitos sobre diferentes famílias e firmas, sobre bancos e crédito, sua iteração com política fiscal, taxas de câmbio, preço de ativos, a lista segue.

No caso brasileiro, o desafio é ampliado pelo fato de que a difícil de ser medida taxa real de juros de longo prazo mudou substancialmente desde o Plano Real. O juro real de longo prazo afeta a relação entre a taxa Selic e inflação. Uma taxa Selic de 15% é percebida como deflacionária em 2023. Provavelmente não o era em 2000.

Dado o nível de complexidade e o fato de que decisões precisam ser tomadas, a questão relevante se torna o que o Banco Central deveria fazer dado que o conhecimento é limitado. Em seu discurso para a Associação Americana de Economia, em 1968, o professor Milton Friedman argumenta que bancos centrais deveriam fazer a base monetária crescer a uma taxa constante de 3% ao ano. O elemento chave não era o “3%”, mas o “constante”. Constante significa uma regra.

Sua opinião era fundamentada na observação de que, nos Estados Unidos, desagradáveis episódios inflacionários (ou deflacionários, na Depressão) foram precedidos por injustificadas decisões por parte do Banco Central. Friedman enxergava que erros advindos de escolha humana discricionária apresentavam uma ameaça mais séria aos resultados de política monetária do que a suposta falta de flexibilidade e fino ajuste de uma regra fixada.

O tempo passa. As instituições evoluem. Bancos centrais agora escolhem taxas de juros, não agregados monetários.

O pensamento econômico também evolui. Já sabíamos que bancos centrais afetam inflação. Viemos a concordar também que inflação esperada no futuro afeta a inflação corrente. Assim sendo, se perdemos a confiança na determinação do Banco Central, esperamos inflação mais alta amanhã e acabamos com mais inflação hoje. Nasce então a defesa da “independência” do banco central (não do interesse do eleitor, mas de todos os outros) e, com ela, um novo conjunto de argumentos em favor de decisões baseadas em regras.

Argumentamos que bancos centrais deveriam considerar convergir para um sistema de regras de política monetária formais e que o Banco Central do Brasil é um candidato ideal para dar início.

Governos (de direita e de esquerda) tentando afetar política monetária não são novidade e não vão deixar de existir, no Brasil ou em outros países. Regras de política oferecem a banqueiros centrais uma boa licença – e portanto um efetivo escudo – contra pressão política (certamente uma licença melhor do que unicamente a busca por uma meta de inflação, uma vez que ninguém sabe qual juros tal meta demanda).

Elas também aumentam o custo de tentativas de interferência num primeiro momento. Difamar oficiais porque “eles estão fazendo errado” é fácil e, em tempos de dolorosa contração monetária, politicamente lucrativo. Fazer o mesmo contra uma fórmula algébrica é também possível, mas mais difícil de justificar, em particular se o público entende a regra como sendo acordada entre especialista não viesados.

Uma regra também facilita a comunicação por parte do Banco Central dos seus objetivos e impulsiona sua confiabilidade. O Banco Central vai fazer o que for necessário na próxima vez que a inflação fugir do controle? Talvez comprometer-se com algo hoje e não desviar amanhã seja mais crível do que prometer de maneira solta atuação dolorosa amanhã caso necessário. Comprometimento com inação é mais fácil do que comprometimento com ação.

Além disso, brasileiros frequentemente se perguntam versões da indagação oposta: por que as taxas de juros são tão altas por aqui? Estariam oficiais do BC tentando beneficiar algum banqueiro rico vivendo de renda? Se não, quais são seus objetivos? Uma regra clara responde estas perguntas e assegura que a política de fato segue objetivos genuínos, guiados pelo interesse público.

Acima de tudo, adoção de uma regra de política formal não implica uma Selic maior ou menor hoje. Fórmulas usadas na literatura acadêmica prescrevem taxas às vezes acima, às vezes abaixo da escolha do Banco Central. A figura mostra um exemplo, baseado numa versão simplificada da assim chamada Regra de Taylor. Estes são exemplos, não sugestões. (É entretanto notável como a Selic frequentemente aderiu a estas simples regras até a pandemia).

Em resumo, uma regra formal de política monetária trabalharia em favor do povo. Ela tornaria as ações do Banco Central mais transparentes e as isolaria de interferência externa. Ocasionais desvios da fórmula seriam possíveis, é claro. Mas eles se tornariam evidentes, forçando oficiais a cuidadosamente explicar – e portanto pensar sobre suas escolhas.

Bancos centrais até agora não adotaram formalmente compromisso tão forte. A maioria apoiou-se em regras meramente como guias heurísticos. Tanto melhor para aquele com a coragem de ser o primeiro. Enxergamos o Brasil como um candidato natural. Não apenas pelo corrente debate sobre velocidade de desinflação. Com uma população historicamente traumatizada por alta inflação e, em alguns casos, suspeita da sua própria autoridade monetária, acreditamos que os ganhos econômicos e sociais seriam os mais imediatos e tangíveis.

E qual regra deveria ser adotada? Vamos deixar isso para outro dia, uma vez que a conclusão de Friedman instrui: em adotar uma regra, a importância de “regra” pospõem- se à de “adotar”.

1. A fórmula da curva sólida é i = 4 + p + 0.5(p – 3.25) onde i é a Selic, p é a taxa de inflação. A curva tracejada substitui 4 por 3, e 3.25 por 4.5.

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