Como Defender Tese

Para se pertencer à comunidade científica, é necessário saltar uma série de obstáculos. Vão desde o vestibular, cujo objetivo antes era “selecionar os melhores”, sob o argumento que, caso contrário, seria mais justo fazer sorteio, até a defesa de teses. Quantas? No máximo quatro: Mestrado, Doutorado, Livre-docência, Titular. Por ter passado por alguns desses ritos, seja como “vítima”, seja como “algoz”, posso dar alguns conselhos?

Aqui vai o primeiro: não estranhe o uso de “lugar comum” como já fiz: “vítima” ou “algoz”. Não há muita imaginação criadora entre nós acadêmicos. Espere, naturalmente, o cumprimento: “Como vai a vítima”? Responda com sorriso à “inesperada” pergunta, assim como dará risada, no final, quando algum colega o cumprimentar como “o mais fresco mestre/doutor/livre-docente/titular da praça”… rs.rs.rs. Faz parte do jogo de cena.

Aquela pergunta é sintomática, pois muitos enxergam a defesa de tese como o incessante massacre que os doutores mais velhos (e portanto com “cabeças mais brilhantes”) devem fazer ao candidato “para mostrar o seu lugar”. A intimidação é porque eles esperam que ele se coloque abaixo dos lugares deles. Fazer parte de banca julgadora é ocasião de demonstração de prestígio. Alguns acham que devem comportar-se de acordo com a hierarquia de seus títulos. Se pudessem, carregariam todas as medalhas no peito, em uniforme de gala, para “ir à guerra”!

Faz parte da maioria dos rituais exigir de quem pretende a admissão alguma cota de sacrifício. O processo pode ser descrito como esse rito de iniciação. É semelhante às antigas cerimônias para admitir algum novato em sociedade. O indígena guerreiro matava o inimigo e apresentava seu escalpo (ou toda a cabeça) ao chefe da tribo. O aprendiz de corporação de artes e ofícios apresentava alguma obra sua para exame de seus superiores. Só com essas provas eles eram admitidos como iguais no grêmio.

Para alguém ser respeitado como cientista entre seus pares, não basta o título da graduação. Em tese, ele necessita também sujeitar-se ao ritual de longos anos de pesquisa e estudos orientados por professor-doutor. Muitas vezes o relacionamento afetivo-profissional deste com os outros membros da banca julgadora é tão decisiva quanto a qualidade do trabalho a ser examinado. Depois de pesquisar, escrever, apresentar e defender sua idéia-chave perante esse “egrégio colégio”, se aprovado, ele será “o mais fresco” doutor ou mestre, denominação esta semelhante à dos líderes das antigas corporações medievais.

A formalidade pode variar entre as Universidades, mas o nervosismo dos candidatos costuma ser muito parecido. Isto devido ao medo comum de “falar em público”. Basta acostumar com isso, previamente, que tudo sairá bem. Lógico que é necessário certo domínio da matéria. E boa dose de autoconfiança é pensar que você, talvez mais até que seu orientador, é quem mais sabe a respeito daquilo que escreveu na tese. Mesmo porque muitos na banca apenas leram a Introdução e a Conclusão, para tentar evitar, via dedução, o miolo do calhamaço…

A cerimônia culminante do “rito de iniciação” pode variar de acordo com as unidades de ensino, mas também com o tipo de pessoa que está na banca examinadora. Em faculdades de Direito, impera o formalismo. Tanto professores que adoram usar becas – obrigatórias em concurso para Professor Titular –, quanto o candidato que usa terno e gravata, todos se tratam como “Vossa Senhoria”. Fala-se sempre em ordem: o decano e os visitantes antes dos “professores da Casa”.

Começa então o “massacre”. Praxe em defesas é iniciar sempre elogiando com o protocolar “muito interessante” para, logo em seguida, emendar inúmeras objeções. Chato, principalmente para a platéia que não leu a tese (e parte está lá apenas porque é parente ou amiga da “vítima” a quem deseja prestar solidariedade… e escutar elogios), é aquele argüidor tipo “página tal, tanto”… Critica desde o próprio título da tese até o fato de estar “inconclusa”, página à página! Percebe, além de flagrantes erros ortográficos, a “falta de ambição”, o “subjetivismo” e… o “excesso de notas-de-pé-de-páginas” (e de hifens).

O doutorado diz respeito à defesa de tese original. Mas é muito comum o candidato relatar seu trabalho de pesquisa inédito, descrever o que já tinha sido descoberto antes, expor seu método de pesquisa e objetivo, apresentar os resultados, tirar as conclusões, mas esquecer detalhe fundamental. Aí algum membro da banca fará, fatalmente, a perguntinha: – “Qual é a sua tese”? E ele, e também seu orientador, nenhum dos dois se lembrou que aquilo não deveria ser relatório de pesquisa, mas sim reunião de argumentos em defesa de algum posicionamento pessoal.

Afinal, o que você está defendendo? Seu emprego? Seu prestígio? Sua erudição demonstrada via diversas citações como “argumentos de autoridade”?! Não, simplesmente determinada hipótese, que sujeita à antítese, virará tese. Até que seja novamente falseada por outro jovem candidato a doutor via brilhante síntese. E você, agora na banca, o “massacrará”. Mas, no final, dado o compromisso pelo “honroso convite”, o aprovará.

18 thoughts on “Como Defender Tese

  1. Pingback: Tweets that mention Como Defender Tese « Fernando Nogueira da Costa -- Topsy.com

  2. Obrigada por estas dicas. Me deixou mais tranquila para minha apresentação semana que vem! Dará tudo certo!

  3. Muito boas as colocações. E foi muito bem lembrado sobre “qual é a tese se está defendendo?”. Obrigado.

  4. Minha defesa de tese de doutorado em filosofia será no próximo ia 18/12. Estou com a sensação de que não sei nada. Estou super-ansioso! Vo precisar de diazepan, bulpropiona, sertralina… Jesus!!!!

    • Prezado Edu,
      cuidado com a overdose de calmantes, pois ficará tão calmo que dará um “branco” mental… É necessária adrenalina para enfrentar o desafio intelectual com o pensamento positivo de que sobre o tema de sua tese você sabe mais do que todos os julgadores da banca.
      Boa sorte!

  5. Doutor, lá eu vou para uma batalha de defesa, espero estar preparado para fazer face a mesma, obrigado Doutor,mas o medo de como apresentar ainda existe, será que devo repetir tudo que esta no meu trabalho de defesa?

    • Prezado Mário,
      não, você deve apenas sintetizar seu tema e expor rapidamente as principais conclusões, mesmo porque a banca já terá o lido. Se demorar muito, ela ficará impaciente.

      Aqui, no IE-UNICAMP, a praxe é exposição de um resumo para a plateia em no máximo 20 minutos.

      Na segunda-feira, eu também enfrentarei uma Prova Didática pela manhã e uma Arguição à tarde em Concurso para Titular. Com a Professora Conceição Tavares na banca!

      Boa sorte para nós…

      • Muito grato Dr. Fernando, vou usar das suas palavras a pratica, tem sido proveitoso o seu conselho, agora, medo fora e vamos por a mao na massa

  6. A minha qualificação será amanhã e com certeza a matéria ajudou muito!!! Espero que o nervosismo não atrapalho mto!!!

  7. a minha defesa será semana que vem! fiquei satisfeita com sua orientação objetiva e competente…
    vou focar para não dispersar e defender com toda razao e paixão minha tese… valeu! sucesso a todos(as)!

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