Desigualdade Salarial piora no Primeiro Trimestre de 2020

Bruno Villas Bôas (Valor, 18/05/2020) informa: os primeiros impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho no primeiro trimestre, ainda que limitados à segunda quinzena de março, foram suficientes para mudar a tendência da desigualdade salarial no país, especialmente no Sudeste, mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O índice de Gini da renda domiciliar per capita do trabalho foi de 0,633 no primeiro trimestre de 2020 – o indicador varia de um a zero, sendo zero a sonhada distribuição perfeita da renda. Trata-se de uma variação de +0,002 em relação ao mesmo período de 2019, quando o indicador estava em 0,631.

Uma variação de 0,001 do índice de Gini corresponde à primeira casa decimal de um número na ordem das dezenas. Isso quer dizer que a variação é significativa. Mas o mais importante é o que ele aponta como tendência. A desigualdade voltou a apontar para uma piora.

Depois da volta da Velha Matriz Neoliberal, a disparidade da renda do trabalho piorou rapidamente por conta da recessão e pelos empregos de má qualidade gerados no período de recuperação da atividade econômica. O índice de Gini aumentou de 0,600 do quarto trimestre de 2014 para 0,628 no quarto trimestre de 2018.

Recentemente, porém, o ritmo de crescimento da desigualdade estava em desaceleração. No quarto trimestre de 2019, o indicador chegou a ensaiar uma melhora, ao recuar para 0,627, ligeiramente abaixo do mesmo período do ano anterior (-0,001). Especialistas acreditavam no início de um novo ciclo de melhora a partir de 2020.

Para Duque, a piora do índice no primeiro trimestre está relacionada aos impactos da pandemia sobre a renda de informais, além do aumento do número de pessoas ocupadas no setor público, que recebem melhores salários, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, do IBGE.

“Esses trabalhadores informais estão entre os mais afetados pela recomendação de isolamento social, porque dependiam da movimentação de rua. São justamente os de menores rendimentos”, explica o pesquisador, autor dos cálculos. “A pandemia já mudou, portanto, a tendência de desigualdade.”

Uma abertura da desigualdade por diferentes ‘Brasis’ mostra que o índice cresceu concentrado no Sudeste. Estados de São Paulo e do Rio foram os primeiros a adotar medidas de distanciamento social. O Gini da região passou de 0,604 no primeiro trimestre de 2019 para 0,611 no mesmo período de 2020.

O indicador também mostrou uma leve piora na região Nordeste, onde atingiu 0,686 no primeiro trimestre, de 0,685 no mesmo período do ano anterior, conforme dados levantados pelo pesquisador. A região é, historicamente, a de maiores diferenças sociais no Brasil. Nas demais regiões, o índice teve ainda alguma melhora: no Sul foi de 0,561 para 0,553, no Centro-Oeste, de 0,581 para 0,572, e no Norte, 0,630 para 0,627.

O economista acredita que a distância da renda entre os mais ricos e mais pobres seguirá crescendo no segundo trimestre. De um lado, os menos qualificados, empregados no setor de serviços, devem ser os mais impactados. De outro, trabalhadores do setor público e mais qualificados tendem a manter seu empregos por meio do teletrabalho.

O pesquisador lembra que os indicadores trimestrais da Pnad Contínua, do IBGE, que embasaram os cálculos de desigualdade, não incluem renda de programas sociais, como do Bolsa Família. Dessa forma, também não vão captar o rendimento do auxílio emergencial de R$ 600 que vem sendo pagos pelo governo desde meados de abril.

Dados da Caixa mostram que cerca de 50 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo auxílio emergencial desde meados de abril, com a transferência total de R$ 35,5 bilhões. Segundo o Dataprev, 16,4 milhões de pedidos estão atualmente sob análise para concessão.

Ana Conceição (Valor, 18/05/2020) informa: o impacto negativo da crise econômica gerada pela pandemia da covid-19 sobre os trabalhadores menos qualificados e com menor renda pode ser, no mínimo, o dobro daquele sobre os de maior ganho e qualificação, segundo exercício feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Num cenário em que a restrição à atividade econômica dure dez meses, o mais pobre pode perder quase 30% da renda em 12 meses.

O estudo leva em conta quatro cenários, com três deles considerando que as restrições à atividade econômica durem seis meses e, em um, dez meses. Também leva em consideração uma medida de intensidade da crise, dada pela probabilidade de saída do mercado de trabalho, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2016, segundo ano do último período de recessão no país.

Segundo o técnico em planejamento do Ipea Ajax Moreira, autor do estudo, todos os trabalhadores perdem com a crise, mas no primeiro cenário, com uma crise mais leve e duração de seis meses, aqueles no primeiro estrato de renda perdem 9% de seus ganhos em 12 meses, enquanto na ponta mais rica a perda é de 3%. No cenário de dez meses de restrições à atividade econômica, os trabalhadores mais pobres chegam a perder 28% da renda anual, enquanto mais ricos perdem 11%. Nesse mesmo cenário de dez meses, quando a perda de renda é medida no domicílio, esses números são respectivamente de queda de 11% e de 24%. O resultado por domicílio afere o efeito sobre toda a população, que inclui inativos e crianças.

Segundo o técnico, o exercício é uma primeira avaliação, feita com os dados disponíveis, sobre o potencial impacto da quarentena sobre a renda e o emprego, levando em conta os diversos graus de vulnerabilidade do trabalhador brasileiro. Os dados de renda foram retirados da Pnad 2019 que só tinha disponível, naquele momento, a renda do trabalho, e da Pnad 2018, onde já havia informações sobre valores do Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC, voltado para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência) e aposentadorias.

O modelo também mostra que quanto maior a instrução, maior a probabilidade de estar ocupado na crise. Assim, na simulação em que as restrições à atividade duram seis meses, a probabilidade de um trabalhador sem instrução estar ocupado é de 13% menor, em média, enquanto a de um trabalhador com mais de 15 anos de instrução é 8% menor.

No cenário em que as medidas de restrição duram dez meses, a chance de um trabalhador sem instrução estar ocupado é 23% menor, em média, e a de um trabalhador mais instruído é 16% menor. Em ambos os cenários, a faixa que sente menos o desemprego é a dos trabalhadores com 15 anos ou mais de estudo. Abaixo disso, os percentuais são bem parecidos nas várias faixas de escolaridade.

“O que os resultados mostram é que o impacto sobre os trabalhadores menos qualificados e com menor renda são em média o dobro do impacto sobre os situados nos estratos superiores. Também mostram que, para o efeito sobre a renda, a duração da crise é mais importante do que a velocidade da demissão do trabalhador”, diz Moreira.

O estudo ressalta que o impacto da pandemia, evento sem precedentes na história recente, depende essencialmente da duração das restrições à atividade e que, numa população de trabalhadores heterogênea como a brasileira, os efeitos negativos também são de intensidades diversas e, assim, pedem políticas públicas diversas. “ Essa questão é especialmente importante no Brasil, que tem um importante segmento informal que não é protegido por leis sociais, e é especialmente vulnerável ao ciclo econômico”, diz o pesquisador.

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