Comprar imóvel a vista ou a prazo?

Da mesma forma que tem animado os investidores a aplicar em imóveis, a recente queda dos juros no país, elevando os depósitos de poupança e, conseqüentemente, o direcionamento para o crédito imobiliário, reaviva o clichê: “sonho de comprar a casa própria”. Os interessados acham que, como os empréstimos ficaram mais baratos e as aplicações no mercado financeiro tendem a dar menores retornos, usar o crédito com o objetivo de adquirir o primeiro imóvel é a atitude inteligente pensando no longo prazo. No entanto, de acordo com os especialistas do setor, juntar dinheiro para comprar o imóvel à vista continua sendo mais vantajoso.

Os juros praticados pelos bancos no financiamento habitacional, entre 8,2% e 11,5% ao ano, mais TR (Taxa Referencial), no caso da Caixa Econômica Federal, ainda são relativamente elevados, se comparados aos que se consegue em rendimentos líquidos de aplicações financeiras. Eles não são repactuados de acordo com as mudanças da Selic, a taxa básica de juros brasileira, referência via CDI para as aplicações financeiras em fundos e CDB.

O problema é que não há mais muito espaço para a queda desse juro de empréstimo. O limite virtual para a redução dos juros dos empréstimos imobiliários não está muito abaixo da atual referência de 8,75% a.a.. Por lei, 65% dos recursos depositados nas cadernetas de poupança devem ser direcionados ao SFH (Sistema Financeiro de Habitação). Os juros cobrados dos mutuários tem de remunerar os poupadores, os quais têm garantidos rendimento mínimo anual de 6,17% ao ano mais TR, e mais o spread bancário.

Logo, o retorno das aplicações financeiras, mesmo desconsiderando a Bolsa de Valores, que traz mais risco, se apresenta como o custo de oportunidade na comparação com o custo do crédito. As famílias devem fazer uma conta simples. Se desejam comprar imóvel que vale R$ 150 mil, a prestação que pagariam seria de aproximadamente R$ 1.500 por mês. Alugando apartamento equivalente por R$ 700 (menos de 0,5% a.m. do valor de mercado) e guardando os R$ 800 da diferença, em pouco mais de dez anos consegue-se adquirir à vista o imóvel que levaria trinta anos para quitar. O montante pago em empréstimo chega a ser suficiente para comprar até três imóveis, no final.

Evidentemente, esse cálculo é puro exercício intelectual, considerando “ceteris paribus“, isto é, “tudo mais constante”. Em outras palavras, desconsidera a variação do valor de mercado do imóvel ao longo de dez anos, seja para mais (ganho de capital), seja para menos (perda patrimonial). Desconsidera também que a taxa de inflação e outras variáveis podem corroer o poder aquisitivo do dinheiro nesse longo prazo.

Exemplos de planejamento financeiro com cálculo do tempo necessário para comprar a vista imóvel no valor de R$ 150 mil, poupando, mensalmente, R$ 800:

  • Investimento sem risco: 100% em renda fixa, juro mensal 0,64%, prazo: 124 meses.
  • Investimento conservador: 90% renda fixa, 10% renda variável, juro mensal 0,71%, prazo: 120 meses.
  • Investimento moderado: 70% renda fixa, 30% renda variável, juro mensal 0,83%, prazo: 114 meses.
  • Investimento agressivo: 50% renda fixa, 50% renda variável, juro mensal 0,95%, prazo: 109 meses.

Conclusão: o maior tempo, sem risco, seria 10 anos e um quadrimestre; o menor tempo, colocando metade do portfólio em risco, seria 9 anos e um mês. Como a diferença em termos de anos é muito pouca, o investimento sem risco é a melhor seleção.

Como princípio geral, não se deve pagar juros, mas sim aplicar para receber juros e comprar a vista. Aplicar mensalmente é questão de fazer orçamento doméstico e se habituar aplicar determinado percentual da renda pessoal.

Caso seja muito difícil separar esse dinheiro no orçamento, existem algumas opções para tornar a aplicação para o imóvel próprio obrigatória. Uma é colocar os recursos em Fundo de Previdência Privada, assinando contrato que exija contribuições periódicas de valores determinados como fosse em “débito automático” de contas a pagar. Outra é participar de consórcio, desde que esteja atento às taxas de administração e de carregamento cobradas.

Se entrar em financiamento é inevitável, inclusive por ter aparecido alguma “oportunidade imperdível”, o melhor é dar a maior entrada possível e evitar os prazos extensos demais. Não esquecer a possibilidade de querer trocar de imóvel no futuro. É preciso considerar também os imprevistos que podem surgir pelo caminho, como a perda de emprego, e não comprometer parcela grande demais da renda com as mensalidades.

Essa matéria de “prestação de serviço” está baseada em reportagem da Folha de S. Paulo (08/07/09). Sugiro ler todos os posts da Categoria “Finanças Imobiliárias” com o objetivo de se obter mais informações e melhores condições para se analisar a especificidade de cada caso pessoal.

6 thoughts on “Comprar imóvel a vista ou a prazo?

  1. Pingback: Economia para fora da academia « Economia Clara

  2. Fernando,

    Supondo que se tenha $ suficiente para pagto a vista de um imovel, mas tais recursos estão aplicados a uma taxa de retorno superior aos juros cobrados pelo financiamento, e consequentemente exposto a um risco maior, como se calcularia a diferença minima aceitavel entre os juros recebidos e os juros do possivel financiamento, para se optar pelo risco de deixar o $ aplicado e contrair uma divida?

    Abraço,

    • Prezado Rogério,
      sempre que me pedem aconselhamento financeiro, lembro-me do conselho profissional de Galbraith: “nunca se deve dar conselhos aos outros sobre os seus investimentos – a não ser com remuneração. Se o investimento der certo, acham que foi sua própria sabedoria; se der errado, lembram-se logo de quem lhes deu o mau conselho”.
      O post apresenta apenas um exercício intelectual. A responsabilidade de decisões financeiras, assim como todas as outras, é “pessoal e intransferível”.
      Abraço.

  3. Fernando,
    parabéns pelo site. E já vou logo explorando. Tenho um imóvel próprio no valor de 230 mil. Quero mudar para um bairro melhor, onde um imóvel no mesmo padrão do meu custa 600 mil. Pergunto: junto até conseguir comprar a vista ou entro num financiamento? Consigo poupar 2mil por mês. Qual a melhor estratégia?
    Grata,
    Rejane

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