Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista – Capítulo 1

CAPÍTULO 1

 

POSTULADOS DA TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA E DE UMA TEORIA ALTERNATIVA DA MOEDA [1]

“Moeda é uma instituição. Como a Igreja, o Estado, o casamento. Ninguém diz que uma instituição faliu porque existe uma ‘quantidade excessiva’ de instituição. O casamento está em crise, mas não porque existem muitos casamentos. Mesma coisa para a moeda: está em crise, mas não porque existe muita moeda ou porque o Banco Central não é independente, ou por causa do déficit público. Infelizmente, o problema não é tão simples. Instituição não depende de quantidade” (SAYAD. FSP, 23/12/91).                           

 

A história das idéias sobre moeda tende a se concentrar sobre as idéias “bem sucedidas” ou dominantes, o que significa as que aparecem como precursoras da atual ortodoxia monetária. As idéias críticas alternativas são ignoradas ou esquecidas.

Por que a reação contra essas idéias? Porque os autores contra-corrente atacam justamente os sustentáculos da Teoria Quantitativa da Moeda, respaldo da condução ortodoxa da política monetária. Os pontos críticos dessa teoria estão nas suas premissas. Seus defensores as acham imediatamente evidentes e as admitem como universalmente verdadeiras sem exigência de demonstração.

O postulado é uma proposição não evidente nem demonstrável, que se admite como princípio de um sistema dedutível, de uma operação lógica ou de um sistema de normas práticas. Usa-se também a expressão axioma [2], que é uma proposição que se admite como verdadeira, simplesmente, porque dela se podem deduzir as proposições de uma teoria ou de um sistema lógico.

A Teoria Quantitativa da Moeda consiste de um conjunto de proposições interrelacionadas ou postulados que suportam a conclusão de que quando a quantidade de moeda torna-se abundante, seu valor ou poder de compra cai, e consequentemente o índice geral de preços das mercadorias eleva-se [3]. Os defensores dessa teoria geralmente postulam suas hipóteses, em vez de demonstrá-las claramente.

Há muito tempo, existem contribuições críticas capazes de conformarem um corpo de doutrina oposta à Teoria Quantitativa da Moeda. Elas têm sido levantadas, recorrentemente, contra essa teoria. Estas críticas nunca são mutuamente exclusivas e nem sempre são consistentes entre si. Há alguma sobreposição e algum conflito. Cabe resgatá-las e dar-lhes organicidade em certo corpo abrangente e coerente. Há, na teoria monetária, confusão entre correlação e causalidade, causa e efeito, identidade e funcionalidade, o que permite que a simples inversão de argumento constitua, muitas vezes, verdadeiro “ovo-de-Colombo”, ou então se caia em dilema “ovo-e-galinha”…

            O Postulado da Proporcionalidade da Teoria Quantitativa da Moeda estabelece que dada  variação percentual no estoque nominal de moeda resultará em idêntica variação percentual no nível geral dos preços.

Sua crítica implica mostrar que a demanda de encaixe real e sua contrapartida, a velocidade de circulação da moeda, não são estáveis. Assim, não se produz o efeito saldo real, que justificaria o gasto do “excesso nominal” de moeda, isto é, gastar “o além da conta”. Deve-se refutar ainda a hipótese dos modelos de equilíbrio da economia que assumem, permanentemente, o pleno nível de ocupação da capacidade produtiva.

A ligação chave nessa explicação quantitativista é a relação entre a taxa de dispêndio, de um lado, e a discrepância entre o saldo real efetivo e o desejado, de outro. O mecanismo de transmissão direto refere-se ao processo pelo qual o impacto da variação monetária é canalizada para o nível de preços via um efeito antecedente sobre a demanda de bens.

            O Postulado da Causalidade da Teoria Quantitativa da Moeda estabelece que variações monetárias precedem e causam variações no nível de preços.

Nesta relação de causa-e-efeito, a moeda é vista como a variável ativa e o nível de preços como a variável passiva ou dependente. Sua crítica exige a inversão na direção de causação.

            O Postulado da Neutralidade da Teoria Quantitativa da Moeda estabelece que, exceto para períodos transitórios de ajustamento, variações monetárias não exercem influência sobre variáveis econômicas reais, p.ex., produto agregado, emprego, preços relativos, etc..

Estas variáveis, argumenta-se, são determinadas por condições não-monetárias básicas como as preferências, a tecnologia, a dotação de recursos, e as taxas de substituição técnica entre fatores de produção. Para criticá-lo, é necessário revelar que a moeda não é simplesmente um “véu”, obscurecendo os fenômenos que realmente importam. A crítica abandona a pretensa imparcialidade: a moeda não é neutra e importa, nas decisões.

            Como colorário da proposição quantitativista que o estoque nominal de moeda é o fator causal independente governante do nível geral dos preços, o Postulado da Exogeneidade refere-se à condição requerida desse fator não ser determinado pela demanda.

Se a quantidade de moeda não for uma variável independente, mas em vez disso responder passivamente a mudanças antecedentes na demanda por ela, então os teóricos quantitativistas não podem alegar que ela joga o papel ativo iniciante na determinação do nível de preços. Em sua crítica, portanto, mostra-se a interdependência entre a oferta e a demanda por moeda.

            Deve ser observado que a neutralidade da moeda refere-se aos preços relativos e não ao nível geral de preços. Deduz-se, a partir desses Postulados, a Teoria Monetária do Nível dos Preços, estabelecendo que este nível tende a ser influenciado predominantemente por variações na quantidade da moeda.

A implicação é que a instabilidade do nível de preços deriva, principalmente, de distúrbios monetários em vez de causas não-monetárias originárias no setor real da economia. Contrapõe-se à essa visão a demonstração que os preços são formados a partir de custos, inércia ou expectativas. Além disso, os oligopólios tem a capacidade de provocar a oscilação da dispersão dos preços relativos, afetando o índice geral de preços.

É possível, então, elaborar postulados para dedução de uma Teoria Alternativa da Moeda, lógica e consistente, a partir das críticas às premissas da Teoria Quantitativa da Moeda, realizadas ao longo de determinado percurso conceitual da história do pensamento econômico. Este percurso sai da Escola Bancária (autores como Thornton, Tooke, Mill, etc.), passando pela Escola Sueca (Wicksell, Myrdal, Lindahl, etc.) e atingindo a Escola Pós Keynesiana (Hicks, Kaldor, Davidson, Minsky, Moore, etc.) [4].

            O objetivo deste capítulo é expor idéias dessas Escolas de Pensamento, através da investigação das obras em teoria monetária de seus principais autores, que contribuíram para a elaboração dos postulados dessa Teoria Alternativa da Moeda: Postulados da Instabilidade da Velocidade da Moeda, da Validação Monetária, da Não-neutralidade da Moeda, da Endogeneidade da Oferta Monetária, e sua contrapartida: uma Teoria de Fixação dos Preços. Busca-se o confronto com os citados Postulados da Teoria Quantitativa da Moeda, teoria monetária hegemônica em cursos de formação convencional de economistas, para possibilitar melhor entendimento sobre o papel da moeda e do crédito na economia contemporânea. À guisa de propiciar visão geral do que será detalhado nos próximos capítulos, será realizado a priori esforço de síntese de toda a reflexão.


[1]          Edição revista e ampliada de: COSTA, Fernando Nogueira da. Postulados de Uma Teoria Alternativa da Moeda. Ensaios FEE. Porto Alegre, (15) 1: 62-79, 1994.

[2]          COSTA, Fernando N.. Relação Gasto-Liquidez (As Três Tríades). Ensaios de Economia Monetária. SP, Bienal, 1992. p. 22.

[3]          HUMPHREY, T. H.. The Quantity Theory of Money: Its Historical Evolution and Role in Policy Debates. in CHRYSTAL (ed.). Monetarism I. London, Edward Elgar, 1990. apud COSTA, Fernando Nogueira da. Introdução e Tradução. Texto Didático de Economia Monetária.  Campinas, IE-UNICAMP, 1992.

[4]          Emprega-se aqui as denominações Escola Bancária e Escola Pós Keynesiana em latu sensu, por incluir autores tais como Thornton, e Hicks e Kaldor, respectivamente, no sentido de suas tradições. Ver COSTA, Fernando Nogueira da. Por uma Teoria Alternativa da Moeda. Campinas, Tese de Livre-docência, 1994.

Deixe um comentário