Inclusão Mercantil: Potencial de Consumo nas Favelas Brasileiras

Distribuição das Redes de Franquias

Kátia Simões (Valor, 29/11/13) informa que “uma massa de renda igual ao consumo total de países como Paraguai e Bolívia, nada menos do que R$ 63,2 milhões, e uma população de 11,7 milhões de consumidores, o equivalente ao quinto maior Estado de país. Essa é a realidade das favelas brasileiras e o cenário que muitos empreendedores esperam conquistar nos próximos anos. Algumas redes de franquias saíram na frente, embaladas pelo movimento de pacificação das comunidades no Rio de Janeiro e o crescimento do poder de compra das classes C e D, que neste universo representa 65% dos habitantes.

“No início dos anos 2000, quando a marca chegou ao Brasil, nosso projeto era expandir em regiões voltadas à classe A/B. Sequer imaginávamos que pouco mais de uma década depois abriríamos lojas em comunidades”, salienta Roberta Damasceno, gerente nacional de expansão da Subway. “À medida que fomos crescendo no país, fomos ganhando espaço em regiões mais populares com respostas muito positivas, o que nos incentivou a subir o morro.” A primeira unidade em comunidade foi aberta há dois anos, na Rocinha, na sequência, veio Rio das Pedras e até janeiro de 2014 a Subway marcará presença, também, no Complexo do Alemão. Os resultados, de acordo com a executiva, superaram as expectativas. Nos primeiros meses, o faturamento chegou a ser 30% superior ao registrado nas demais lojas e as filas eram constantes na porta.

Embalada pelo bom desempenho nas comunidades cariocas, a rede de sanduíches americana se prepara para expandir, a partir de 2014, em regiões mais afastadas do ABC paulista, de Salvador e nas cidades satélites de Brasília. “Nosso maior desafio é encontrar espaços grandes disponíveis e a preços aceitáveis, porque nossas lojas têm em média 80 metros quadrados”, declara Roberta. “A valorização imobiliária nas comunidades cresceu muito e alugar um espaço na Rocinha custa tanto quanto no asfalto, às vezes até mais”. Hoje, a Subway conta com 1.321 lojas no Brasil, distribuídas em 400 cidades e espera crescer pelo menos mais 300 unidades em 2014, algumas em regiões mais populares.

Renato Meirelles, sócio do Instituto Data Popular, ressalta que encontrar um ponto é, sem dúvida, um dos grandes desafios de redes que desejam crescer em comunidades. “A oportunidade é gigantesca, mas engana-se quem acredita que a concorrência é baixa e os pontos fartos e baratos”, alerta. “No Rio, por exemplo, as comunidades são verticalizadas, o que dificulta o acesso e a disposição de áreas para unidades de grande porte, por exemplo. Já em Salvador e São Paulo, são mais horizontalizadas, facilitando o processo”.

A concorrência também não é das menores. Segundo Meirelles, do total de brasileiros morando em favelas, aproximadamente 20% vivem economicamente da exploração de um pequeno negócio. Pesquisa feita pelo Data Popular, com apoio do Sebrae, revela que 47% dos empreendedores iniciaram na atividade atual há menos de três anos, reflexo direto do incremento do poder de consumo registrado no país nos últimos tempos.

Presente na Rocinha há cinco anos, o Bob’s, com mais de mil pontos de venda no país, vê com bons olhos a chegada de novos varejistas por lá. “Desde que abrimos a primeira franquia da rede no morro não tivemos nenhum tipo de problema, pelo contrário, a comunidade valoriza muito quem oferece produto e serviço de qualidade“, assegura Marcello Farrel, diretor geral da marca. “Para atingir uma gama grande de consumidores, temos sanduíches a partir de R$ 4, o que torna o nosso negócio acessível a todos”. A marca vive um momento de interiorização, seguindo em direção a cidades entre 60 mil e 80 mil habitantes, e para bairros distantes, mais populares, porém com bom potencial de consumo, como Queimados e Mesquita, ambos no Rio de Janeiro.

Na visão de Beto Filho, presidente da ABF Rio, um dos segredos do bom desempenho das redes nas comunidades está na escolha do franqueado. “Quando o parceiro é da comunidade ou conhece bem a região, facilita a escolha do ponto e a própria operação”, observa Filho. “Para o franqueador, o ponto é igual a qualquer retorno, se a viabilidade é boa, por que não investir?”

Demanda tem de sobra, principalmente para as áreas de serviços e educação. Outro cuidado é investir na contratação de mão-de-obra local. Além da boa disponibilidade, ainda há muita resistência por parte das pessoas em se deslocar para trabalhar na comunidade.

Esta é a receita da rede VestCasa, especializada em cama, mesa e banho, com 120 lojas, 60% em bairros populares. Inspirada no bom desempenho alcançado pelas unidades da Rocinha e Rio das Pedras, o franqueador Ahmad Yassin se prepara para inaugurar ainda em dezembro uma loja de 60 metros quadrados na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. “Nossa estratégia é estar o mais próximo possível do nosso público-alvo, as mulheres das classes C/D“, afirma Yassin.

Deste modo, as favelas se ajustam plenamente ao nosso projeto, já que concentra boa parte desta população“. Hoje, a rede tem três lojas em comunidade e seis em cidades com menos de 30 mil habitantes. Em todas procura recrutar e treinar mão de obra local, pessoas que conhecem bem a região, que fazem uma boa divulgação boca a boca e têm o desejo de trabalhar próximo de casa. “O faturamento das lojas assemelha-se às demais, na casa dos R$ 70 mil mensais“, afirma o empreendedor, observando que vem crescendo o interesse dos moradores das comunidades em se tornar um franqueado, um movimento que há poucos anos não existia.

Há 12 anos, Sila Vieira, Carlos Pedro e Elaine Ramos tinham por missão correr o Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, batendo de casa em casa para completar as entrevistas para o senso do IBGE. O desafio era grande mesmo para quem, assim como eles, nascera e crescera na comunidade. Becos e vielas muitas vezes se fundiam e o risco de alguém ficar fora do recenseamento era grande. Foi quanto eles perceberam que poderiam transformar o desafio em uma oportunidade de negócio, afinal os Correios também tinham dificuldades para encontrar os moradores.

Assim, no velho jeitinho brasileiro, acrescentaram duas perguntas ao questionário do IBGE, questionando os moradores se estavam dispostos a pagar uma pequena quantia para receber a correspondência na porta de casa. “O pessoal do IBGE não gostou quando soube, mas era o único jeito de pesquisarmos se um negócio de entrega de cartas daria certo”, afirma Carlos Pedro. A resposta foi 100%.

Quando o Censo terminou, reciclamos os crachás, compramos cinco camisetas iguais e negociamos uma sede de 6 metros quadrados, sem banheiro“. Negociar é modo de dizer, eles alugaram o espaço fiado e passaram a distribuir as cartas que eram deixadas pelos Correios em pontos improvisados, como biroscas, açougues e associação de moradores.

No primeiro mês de operação a Carteiro Amigo cadastrou 500 famílias, que por dois meses não pagaram nada pelo recebimento das cartas. A ideia era primeiro ganhar confiança e credibilidade para depois cobrar. “A primeira carta, suja e molhada, foi entregue em um sábado, às 9 horas da noite e deu pra ver a alegria no rosto da moradora”, diz Pedro. “O trabalho era intenso. Tínhamos apenas quatro meses, o tempo do seguro desemprego, para fazer o negócio dar certo”. E deu.

Com a ajuda do Sebrae, os sócios estruturaram e formalizaram a empresa. Em um ano, somaram quatro pontos de distribuição para ampliar a área de cobertura. Para conseguir clientes, contrataram cerca de 40 pessoas, que recebiam R$ 3 por cadastro, o mesmo valor mensal cobrado por residência. Em pouco tempo somaram três mil registros, com informações que não se limitavam ao endereço. Começaram um processo de capacitação que dura até hoje. “Inventamos um modelo próprio de localização, uma espécie de subcep, que nós patenteamos e é um dos nossos diferenciais”, diz Pedro.

Em 2005, redesenharam o negócio, centralizando a operação para reduzir custos. De lá para cá começaram a receber insistentes pedidos para multiplicar o negócio. Em agosto do ano de 2013, a Carteiro Amigo configurou-se, com a ajuda do Sebrae, na primeira rede de franquias nascida em uma favela. A franquia, que custa cerca de R$ 30 mil, já conta com 13 unidades, distribuídas no Complexo São Carlos, Juramento, Comunidade do Salgueiro, Morro da Providência, Parque da Cidade, Comunidade Pavão e Pavãozinho, Cantagalo, Jacarepaguá, Santa Cruz e Vila Isabel. “Como qualquer outra rede, fazemos um estudo de viabilidade econômica do novo ponto, a fim de garantir os resultados esperados pelo franqueado”, declara Pedro.

O cadastro da rede soma cerca de sete mil residências que pagam mensalidade de R$ 14 pela entrega da correspondência. São mais de mil cartas por dia e 100 empregos diretos e indiretos.

O movimento de pacificação nas favelas cariocas abriu espaço para que empreendedores do asfalto descobrissem um novo mercado para investir, um nicho com capacidade de consumo superior a Estados e países. A violência, antes considerada o grande vilão das comunidades, atualmente tem o mesmo peso no morro e no asfalto. ” Nós não tivemos nenhum tipo de problema, pelo contrário, muitas vezes a loja de lá é mais segura do que as outras”, afirma Fernanda Maia, que ao lado da sócia Renata Maia, abriu uma franquia da Subway na maior favela do Brasil, a Rocinha.

Com uma loja instalada em São Cristóvão, as sócias queriam expandir os negócios. Olharam a lista de pontos disponibilizados pela franqueadora e acharam que a Rocinha seria economicamente o mais interessante. Tiraram um dia e subiram o morro para conhecer melhor a região onde pretendiam investir. “Eu me encantei com um espaço que estava ocupado pela própria dona e comecei a negociar”, conta Fernanda. “Não foi fácil. Um ponto em uma favela pacificada na Zona Sul custa muito caro“.

O aluguel da área de 105 metros quadrados, próxima à Estrada da Gávea, custa exatamente o dobro do valor pago na loja de 140 metros quadros, em São Cristóvão. “Gastamos cerca de R$ 450 mil para montar a unidade, pelo menos R$ 120 mil a mais que em outro bairro popular”, diz Fernanda. “Tivemos sérios problemas com encanamento, porque muito perto do piso da loja fica o telhado de uma casa. Subir os equipamentos também não foi fácil, porque as ruas são estreitas e tem muita gente circulando”.

A franquia, aberta há um mês, tem fila na porta e conta com 99% da mão de obra localapenas a gerente veio de fora. Ainda está longe do faturamento esperado pelas sócias, de R$ 200 mil mensais. As empreendedoras estão aprendendo a lidar com o comportamento de consumo local. O movimento pela manhã é fraco, praticamente irrisório. A frequência aumenta da tarde até a madrugada, já que a loja funciona até a meia noite.

“Os moradores não têm o hábito de comer sanduíche na hora do almoço. No final da tarde, compram para levar para casa”, comenta Fernanda. “O consumo na loja só ocorre quando a ida à Subway vira um programa de família, um encontro entre amigos ou uma comemoração especial“.

Acostumado ao comportamento dos consumidores das classes C e D, público-alvo da rede de franquias VestCasa, especializada em cama, mesa e banho, Ahmed Kadura não pensou duas vezes antes de abrir uma unidade no coração da favela de Paraisópolis, endereço de mais de 120 mil pessoas, em São Paulo. Dono de três lojas da rede nos bairros de Santo Amaro, Capão Redondo e Campo Limpo, o empresário visitou a comunidade dezenas de vezes até encontrar um ponto. Pequeno, apenas 50 metros quadrados, mas suficiente para atender à demanda e evitar que as donas de casa se deslocassem para outros bairros para fazer suas compras. “Mais do que o ponto, que exige luvas e não é barato, o maior desafio é a mão de obra“, diz Kadura. “Há muitos interessados em trabalhar, mas poucos têm experiência no que você precisa, em atendimento de varejo“.

Foram meses de treinamento e hoje, com exceção da gerente, todos os funcionários são de Paraisópolis. A expectativa é que a loja, que deverá ser inaugurada na primeira semana de dezembro, ajude a pequena rede de Kadura a faturar R$ 3,5 milhões em 2014, cerca de R$ 500 mil a mais do que o valor estimado para este ano. “Se tiver espaço, não descarto a ideia de aumentar meus negócios em comunidade”, afirma Kadura. “Há forte demanda, baixa concorrência e um público bom pagador“.

 

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