Atuação do Banco Central do Brasil na Crise de Liquidez

A liberação dos depósitos compulsórios, em outubro de 2008, visava resolver eventuais problemas de liquidez, mas criou a expectativa de que os bancos poderiam ter mais dinheiro em caixa para emprestar, evitando que a economia sofresse desaceleração. As estatísticas mostravam que, ao mesmo tempo em que injetava recursos dos compulsórios no sistema financeiro, o Banco Central retirava dinheiro dos bancos por meio de operações de mercado aberto para impedir a expansão do volume de moeda em circulação na economia. Ele tentava manter a base monetária sob controle, evitando que a taxa de juros caísse abaixo da meta definida pelo Comitê de Política Monetária, dentro do regime de meta inflacionária. Quanto mais dinheiro em circulação, menores seriam os juros de mercado.

Tem que se analisar o fenômeno no tempo. Houve, em certo momento, inclusive queda na taxa do CDI, distanciando-se da SELIC (regulada pelo BACEN), devido ao excesso de liquidez no mercado interbancário, provavelmente em mãos dos grandes captadores de depósitos.

Eu questiono se há, de fato, prática de “preferência por liquidez” por bancos. Acho que esse conceito keynesiano é aplicável justamente quando ela se torna “absoluta”, como nos casos de depressão. Chegou a se avizinhar de algo com a dimensão da “armadilha de liquidez” que ocorreu nos anos 30? Aí sim caberia seu uso, mas não, como fazem os pós-keynesianos, em todas as conjunturas. Banqueiros, assim como todos os capitalistas, “preferem maximização de rentabilidade com minimização de perdas”. Liquidez, strictu sensu, em moeda que não rende nada, apenas é retida em encaixe obrigatório.

Na realidade, uma das funções de tesouraria, em banco, é nunca deixar em caixa “um tostão sem aplicação”. A administração financeira controla, via sistemas, todos os fluxos de caixa do banco e coloca, diariamente, o excedente, isto é, o que não emprestou, à disposição da tesouraria, para ela aplicar, evitando o custo de oportunidade. Em outras palavras,  quando não há demanda de crédito (ex-ante), aí sim ela aplica a “sobra de caixa” em títulos (ex-post). Para grandes bancos, não há “falta de dinheiro” para emprestar. Banco grande inclusive empresta além do que capta de depósitos, tomando recursos no mercado interbancário, para equilibrar diariamente seus fluxos de caixa.

O grande problema para mudar a política de compulsórios excessivos em que o BCB se meteu era a seguinte questão: por que ele passaria a pagar para captar, diariamente, o “excesso de liquidez”, se ele poderia a reter “de graça” via compulsórios? Enquanto não houvesse demanda dessa “liquidez excessiva”, para se tomar emprestado, torna-se-ia mais caro ao BCB manter a SELIC efetiva (média no mercado) no nível da meta-SELIC.

As medidas tomadas pelo Banco Central do Brasil, no pior momento da crise, fizeram com que, de 101 bancos comerciais, os 91 menores deixassem de recolher compulsórios sobre depósitos a prazo. Na verdade, com a liberação dos compulsórios, seu propósito era apenas canalizar recursos para bancos pequenos e médios com eventuais problemas de caixa. Em crise de liquidez bancária, os depositantes e investidores transferiram dinheiro das instituições menores para as maiores. Os grandes bancos ficaram com caixa, enquanto os pequenos ficaram com problemas para atender aos pedidos de resgate e expandir as carteiras de crédito.

No primeiro momento crítico do crédito, grandes bancos preferiram deixar recursos no próprio caixa, em fenômeno conhecido como “empoçamento de liquidez”. A situação dos bancos pequenos e médios não ficou mais grave porque a maioria estava capitalizada desde a abertura de capital. Não enfrentavam ainda problemas de inadimplência, ou seja, de insolvência do devedor que não podia pagar o que devia. Mas com desemprego do devedor pessoa física ou com o passivo tornando-se superior aos ativos da pessoa jurídica, surgiu esse risco de mercado.

No Brasil, a crise financeira abalou, seriamente, a competitividade dos bancos pequenos e médios. Desde o efeito demonstração da “crise do Banco Santos”, no final de 2004, o receio de se alastrar a bancarrota para bancos de porte semelhante justificou a fuga dos investidores em relação a seus depósitos a prazo. Com isso, restaram como alternativas principais para obter recursos: vender a carteira de créditos, principalmente de consignados, para antecipar liquidez; colocar no mercado de capitais Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), formados com os recebíveis disponíveis; ou captar recursos no exterior. Em 2007, vários recorreram também à abertura do capital na Bolsa.

Eles exploravam o crédito em nichos como o empréstimo consignado e o financiamento ao consumo na porta das redes varejistas. Com dificuldade para captar dinheiro, tanto no mercado de depósitos a prazo, quanto no interbancário, com taxas factíveis, esses bancos tiveram suas margens de lucro esmagadas. Praticamente, paralisaram a concessão de novos empréstimos quando explodiu a crise internacional. Essa paralisia atingiu inclusive as grandes instituições e o financiamento a empresas de primeira linha.

Com o fechamento do mercado internacional, sem liquidez, essas instituições buscaram vender suas carteiras de empréstimos a bancos maiores, aumentando a concentração do crédito no país. Os bancos grandes puderam comprar essas carteiras com o dinheiro que recolhiam no compulsório. O Banco Central do Brasil, finalmente, promoveu mudanças nas regras dos depósitos compulsórios, injetando R$ 91 bilhões no mercado, em dois meses. No final de setembro de 2008, esse recolhimento somava R$ 272 bilhões.

O problema da atuação da diretoria do Banco Central do Brasil era que ela achava que sua única missão era cumprir o regime de meta de inflação. Não se preocupava com o crescimento econômico e/ou o desemprego. Mas a realidade se encarregou de lhe demonstrar como o desemprego provocaria inadimplência e acabaria atingindo outra missão prioritária de todos os bancos centrais: dar suporte ao sistema bancário, evitando a instabilidade no mercado.

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