Despesas Financeiras acima dos Investimentos: Expectativa de Inversão

As companhias brasileiras gastaram mais com despesas financeiras, compostas principalmente pelo pagamento de juros, em vez de ser com as suas atividades de investimento em 2023, mostra levantamento realizado a pedido do Valor (22/04/24) com todas as empresas de capital aberto do país.

Nas despesas estão juros, impostos e gastos na contratação de linhas. Os investimentos incluem pagamento de aquisições, aplicações financeiras, recursos de venda de negócios, entre outros.

Foram R$ 306,8 bilhões com essas despesas financeiras, no ano passado, alta de 8,2% frente a 2022, e ao mesmo tempo, o caixa das atividades de investimento alcançou R$ 298,7 bilhões, praticamente estável no mesmo intervalo analisado.

Apesar da piora do ambiente econômico e da escalada da taxa básica de juros (Selic) após 2021, não se viu esse mesmo cenário em 2022. Naquele ano, os investimentos somaram R$ 299,2 bilhões, valor acima dos gastos com juros e encargos, em R$ 283,6 bilhões.

Os dados de balanços de 386 empresas abertas não financeiras foram coletados pelo professor e consultor André Freitas de Moura, da FGV/EAESP, com PhD em contabilidade e finanças na Universidade de Birmingham, na Inglaterra.

Embora o movimento de recuo da Selic pelo Banco Central, após 2023, possa atenuar esse impacto neste ano, com a decisão do governo de adiar a meta fiscal, há consenso no mercado de um ritmo mais lento de queda dos juros. Deterioração do cenário global pela piora do ambiente geopolítico em 2024 também pesa na decisão.

Isso afeta diretamente planos de investimento pela necessidade de as empresas protegerem seu caixa. A mesma história vista em 2022 e 2023 se repetirá em 2024, com a pressão de juros ainda relevante e ‘spread’ bancário resistindo a ceder.

Cerca de 70% do custo do crédito dos bancos, em uma operação de dívida junto às pequenas e médias empresas, é “spread”, e esse índice não vem caindo. Afeta custo de capital, e portanto, investimentos. Houve aumento de 0,5 ponto na taxa do spread para empresas em 2024 (para 9,2% ao ano), informa o BC. Em 2023, subiu 0,2 ponto.

O “spread” é a diferença entre taxas cobradas pelos bancos e as pagas para captar recursos.

O recuo mais paulatino nas taxas pode atrasar uma queda mais forte das despesas das companhias com dívidas atreladas à Selic – bancos estimam o estoque da dívida corporativa (inclusive debêntures) no país gira em torno de R$ 600 bilhões de empresas abertas e fechadas.

Os movimentos de investimento variam segundo o setor, p.ex., empresas de consumo seguram gastos, mas de áreas como telefonia e papel têm anunciado desembolsos maiores. Mas isso ocorria antes de o risco fiscal subir à toa.

Empresas antes planejavam gastos maiores, agora falam em refazer a rota. “Está uma chiadeira maior de empresários em jantares e conversas privadas desde a semana passada. Dívida pública maior só gera inflação e afeta confiança” [?!], disse um empresário do setor bens de capital, nesse mercado desde 1972, sem entender nada de Economia até hoje…

Piorou o indicador que mede a relação entre despesas e caixa aplicado em investimentos. Esse índice atingiu 0,84 em 2023 frente a 0,80 em 2022. Equivale a dizer: enquanto a empresa colocou R$ 100 em investimentos, os gastos em juros para financiar o crescimento passou de R$ 80 para R$ 84.

O índice geral foi calculado dentro de uma mediada dos indicadores de cada empresa, de forma a eliminar valores extremos e distorções.

O estudo não considera instituições financeiras e inclui Petrobras e Vale, mas ao se desconsiderar as duas empresas, foram R$ 272,3 bilhões em despesas financeiras em 2023 – superior aos R$ 227,8 bilhões em investimentos.

Na avaliação de Eliseu Martins, professor titular e emérito da FEA/USP, e membro convidado do Comitê de Procedimentos Contábeis (CPC), as despesas foram pressionadas pela escalada dos juros, e só não cresceram mais porque, para escapar da alta, as empresas reorganizaram as dívidas, buscando financiamentos atrelados a taxas pré-fixadas, e até a índices como inflação.

“Quando a Selic estava a 2% ao ano em 2020, os grupos cientes de que isso não se sustentaria trataram de fugir da Selic”, mas muitos ingênuos lançaram debêntures com custo de 100% do CDI.

Tem muito empréstimo ainda em moeda estrangeira. Agora, com o dólar em alta, isso volta a preocupar, caso o câmbio se mantenha pressionado pelo cenário de incerteza global.

O impacto de dólar para as empresas é contábil, e não caixa, e sentido por empresas sem hedge cambial. A divisa acumula valorização de 7,13% em 2024.

Embora a Selic tenha caído, após agosto de 2023, as companhias “carregaram” no balanço o pico da taxa, em 13,75%, em 2022 e boa parte do ano passado.

O efeito positivo do recuo dos juros veio mesmo após o quarto trimestre de 2023. Hoje, a Selic está em 10,75% ao ano.

Pelos dados coletados, o peso dos investimentos na receita total dos grupos entre 2022 e 2023 caiu, mas a participação das despesas na receita manteve-se estável.

As companhias abertas gastaram soma maior com juros do que com investimentos em 2023. Foi algo causado mais pelo recuo no investimento do que por uma alta nos desembolsos com juros e encargos, que já estava elevado.

Outro levantamento, realizado pela equipe do Valor Data com as empresas abertas, mostra o efeito da alta das despesas financeiras líquidas no resultado final das companhias.

Pelos números, que excluem Petrobras, Vale e companhias em recuperação judicial, essas despesas subiram 25% no ano passado, e ao mesmo tempo, o lucro líquido caiu 12% – passou de R$ 213 bilhões para R$ 186 bilhões.

Houve recuo no resultado final mesmo com as despesas operacionais (que também afetam lucro) subindo pouco, cerca de 5%, perto da inflação do período. Foi apenas no quarto trimestre que o gasto com juros deu trégua, com queda sobre o ano anterior.

As expectativas dos analistas de bancos é a hipótese de um recuo mais lento da Selic, e a valorização do dólar frente ao real voltar para a discussão nas teleconferências dos resultados do primeiro trimestre das empresas.

A trajetória de queda dos juros desde meados de 2023 e as perspectivas melhores para a indústria, a construção civil e o crédito às empresas têm ajudado os investimentos a reagir desde o fim do ano passado, movimento que se intensificou no início de 2024 e deve levar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) a fechar este ano em alta.

A FBCF é a medida no Produto Interno Bruto (PIB) do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação. Em 2023, ela caiu 3%, após ter subido 1,1% em 2022.

Uma medida da consultoria A.C. Pastore que oferece uma estimativa indireta (uma “proxy”) para a FBCF aponta alta de 7% dos investimentos no primeiro trimestre, em relação aos três meses imediatamente anteriores (veja gráfico acima). No mesmo período de 2023, a FBCF caiu 3%.

“Na construção da ‘proxy’, pegamos fatores relevantes que têm dados mensais e, através de um modelo de regressão, colocamos pesos neles e calculamos qual seria a FBCF”, explica a economista-chefe da A.C. Pastore. “A aderência ao longo da série é boa e isso nos ajuda a ver a direção da FBCF. Mas, para a projeção, usamos também nossos modelos, que são mais robustos e incluem, por exemplo, as taxas de juros.”

Por isso, uma alta de 7% na FBCF neste início de ano ainda parece exagero. Ela projeta um crescimento menor, mas também forte, ao redor de 4%. Com isso, a projeção para o crescimento da FBCF em 2024 da A.C. Pastore, que já foi de 2%, está em 3,5%.

Alguns dos elementos relevantes para estimar a FBCF são o comportamento da indústria, principalmente da produção de bens de capital (como máquinas), e da construção civil.

A produção de bens de capital avança 3,6% no primeiro bimestre de 2024, ante igual período de 2023, enquanto a produção de insumos típicos da construção civil sobe 4,9%, na mesma base de comparação. Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do IBGE.

Além disso, a importação de bens de capital, outro sinalizador para os investimentos, cresce a um ritmo bom neste início de ano. O volume dessas importações acumula alta de 14,3% em 2024 até março, de acordo com o Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“O ano passado foi bem ruim. O que puxou para baixo a FBCF foi a produção doméstica. A de bens de capital caiu 11% no acumulado do ano, embora a indústria total tenha ficado praticamente estagnada”, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

No seu último encontro, em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central notou, conforme a ata, que “o maior apetite na oferta de crédito assim como a redução das taxas de juros e o relaxamento das condições financeiras sugerem um cenário mais auspicioso para o investimento ao longo de 2024, tal como já observado no último trimestre de 2023”. Diante disso, o BC também elevou sua projeção da FBCF em 2024 de 1% para 1,5%.

“A demanda tem possibilidade de crescer à frente do que chamamos de renda corrente. E o crédito ajuda a antecipar decisões de investimento. O crédito tem esse poder de trazer para o presente e é capaz de gerar um gasto, hoje, superior à renda circular”, explica Cagnin.

O mercado de crédito às empresas foi bastante impactado no ano passado não só pelas taxas de juros elevadas, mas também pelo caso da fraude contábil na Americanas. Deixou os bancos mais cautelosos e restritivos nas concessões.

Neste ano, dados do BC mostram que, no acumulado em 12 meses até fevereiro, as concessões totais nominais aumentaram 5,3%, com incrementos de 1,3% nas operações com pessoas jurídicas e de 8,6% nas com pessoas físicas. As concessões médias diárias em fevereiro avançaram 9,5%, em relação ao observado em janeiro, mas com aumentos de 12,6% no segmento de empresas e de 7,3% no de famílias.

No quarto trimestre de 2023, o PIB ficou estagnado, em relação aos três meses imediatamente anteriores, mas a FBCF já tinha subido 0,9%. O avanço foi puxado, segundo o BC, pela construção, que cresceu 4,2%. Isso, automaticamente, deixou uma “herança estatística” melhor para o desempenho da construção em 2024, indica o BC, que revisou sua estimativa de alta do setor este ano de 1% para 2,5%. Mas há outros elementos.

O mercado de trabalho apertado, a continuidade dos programas habitacionais de baixa renda em todas as esferas governamentais, novas concessões de projetos de infraestrutura e a política monetária menos restritiva tornam o cenário prospectivo positivo para construção civil, “apontando um momento de virada do setor”, afirma o Bradesco em um relatório recente. O banco espera crescimento de 2,3% do PIB da construção civil em 2024. Em 2023, o setor caiu 0,5%.

Além do Minha Casa Minha Vida (MCMV), relançado pelo governo, o FGTS Futuro, por exemplo, permite aos trabalhadores com carteira usar contribuições futuras do empregador ao fundo para comprovar renda na compra de imóveis ou reduzir o valor da prestação do financiamento no âmbito do MCMV. “Há diversas medidas alavancando a habitação social”, diz a coordenadora de Projetos da Construção no Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).

“A infraestrutura é vital, mas também neste caso há anúncios de investimentos que, se confirmados, devem contribuir para o incremento da FBCF da construção”, afirma.

Neste início de ano, não apenas os insumos típicos da construção civil registram crescimento, como a produção de aços longos e o emprego formal no setor estão no campo positivo, nota o Bradesco. Além disso, a Pesquisa Empresarial do banco corrobora, segundo os economistas, o cenário de retomada da construção.

“Os empresários do setor têm apontado avanço da procura por empreendimentos imobiliários nos últimos meses. Diferentemente de outros ciclos, os custos seguem abaixo da média e preços seguem em alta, mantendo boas margens para o setor. Esses movimentos são espraiados entre os segmentos da construção permitindo um aumento da confiança dos empresários também de forma generalizada”, dizem relatório.

Resultados da Sondagem da FGV vão em sentido parecido. “No fim de 2023, perguntamos as expectativas dos empresários da construção para o setor em 2024. A maioria estava otimista”.

Os desafios para a construção incluem as taxas de juros ainda elevadas e algumas incertezas não resolvidas com a reforma tributária. “Mas, a princípio, é um horizonte bastante favorável aos investimentos na construção.”

Os economistas do Bradesco estimam em cerca de 1,8 milhão de domicílios passarem a ter acesso ao crédito imobiliário quando a taxa de juros do financiamento cai de 11% para 9%. Até fevereiro, taxas de mercado direcionadas ao financiamento imobiliário da pessoa física estavam em 11,2%, segundo o BC.

A perspectiva de queda nos juros ao longo de 2024, ainda que essa trajetória tenha se tornado mais incerta nos últimos dias, deve contribuir para o crescimento da FBCF como um todo no ano, segundo Magalhães, da A.C. Pastore. Ela mudou sua estimativa de Selic ao fim dos cortes em 2024 de 9,25% para 10%, mas isso, diz, deve afetar os investimentos mais em 2025.

“A perspectiva para este ano é favorável. As taxas de juros vêm caindo desde meados do ano passado, mas leva pelo menos seis meses para isso chegar às taxas de financiamento. O BC tem sinalizado que vai desacelerar os cortes, mas [o movimento de reduções anteriores] ainda vai bater nas taxas de financiamento”, diz Cagnin, do Iedi.

Ainda que a FBCF cresça em 2024, a taxa de investimento em relação ao PIB deve ficar estável em 16,5%. Qualquer coisa que a gente possa fazer para diminuir o ambiente de incertezas, seja na parte fiscal, seja em relação às empresas de capital misto, vai na direção de aumentar o investimento no país.

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