Análise dos dados financeiros de 30 clubes brasileiros de futebol das séries A e B

Os principais clubes brasileiros de futebol viram suas receitas subirem de forma praticamente constante nos últimos 10 anos, acompanhadas de um endividamento também crescente. A boa notícia é que a análise dos dados financeiros de 30 agremiações nacionais das séries A e B aponta que o futebol nacional passa por um momento de transformação em direção a uma maior governança e disciplina financeira.

É o que mostra estudo da EY obtido com exclusividade pelo Valor, que aponta ainda que a receita nominal dos 30 clubes estudados subiu 156% entre 2013 e 2022, passando de R$ 3,17 bilhões para R$ 8,13 bilhões no período. Em termos reais, com o desconto da inflação, o avanço foi menor, de 50%.

No mesmo período, o endividamento líquido teve um salto de 94,6%, pulando de R$ 5,830 bilhões, em 2013, para R$ 11,347 bilhões, no ano passado. O estudo considera 19 clubes que disputaram a Série A no ano passado e 11 que jogaram a Série B.

“Nos últimos dez anos, a gente percebe, na situação financeira dos clubes, uma notória evolução da geração de receita recorrente e não recorrente. E, por outro lado, infelizmente uma evolução em relação ao endividamento”, resume Gustavo Hazan, diretor-executivo para o mercado esportivo da EY.

Ele destaca que, em relação ao endividamento, o melhor parâmetro de observação acaba sendo a métrica de quantas vezes o indicador de dívida é maior que a receita. Neste sentido, são nove os clubes que estão com essa relação acima dos 2,5 vezes, o que Hazan considera uma situação de “alerta”. Ainda assim, diz, a análise mostra que, dessas nove equipes, sete estavam na Série B no ano passado, o que reduz muito o volume de receitas.

Para se ter uma ideia, Hazan exemplifica que um time da Série A recebe, “de largada”, uma verba de direito de transmissão entre R$ 60 milhões e R$ 65 milhões, enquanto uma equipe da Série B fica com algo entre R$ 8 milhões e R$ 9 milhões. E, das sete equipes desse grupo que estavam na Série B em 2022, quatro — Bahia, Cruzeiro, Grêmio e Vasco — conseguiram subir e disputam a principal divisão do futebol brasileiro em 2023.

Além dos três citados, Guarani, Botafogo, Ponte Preta, Atlético Mineiro, Sport e Vila Nova aparecem com um endividamento líquido acima de 2,5 vezes a receita total. O clube de Campinas lidera com endividamento 8,49 vezes maior que a receita.

“Tem um grupo de clubes que está altamente alavancado. Se alguns clubes fossem empresas, talvez estivessem em um processo quase sem retorno”, diz Hazan.

O Atlético Mineiro aparece ainda como o maior endividamento líquido individual entre os 30 clubes, com R$ 1,57 bilhão, mas Hazan pondera que o clube tem uma grande torcida e, agora, um estádio próprio que se transformará num gerador de receita, o que dá ferramentas para redução desse montante. Depois do Atlético, os maiores endividamentos são do Cruzeiro, com R$ 1,18 bilhão; do Botafogo, com R$ 1,04 bilhão; do Corinthians, com R$ 927 milhões; do Vasco, com R$ 679 milhões; e do Fluminense, com R$ 678 milhões.


SAF e sociedades anônimas

O executivo explica ainda que o advento da Lei da Sociedade Anônima de Futebol (SAF), que permite que sociedades anônimas gerenciem o futebol dos clubes, surgiu para auxiliar os clubes que não conseguiram controlar as finanças — embora a

legislação também seja usada por equipes em boa situação financeira.

“Um grupo de clubes está fazendo processo de reestruturação via acordo de credores, recuperação, aporte de investidor. Talvez o cenário de médio e longo prazo no Brasil seja melhor que o atual”, frisa Hazan. Na Série A deste ano, Botafogo, Bahia, Vasco, Cruzeiro e Cuiabá são SAFs.

Em termos de receita, o levantamento mostra que Flamengo e Palmeiras seguem dominando os valores recebidos no futebol brasileiro. As duas agremiações mais Corinthians, São Paulo e Internacional concentraram 49% dos R$ 8,14 bilhões

arrecadados pelos 30 times estudados. A receita recorrente total, que não considera a

venda de atletas, foi de R$ 6 bilhões, 1% abaixo do ano anterior, e 52% dela também ficaram concentrados em cinco equipes — com o Atlético Mineiro no lugar do Internacional nesse grupo.

O Flamengo lidera desde 2019 a lista de maiores receitas do futebol brasileiro e obteve no ano passado R$ 1,177 bilhão no total, seguido pelo Palmeiras, com R$ 867 milhões. A seguir, o Corinthians arrecadou R$ 777 milhões no ano passado; o São Paulo ficou com R$ 661 milhões e o Internacional, com R$ 467 milhões. Nesse ponto, a EY analisou um viés que alia receita com desempenho esportivo.


Brasileirão, Copa do Brasil e Libertadores

A pesquisa faz um corte nos últimos cinco anos e considera as três principais competições disputadas pelos clubes brasileiros em um ano — Brasileirão, Copa do

Brasil e Libertadores da América. Nos 15 troféus disputados nesse período, Flamengo e Palmeiras, as maiores receitas, venceram dez deles — com o adendo de que a Libertadores também é disputada por clubes de fora do Brasil. Foram duas Libertadores, dois Campeonatos Brasileiros e uma Copa do Brasil para cada um.

“Os números falam por si só. Nos últimos anos, os clubes com maior potencial financeiro, e também maior capacidade de gestão e governança, são os clubes que estão conseguindo melhor performance esportiva”, diz Hazan.

O especialista ressalta que esse dado não significa que clubes com receita menor não consigam ter uma boa performance esportiva. Ele destaca que a boa governança é fundamental para que as metas sejam alcançadas no campo de jogo.

Hazan cita o Athletico Paranaense como exemplo de time com boa governança e que, entre as receitas, figurou “apenas” a sétima receita no ano passado, com R$ 371 milhões. O time foi, em 2022, vice-campeão da Libertadores.

“Além da receita, tem componentes de estrutura adequada, processos, governança, estratégia, gestão de médio e longo prazo. É como se fosse uma empresa normal. Não pode lidar com um clube como se fosse um ator separado da vida normal de uma sociedade empresarial”, pondera Hazan.

O executivo da EY afirma que a fotografia de 2022 do futebol brasileiro mostra um setor que está em um “momento de transformação”. E afirma que essa transformação está calcada em três pilares, sendo a aprovação da Lei da SAF o primeiro deles, ao abrir a possibilidade de o futebol do clube passar de uma associação para uma empresa.


Liga nacional

Outro pilar está na esperada criação da liga nacional, que deve acontecer este ano. “A partir dela, será possível discutir o produto futebol e negociar de forma centralizada os direitos, alavancando as receitas”, diz Hazan.

O terceiro pilar é o “fair play” financeiro, que impede que clubes gastem mais do que arrecadam, sob o risco de receberem penalizações. “Com esses três pilares, vamos de fato ter alavanca de transformação no futebol. E clubes que são grandes historicamente terão que se movimentar”, diz o executivo da EY.

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