Privatização dos Custos e Socialização dos Benefícios

Foi inaugurada,  no mês de maio de 2008, a bela ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira, que se tornou ícone de São Paulo, ligando a avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga Água Espraiada) à marginal Pinheiros. Todos os que trabalharam para viabilizá-la devem sentir orgulho de ter dado “pequena ajuda para a cidade”. Refiro-me não só aos participantes na obra de engenharia civil, mas também aos servidores públicos que estruturaram a engenharia financeira para garantir seu financiamento.

O primeiro aspecto positivo sob o ponto de vista institucional é que essa operação estruturada obrigou a continuidade administrativa, garantida por contratos e fiscalização. Iniciada na gestão anterior da Prefeitura, ela foi concluída na do sucessor adversário político. Outro ponto positivo é que seu custo final de R$ 260 milhões não significou ônus para os contribuintes.

Em vez de arrecadação tributária, utilizou-se de nova alternativa de captação de recursos para o financiamento do desenvolvimento urbano: o Cepac, Certificado de Potencial Adicional de Construção. Trata-se de título mobiliário criado pelo Estatuto da Cidade para possibilitar o financiamento de grandes obras previstas em operações urbanas, sem que o município precise utilizar recursos vinculados ao orçamento municipal.

Ele conjuga o mercado de valores mobiliários com o mercado imobiliário. Tendo comprado o Cepac, o investidor adquire direitos urbanísticos adicionais nas áreas definidas pelo programa. Nessas áreas com potencial de adensamento, o Cepac possibilita construção acima dos limites até então permitidos pela legislação de uso e ocupação de solo vigente, mediante contrapartida financeira paga à prefeitura pela compra do certificado. Como resulta em direitos adicionais de construção apenas nas áreas previamente aprovadas, o poder público continua mantendo total controle do urbanismo.

Para adquirir o Cepac, não é preciso ser proprietário de terrenos nem mesmo ter que adquirir imóvel na área da operação urbana. Mas, caso venha a ser titular de imóvel no local, poderá aumentar a área construída ou alterar seu potencial de utilização.

Assim, o Cepac pode ser visto como forma de diversificação nos investimentos para investidores institucionais. Eles são comercializados em leilões públicos de papéis, com rendimento variável, atrelado à valorização imobiliária da região em que foi executada a operação urbana. Os títulos podem ser negociados no mercado secundário pela Bovespa.

No caso da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, a emissora dos Cepacs foi a Prefeitura do Município de São Paulo, sob coordenação da Emurb. A Secretaria de Finanças do município convidou a Caixa Econômica Federal para construir a operação estruturada, em 2003. Seguindo a norma estabelecida pela CVM, na ocasião, a Caixa convidou outro banco, no caso o Banco do Brasil, para ser o coordenador da emissão.

Com a parceria entre essas duas instituições financeiras públicas federais, nelas foram mantidos os recursos obtidos com a alienação dos Cepacs, separados do caixa da Prefeitura, em contas vinculadas, cujo titular era a Emurb.

O agente fiscalizador foi a Caixa, sendo responsável por fiscalizar o emprego dos recursos obtidos com a distribuição pública de Cepac exclusivamente nas intervenções das operações urbanas consorciadas. Com sua expertise, também acompanhou o andamento das referidas intervenções e assegurou a suficiência e veracidade das informações que eram, periodicamente, prestadas pelo município ao mercado.

Em geral, ocorria, no Brasil, privatização dos lucros e socialização das perdas. A grande novidade foi que o Cepac propiciou privatização dos custos e socialização dos benefícios.

Antes, a prefeitura investia em obras urbanas com recursos de toda a comunidade, mas a valorização imobiliária beneficiava mais os donos das propriedades na área que recebeu os investimentos. Todos pagavam, mas poucos usufruíam.

O Cepac equacionou dois problemas. Primeiro, forneceu recursos para o financiamento não tributário (e sem endividamento) do gasto público. Segundo, absorveu, para a coletividade, a renda diferencial gerada pelo investimento governamental, tradicionalmente apropriada por segmentos do setor privado. O bom exemplo pode ser adotado em outros empreendimentos para o desenvolvimento urbano inclusive das demais metrópoles brasileiras.

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