Bancos Centrais: Instituições de Planejamento

Luiz Gonzaga Belluzzo é Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp e professor emérito da Universidade Federal de Goiás. Compartilho abaixo o artigo (Valor, 04/06/24) do meu ex-Professor.

Em recente edição, o Valor informou: “MP cobra medidas para identificar eventual desvio de finalidade do Copom”. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) ofereceu uma representação ao tribunal para “adoção das medidas necessárias a identificar eventuais desvios de finalidade pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na definição da taxa Selic”.

O subprocurador-geral do MPTCU, Lucas Furtado, assina o documento. Na peça, o subprocurador menciona que as projeções do relatório Focus “exercem grande influência” na decisão do Copom e que as instituições financeiras que respondem à pesquisa “podem ter interesse na manipulação do índice para ganhos próprios e privados indevidos e em prejuízo aos interesses públicos e ao erário”.

Vamos recordar.

Em dezembro de 1970, a Câmara de Deputados ofereceu à sociedade americana uma relatório conduzido por Lester Thurow e Alan Blinder, “A Staff Report Prepared For The Committee On Banking And Currency House Of Representatives”.

O trabalho foi elaborado em 1970, às vésperas do primeiro choque do petróleo e da desorganização do sistema monetário-financeiro internacional que culminou com a demolição das regras (que nasceram debilitadas pelo poder americano) de Bretton Woods.

Os incômodos da estagflação culminaram no choque de juros de 1979 deferido para recuperar o poder do dólar com prejuízos para as economias europeias e desgraças para as economias – hoje ditas emergentes – encalacradas na crise da dívida externa.

O chairman Wright Patman apresentou o relatório afirmando que, em sua opinião “é um dos estudos mais importantes já realizados pela Comissão de Bancos e Moeda da Câmara. Durante muitos anos, houve uma grande confusão e uma infinidade de equívocos sobre o funcionamento dos vários bancos centrais ao redor do mundo. Este estudo, pela primeira vez, detalha os meios pelos quais os bancos centrais são integrados aos governos nacionais e como eles são utilizados para atingir objetivos sociais e econômicos básicos”.

O relatório acentua as diferenças entre 1. o desempenho do Federal Reserve e 2. a atuação dos demais bancos centrais no período do imediato pós-guerra.

De um modo geral, os bancos centrais interpretaram a sua tarefa de promover o crescimento econômico de modo a ir muito além das políticas monetárias gerais da economia. Em alguns países, isso significa canalizar fundos privados para setores de desenvolvimento, em outros isso significa investimentos diretos do banco central em empresas privadas ou ainda um papel ativo na formulação e implementação de planos econômicos nacionais.

Os controles diretos do crédito são utilizados para canalizar fundos para gastos de capital industrial na França. O Banco d’Italia usa efetivamente a persuasão moral para dar preferências àqueles com “programas de desenvolvimento sólidos, que significam programas com grande impacto no crescimento econômico. Também tem e usa seu poder para aprovar ou reprovar empréstimos individuais. O Sveriges Riksbank, na Suécia, regula os bancos privados para canalizar fundos para indústrias vitais.

No livro “Controlling Credit”, o economista do Banque de France, Eric Monnet, percorre os caminhos da formação e operação do sistema de crédito público-privado na Europa do imediato pós-guerra.

“O Estado, concebido como o marco para coordenar diferentes interesses econômicos e setores, foi responsável pelo controle do crédito. Na França, como em muitos outros países (os Estados Unidos e o Reino Unido são parcialmente uma exceção), o coração do sistema de controle do crédito e investimento era o banco central. Embora não tenha ignorado a existência dos mercados privados nem se limitado a políticas direcionadas, o Estado interveio em todas as frentes, em diferentes níveis, apagando assim a fronteira entre o crédito público e privado”.

Preservando a estrutura econômica capitalista, as políticas monetárias, industriais e financeiras do pós-guerra repousaram em uma base institucional que era conhecida, na época, como “a nacionalização do crédito”.

Na caminhada das políticas monetárias, a história não rima, contrariando a parêmia de Mark Twain. O termo política de crédito é entendido hoje no sentido relativamente limitado de medidas dos bancos centrais para combater a inflação. No entanto, o conceito de “política de crédito” teve um significado muito mais extenso, denotando toda a gama de intervenções apoiadas ou elaboradas por um banco central para incentivar o desenvolvimento do crédito e influenciar sua alocação, substituindo assim mecanismos de livre mercado considerados insuficientes, injustos ou defeituosos.

O conceito de controle de crédito, seja no singular ou no plural, também foi utilizado como sinônimo de política de crédito, tanto nas etapas contracionistas quanto nas expansionistas.

Na posteridade da Segunda Guerra, os sistemas financeiros foram severamente disciplinados. Salvo pequenos incidentes, a economia deslizou nos trilhos do crédito dirigido, dos controles de capitais entre os países, do gasto público amparado em sistemas fiscais progressivos.

No livro “Capitalisme Le Temps de Ruputure”, Michel Aglietta argumenta que após a Segunda Guerra Mundial o capitalismo ocidental experimentou um regime de crescimento que pode ser chamado de capitalismo contratual, também conhecido como Fordismo.

“O capitalismo contratual superou o persistente subemprego involuntário através de instituições de mediação relacionadas aos salários, negociações coletivas e modelos de proteção social, também através de uma regulação rigorosa das finanças e de um sistema monetário internacional, o sistema Bretton Woods, que permitiu ampla autonomia das políticas monetárias nacionais na estabilidade cambial. Diferentes tipos de modelos sociais construíram diferentes variedades de capitalismo contratual. No entanto, na Europa continental, pelo menos, eles se colocaram sob a égide de um princípio comum de progresso social”.

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