Riqueza dos Candidatos, Miséria da Política

Eleições democráticas são boas também porque nos oferecem a rara chance de estudo de casos individuais de riqueza (e enriquecimento) dos políticos profissionais. Aqui não é nenhuma Suécia, onde se adotou um modelo de ética social, isto é, a ética da absoluta transparência das relações sociais e o ideal da comunicação perfeita. A distinção entre privado e público, na Suécia, é exemplar com o desvendamento do secreto, desprivatização, gestão pública do privado. O que em outros lugares seria considerado “violação do espaço privado individual” lá é conquista social inarredável. As declarações individuais de Imposto de Renda, inclusive de Bens e Direitos, ficam acessíveis a qualquer cidadão.

Mas Antonio Perez (Valor, 04/10/12) publicou matéria que dá algumas evidências empíricas da riqueza de pessoas físicas brasileiras. Discute-se muito a desigualdade da renda, mas não há estatística acessível para se discutir a desigualdade da riqueza. Assim, a amostra dos candidatos a prefeitos no Brasil por mais viesada que possa ser, pode nos revelar e/ou comprovar algumas hipóteses a respeito. Por exemplo, no quadro acima com a lista de candidatos que declararam ter patrimônio superior a R$ 1 milhão destacam-se nos primeiros postos que “a marcha da riqueza”, de fato, deslocou-se para o Oeste e o Norte. Lá parece que “candidatos da classe dominante” ainda almejam ser prefeitos. Outra curiosidade: entre os milionários listados, só há um candidato pelo Partido dos Trabalhadores, demonstrando o caráter classista.

Não concordo com o jornalista que afirma com ironia que, “quando o assunto é o próprio bolso, o político brasileiro é, antes de tudo, um conservador”. Na realidade, é racional ser conservador em Finanças Pessoais – e no trato de dinheiro público! Em política que eu abomino o conservadorismo.

No levantamento do Valor com as declarações de bens dos candidatos a prefeito nas capitais com mais de 1% das intenções de votos nas pesquisas eleitorais, o que o jornalista destaca é que do mais rico entre eles, o empresário Mauro Mendes (PSB), de Cuiabá, dono de um patrimônio que supera os R$ 115 milhões, ao menos aquinhoado, o professor Pantaleão (PSOL), de Goiânia, cujo único bem é um fusca 1973 de R$ 2 mil, o que se vê é pouca disposição para aplicações financeiras mais sofisticadas.

Se a política é como as nuvens, que exibem um novo formato a cada olhar, o patrimônio dos políticos é composto, em sua maioria, por bens para lá de palpáveis – e quase não se altera. Do total declarado pelos candidatos, que atinge R$ 380,9 milhões, cerca de R$ 102,5 milhões – o equivalente a 26,9% de todos os bens – referem-se a terrenos, propriedades rurais, imóveis urbanos (residenciais e comerciais) e benfeitorias. Esse número é provavelmente muito maior, já que a declaração leva em conta o valor que consta na escritura dos imóveis, e não o chamado valor de mercado – ou seja, quando poderia ser obtido, de fato, pela venda do bem. Outros R$ 178,2 milhões do bolo de R$ 380,9 milhões representam participações diretas dos candidatos como sócios em empresas, seja por cotas ou ações. Portanto, essas participações acionárias representam 47% da riqueza total!

Juntos, propriedades imóveis e negócios em empresas somam R$ 280,7 milhões – ou 73,7% do patrimônio total. Sobrariam, em tese, R$ 100 milhões para investir em outros ativos ou formas de manutenção de riqueza. Como mais R$ 13 milhões (3%) representam outros bens – como veículos, animais, títulos de clube e obras de arte -, o dinheiro na mão dos candidatos para aplicações financeiras resume-se a cerca de R$ 87 milhões (23%).

E o jornalista insiste em ironizar algo que não deveria ser criticado: “na hora de aplicar esses recursos, sobra conservadorismo“. Os aportes em renda fixa lideram com R$ 6,702 milhões. ACM Neto (DEM), sexto mais rico, com patrimônio de R$ 13,3 milhões, é o que mais tem dinheiro na modalidade. São R$ 1,183 em produtos do Bradesco e do Banco do Brasil. Dentro do universo da renda fixa, as opções também são convencionais, com os aportes concentrados em Certificados de Depósito Bancário (CDB) de grandes instituições de varejo. [FNC: Prudência louvável!]

O único que destoa entre os candidatos na hora de aplicar é José Serra (PSDB), que briga com Fernando Haddad (PT) por uma vaga no segundo turno em São Paulo. O tucano, cujos bens somam R$ 1,47 milhão, tem R$ 494 mil em Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) emitidas pela Caixa Econômica Federal. [FNC: Apenas neste caso ele acerta, mas o jornal destaca que ele é “o candidato que mais foge das aplicações convencionais”, pena ele não fugir da política convencional...]

O panorama não muda muito quando se analisa o dinheiro em fundos de investimento. Dos 30 candidatos que declararam ter aplicações na modalidade, apenas três se aventuram para além das carteiras de renda fixa. Gustavo Fruet (PDT), terceiro colocado em Curitiba, é adepto dos multimercados, modalidade mais sofisticada, em que o gestor é livre para aplicar nos mercados de ações, câmbio e renda fixa. Com patrimônio de R$ 2,260 milhões, ele possui R$ 215 mil em fundos multimercados do Itaú. Mauro Nazif (PSB), terceiro na disputa à Prefeitura de Porto Velho, tem R$ 515 mil em um fundo de ações da categoria carteira livre. Daniel Coelho, segundo colocado na corrida em Recife, tem R$ 135 mil em fundos de ações geridos pelo Bradesco.

O valor somado aplicado por todos os candidatos em fundos de investimento, de R$ 43,7 milhões, pode, à primeira vista, impressionar, revelando um gosto dos políticos pela modalidade. Afinal, representaria 11,5% do patrimônio total dos aspirantes a prefeito. Mas o número agregado é enganoso. Dois candidatos concentram as aplicações em fundos. Disparado na liderança está Marcio Lacerda (PSB), favorito à Prefeitura de Belo Horizonte, com um fundo exclusivo (formado só para atendê-lo) de R$ 35,4 milhões! Em seguida, aparece Gabriel Chalita (PMDB), quarto colocado na disputa em São Paulo. Sétimo candidato mais rico, com um patrimônio de mais de R$ 11 milhões, ele declarou ter com R$ 4,8 milhões em um fundo de investimento. Sem contar Lacerda e Chalita, o valor total do patrimônio dos candidatos aplicado em fundos cai para R$ 3,5 milhões. Além de aplicar pouco na categoria, os candidatos, ignoram completamente as gestoras de recursos independentes e acorrem aos grandes bancos de varejo, com liderança inconteste do Banco do Brasil.

Veja o que o jornalista adjetiva: “O conservadorismo empedernido do político brasileiro é mais visível ainda quando o pequeno valor das aplicações diretas na bolsa de valores.” Dos candidatos pesquisados, apenas 14 declararam ter ações. E o total destinado à bolsa é de apenas R$ 524,2 mil. Mauro Mendes, o mais rico entre todos os candidatos à prefeitura de uma capital, tem somente R$ 45,5 mil investido em ações. O campeão do mercado acionário é Mário Português, vice-líder nas pesquisas de intenção de votos em Porto Velho. Ele declarou R$ 311,78 mi em papéis da estatal Eletrobras. O valor pode até parecer alto, mas representa ínfimos 1,13% do patrimônio de R$ 27,5 milhões do candidato, o quarto mais rico entre todos.

Mário Português, aliás, é um dos 18 aspirantes a prefeito que guardam dinheiro debaixo do colchão. Ele declarou ter R$ 1,8 milhão em “dinheiro em espécie”! Aplicado na nova caderneta de poupança, que remunera o investidor com 70% da taxa básica de juros (Selic), esses recursos renderiam este mês aproximadamente R$ 7,7 mil líquidos. E dinheiro parado significa perda de poder de compra. O efeito corrosivo da inflação faz com que R$ 1,8 milhão hoje não compre a mesma quantidade de bens daqui um ano. Mesmo assim, o volume declarado de “dinheiro em espécie” atinge R$ 6,5 milhões, mais do que o dobro, por exemplo, do que as aplicações somadas dos candidatos em planos de previdência privada complementar (R$ 2,72 milhões). Quem mais tem dinheiro “debaixo do colchão” é Carlos Amastha (PP), favorito à Prefeitura de Palmas, capital do Tocantins. Com um patrimônio de R$ 18,1 milhões, o que o coloca na quinta posição entre os mais ricos, ele mantém R$ 2 milhões em dinheiro vivo!

O jornalista se espanta com a realidade brasileira: “Por mais chocante que pareça, essa falta de entusiasmo dos políticos pelo mundo dos investimentos reflete, segundo especialistas, o perfil do investidor brasileiro típico”. “Essas pessoas [os candidatos] não são de outro Brasil, elas representam, para o bem e para o mal, o jeito como o brasileiro lida com as finanças pessoais“, afirma William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A preferência arraigada do brasileiro por imóveis na hora de aplicar o dinheiro tem suas raízes, por exemplo, na convivência por um longo período com taxas de inflação elevada. Como a moeda não cumpria uma de suas funções básicas, que é servir de reserva de valor, o jeito era correr para os chamados ativos reais, no jargão dos economistas. “Isso explica esse viés fortíssimo por imóveis. O preço de uma casa, um apartamento, um terreno pode até variar, mas o sujeito sabe que daqui a 10, 20, 30 anos a propriedade estará lá. Quem conviveu muito tempo com inflação alta e até hiperinflação aprendeu que imóvel é sinônimo de proteção“, afirma o professor da FGV.

A opção pela renda fixa, na seara das aplicações financeiras, é também uma reação natural ao ambiente em que o investidor brasileiro viveu nos últimos anos. Com taxas de juros nominais de dois dígitos por muitos anos, era fácil ganhar dinheiro sem se arriscar na bolsa. E o melhor caminho dentro do universo da renda fixa eram os títulos públicos e os papéis privados de baixíssimo risco, como os CDBs de grandes bancos. A ordem era ter dinheiro em um investimento que segui-se o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), que anda sempre de mãos dadas com a Selic. “Os juros extraordinariamente altos após o Plano Real estimularam essa cultura do CDI, do ganho fácil no curtíssimo prazo com risco praticamente zero. E as pessoas ainda não tiveram tempo de se adaptar a esse cenário de taxa de juros de um dígito”, diz o economista Alexandre Espírito Santo, professor de Finanças do Ibmec-RJ e economista-chefe da Way Investimentos.

A falta de apetite do brasileiro por renda variável também passa pelo histórico ruim do mercado de capitais brasileiro, que até meados da década de 90 não era dos melhores. O ‘crash’ da bolsa de valores de São Paulo no segundo semestre 1971, após um primeiro semestre de alta exuberante das ações, afastou uma geração inteira do mercado acionário. Outro episódio marcante foi o caso “Naji Nahas”, em meados de 1989, quando o estouro de operações especulativas com papéis da Vale realizadas pelo investidor libanês Naji Nahas fez soçobrar a bolsa de valores do Rio. “Quem tem hoje por volta de 50 anos ainda é marcado por esses casos e foge da bolsa. O mercado era visto como um cassino, e as pessoas queriam a segurança do juro de curto prazo ou do tijolo e do cimento”.

Rafael Greca, o admirador de obras de arte, Heitor Férrer, o criador de cavalos, Celso Russomano, o fã de carros. Eis algumas informações curiosas e pouco divulgadas nos meios de comunicação que o eleitor pode obter ao consultar o patrimônio dos candidatos a prefeito na página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na internet.

Russomano (PRB), líder na corrida pela prefeitura de São Paulo, tem sete carros e uma moto! Juntos, eles valem, pelo valor declarado pelo candidato, R$ 245,5 mil – ou cerca de 10% do patrimônio total do candidato. Os dois automóveis mais caros na garagem de Russomano são um Passat ano 2004 (R$ 55 mil) e uma Mercedes Benz ano 1999 (R$ 50 mil). Além dos automóveis, o candidato declarou possuir uma Lancha Planton de R$ 80 mil.

Juntos, o valor dos automóveis de todos os candidatos supera R$ 9 milhões. Não entram nessa conta veículos como tratores, carretas e escavadeiras, por exemplo. Quem tem o carro mais caro é Carlos Amastha (PP), de Palmas. Ele pode se dar ao luxo de passear com sua Maserati ano 2009 de R$ 660 mil, financiada pelo Banco Alfa.

Mas nem todo mundo é fã de automóveis de luxo. Rafael Greca (PMDB), quarto colocado na disputa em Curitiba, não tem um único veículo. Ele gosta mesmo é de artes plásticas. São mais de 25 obras, entre pinturas, gravuras e desenhos, que, juntos, somam mais de R$ 50 mil. O objeto de maior valor é um quadro de R$ 10 mil. Também possuem obras de arte Mario Kertész (PMDB), terceiro colocado na corrida de Salvador, e Aspásia Camargo (PV), que concorre à prefeitura do Rio de Janeiro.

Entre os candidatos que possuem animais figura Heitor Férrer (PDT), quarto colocado na corrida de Fortaleza. Ele tem nove cavalos marcha larga marchador, que, em conjunto, valem mais de R$ 45 mil. Três candidatos têm mais de R$ 1 milhão em cabeças de gado. Mário Português (PPS), de Porto Velho, registra 12.185 reses de gado bovino cujo valor somado atinge R$ 9,7 milhões. Reinaldo Azambuja (PSDB), de Campo Grande, possui mil cabeças de gado bovino que valem R$ 3,2 milhões. E Castelo (PSDB), de São Luís, tem R$ 1,384 milhão em gado bovino.

Três candidatos declaram ao TSE a propriedade de aeronaves. José Maranhão (PMDB), por exemplo, tem duas, com valor superior a R$ 400 mil.

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