Segmentação na Educação Superior: Universidades Públicas X Faculdades Particulares

Carlos Henrique de Brito Cruz, 53 anos, atualmente, é diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp e presidente da Fapesp. Conheci-o quando ele era professor e diretor da Física na Unicamp. Ele já possuía currículo notável e não transparecia arrogância, o que era virtude rara entre acadêmicos. Publicou (Folha de S. Paulo, 23/02/12) artigo intitulado “A parada no crescimento do ensino superior”, que, talvez por razão político-partidária, repercutiu em Editorial da Folha de S. Paulo (24/02/12), mas divulga informações importantes até então desconhecidas da opinião pública. Reproduzo o artigo abaixo, depois comento, brevemente, o viés interpretativo do Editorial.

A velocidade do crescimento do ensino superior brasileiro diminuiu fortemente a partir de 2005, revelam os últimos números do Inep. A tendência preocupa, pois é um momento em que a economia brasileira cresce, aumentando a demanda por pessoal qualificado.

Em 2010, as instituições de ensino superior públicas formaram 178.407 estudantes, 24 mil a menos do que os 202.262 de 2004. Nesses seis anos, a queda no número de concluintes foi de 1,8% ao ano.

O freio é generalizado e atinge menos intensamente as instituições privadas. Nestas, o crescimento desde 2005 tem sido de 4,5% ao ano, contra uma taxa três vezes mais alta, de 13% ao ano, entre 1995 e 2005.

A queda na taxa de crescimento é mais intensa justamente nas instituições de ensino superior classificadas como universidades, onde se espera aliar ensino e pesquisa para formar melhor os estudantes. De 1995 a 2005, a taxa média de crescimento foi de 11% por ano. A partir de 2005, o crescimento tem sido pífio, de somente 0,2% ao ano. Resultado: em 2010, menos estudantes se graduaram em universidades do que em 2007.

Os efeitos do freio no crescimento graduados se propagam para a pós-graduação, uma das joias da coroa do ensino superior brasileiro. De 1995 a 2004, o número de doutores formados cresceu ao ritmo de 15% por ano. De 2005 a 2010, o ritmo de crescimento caiu para um terço, 5% por ano. Em 2010, titularam-se menos doutores do que em 2009.

Com o fim do crescimento no sistema público, a privatização do ensino superior após 2003 avançou como nunca antes. Em 1995, 37% dos concluintes no ensino superior completaram seus estudos em instituições públicas. Em 2003, foram 32%; e em 2010, o percentual despencou para apenas 22%.

Dois fatores ajudam a entender as razões da parada generalizada.

Primeiro, a política recente do MEC privilegia a expansão do número de instituições do ensino superior federal sem levar em conta a distribuição no território nacional do número de estudantes que concluem o ensino médio.

Um dos resultados dessa política é que, no Estado de São Paulo, o jovem que conclui o ensino médio tem 0,7% de chance de frequentar uma universidade federal, enquanto na Bahia, por exemplo, o segundo estado mais desassistido pela União em ensino superior, essa chance é de 7,3%. No Acre, a chance é de 70%. A média geral do Brasil é 10%.

O investimento em ensino superior precisa levar em conta, em alguma medida, o número de jovens que concluem o ensino médio em cada região, buscando a equidade entre as regiões do país.

O outro fator é o fraco desempenho do ensino médio no país. A universalização do acesso ao ensino fundamental, nos anos 1990, trouxe a expectativa de um aumento forte no ensino médio, mas em 2010 houve menos concluintes do que em 2003, com um decréscimo anual de 0,5% ao ano.

Em 2010, 2,5 milhões de alunos concluíram o ensino fundamental. Como os concluintes no ensino superior são 829 mil, anualmente o Brasil deixa de qualificar 1,7 milhões de brasileiros. Contando com eles, o país iria muito mais longe.”

Foi isso, sem tirar nem por, que o professor Brito publicou. Já o Editorial fez a seguinte leitura, que comento entre colchetes:

“Um artigo do físico Carlos Henrique de Brito Cruz nesta Folha revelou a medíocre [Adjetivo por conta do editorialista que é contraditório com o crescimento em números absolutos.] evolução do ensino superior no país, na última década, ao coligir informações sobre o número de formandos nas faculdades e universidades brasileiras.

Segundo dados oficiais do Ministério da Educação reunidos pelo diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), houve queda expressiva na ampliação dos cursos superiores nos últimos anos, quando se considera o total de alunos que, de fato, obtiveram diplomas.

Entre 1995 e 2005, a taxa média de crescimento do total de diplomados pelas Universidades – vale dizer, instituições que se dedicam tanto ao ensino quanto à pesquisa – foi de 11% ao ano. Entre 2005 e 2010, o incremento anual decaiu para ínfimo 0,2%.

A situação é mais grave nas escolas de elite do ensino superior sob responsabilidade direta do poder público. Entre 2004 e 2010, diminuiu o número absoluto de alunos graduados em instituições públicas de nível superior. No segundo ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 202.262 estudantes obtiveram diplomas nessas faculdades; em seu último ano na Presidência, 178.407 alunos chegaram ao fim de seu curso universitário em instituições públicas. [Pouco menos do que 24 mil, no agregado, em seis anos: efeito da pressão precoce do mercado de trabalho para contratá-los ou evasão por desilusão/desestímulo?]

Não se trata de insuficiência exclusiva do último mandatário, nem apenas do governo federal, uma vez que os dados dizem respeito também a instituições estaduais e municipais [Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual de São Paulo, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, etc.] Além disso, a queda no ritmo de expansão do ensino superior reflete deficiências de formação escolar anterior. [Ensino Médio, cuja responsabilidade pública é dos governos estaduais.]

De todo modo, a gestão Lula não se sai bem mesmo quando considerados os números de ingressantes no nível universitário – sempre maior que o de egressos [Por suposto, como sempre!] – em seus dois mandatos. Entre 1995 e 2002, o total de alunos que chegou à universidade em cursos presenciais (ou seja, excluído o ensino a distância) mais que dobrou, de 510 mil para 1,2 milhão. Sob Lula, a quantidade de novos alunos cresceu só cerca de 30%, para 1,6 milhão de estudantes.

[Foram 400 mil ingressantes a mais em termos absolutos. Naturalmente,  é esperada menor taxa de crescimento relativo, depois que take-off, decolagem, arranco ou impulso brusco tenha diminuído o “estoque de demanda reprimida” antes acumulado. Mas não cabe levantar a hipótese que menor demanda por Ensino Superior tenha relação também com o bônus demográfico, como sugeriu Editorial anterior referente ao Ensino Fundamental e Médio?]

O número decepcionante de formandos provavelmente decorre do despreparo de muitos estudantes para cursar a universidade. [Ou da maior oferta de empregos com o melhor mercado de trabalho?] O fulcro do problema, na avaliação de Brito Cruz e outros, está na etapa escolar anterior, o Ensino Médio. [Repito, cuja responsabilidade pública é dos governos estaduais.]

Há uma década o número de adolescentes formados no nível secundário  se encontra estagnado em cerca de 1,8 milhão por ano, enquanto o total de vagas abertas a cada ano no Ensino Superior já supera esta marca, se incluídos também os cursos a distância. Será impossível ampliar o total de formandos nas Universidades, com ênfase na qualidade, sem reformar também o Ensino Médio.” [Complemento, novamente: “cuja responsabilidade pública é dos governos estaduais”. No caso do Estado de São Paulo, em especial, está mais do que na hora de renovação política.]

[Comentário final: Ponto importante que o professor Brito chamou a atenção, a meu ver, é que não há Universidades Públicas de Excelência em número suficiente, no Estado de São Paulo, para atender a demanda por qualidade e ensino gratuito. Parte dessa demanda desiste de fazer curso diurno mais difícil em Universidade Pública. Ela “se desvia”, para trabalhar durante o dia (ou receber bolsa de estudo do ProUni), diplomando-se em curso mais fácil à noite em Faculdades Privadas.]

Leia maisAcesso à Educação Superior cresceu na década 2001-2010

PS: JORGE GUIMARÃES, 73, é presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Foi docente em oito universidades brasileiras, entre elas a Unifesp, a UFRJ e a Unicamp. Publicou (FSP, 28/02/12) artigo recheado de dados e informações em resposta às observações do professor Brito. Reproduzo-o abaixo:

“À primeira vista, o artigo publicado na Folha de 23 de fevereiro assinado pelo diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique Brito Cruz (“A parada no crescimento do ensino superior”), pode até assustar. Não é preciso.

Suas inferências e conclusões, na verdade, decorrem de um olhar enviesado dos dados do último censo da educação superior.

Trata-se de uma estranha análise vinda de um físico renomado, que ainda serviu de base para o editorial publicado em 24 de fevereiro (“Universidade reprovada”).

Em primeiro lugar, inexplicavelmente, o físico se esqueceu da educação a distância. No Brasil, por decisão autônoma, universidades federais e estaduais formam uma rede denominada Universidade Aberta do Brasil, que oferece cursos de graduação e pós-graduação a distância.

Outro dado que escapou ao professor Brito é o total de formados no país. Em 2010, o Brasil superou a marca de 973 mil formados (quase três vezes mais do que em 2000), sendo 829 mil em cursos presenciais.

Estranhamente, também, o professor Brito e a Folha utilizam a categoria administrativa “públicas” para dizer que Lula “não se sai bem” na educação superior e afirmar que houve diminuição no número de concluintes. Na verdade, nas universidades federais eram 72 mil em 2002. Foram 99 mil em 2010.

Uma observação pertinente: um ingressante na educação superior pode levar quatro, cinco ou até seis anos, dependendo do curso, para ser um concluinte. Para se ter uma ideia, em 2004 a rede federal atendia 592 mil estudantes (49% do total de todas as públicas). Em 2010, atendia a 938 mil (57% do total das públicas).

Não se pode ignorar, ainda, o aumento no número de ingressantes. Em 2004, 293 mil novos alunos ingressaram na rede pública de educação superior, sendo 127 mil na rede federal. Em 2010, eram 302 mil ingressantes na rede federal. Um acréscimo de 120% no período -a rede estadual cresceu somente 7%, e a rede municipal encolheu 28%.

Mas o mais estranho em toda a análise é o professor Brito reclamar que os jovens de São Paulo não têm acesso às vagas públicas.

No Estado, observamos um significativo aumento nas vagas federais, com a expansão da Unifesp e da UFSCar e a criação da UFABC.

Ademais, o país faz um esforço enorme para tornar nacional a seleção às universidades federais. O jovem paulista, antes adstrito a algo em torno de 10 mil vagas nas públicas, agora possui acesso a mais de 140 mil vagas por ano, por causa do Sisu e da expansão das federais.

Também na pós-graduação, a análise do professor Brito está propositalmente enviesada. Ela observa a taxa de crescimento anual, sabidamente um fator influenciado pelo tamanho dos números absolutos.

Vejamos: entre 1998 e 2002, foram titulados 26.998 doutores, uma média de 5.400 titulados ao ano. No período entre 2006 e 2010, foram titulados 52.674 doutores, média de 10.535 ao ano. É praticamente o dobro do quinquênio anterior.

Quem analisa a expansão do ensino superior no Brasil deve levar em consideração o número de ingressantes, o estoque total de matrículas e o tempo médio de conclusão dos cursos. Com todos os dados apresentados, é impossível negar que a expansão do ensino superior federal brasileiro está no rumo certo.”

2 thoughts on “Segmentação na Educação Superior: Universidades Públicas X Faculdades Particulares

Deixe um comentário