Desindustrialização do Emprego e Desconcentração Industrial

Desindustrialização do Emprego

Camilla Veras Mota e Vanessa Jurgenfeld (Valor, 25/11/13) informam que, em 2012, apenas três de cada 100 empregos gerados no país no mercado formal foram criados na indústria de transformação. Ao mesmo tempo, o setor de serviços respondeu por quase 70 de cada 100 novas vagas abertas. Embora “radical” diante da média dos últimos anos, essa característica do mercado de trabalho do ano passado reforça os sinais de que está em curso um processo de desindustrialização relativa do país. Para alguns economistas, esse movimento estaria, inclusive, se aprofundando.

Em 2007, antes da eclosão da crise econômica mundial, a situação era menos desequilibrada entre os setores de atividade econômica no país. De cada 100 novos empregos formais, a indústria de transformação respondeu por 13 das novas vagas, enquanto serviços, por 35. No estoque de empregos formais, há uma tendência similar: entre 2007 e 2012, a fatia da indústria encolheu de 18,8% para 17,2%, enquanto serviços cresceu, de 31,7% para 34% do total, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Nos últimos 12 meses, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 11 em cada 100 empregos foram abertos pela indústria de transformação.

Segundo pesquisadores, a redução da presença da indústria ao longo dos anos indica que se trata de uma mudança estrutural. Ela vem em linha com o novo perfil da economia brasileira, com mais pessoas sendo incorporadas ao mercado por meio do consumo, e com uma parcela significativa desta demanda sendo resolvida via importação. Esse movimento não tem gerado grande volume de emprego direto na indústria no Brasil e sim no ramo de serviços, como nas importadoras.

“Exportamos esses empregos [da indústria]”, destaca Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). De outro lado, os setores de serviços e comércio, ‘blindados’ da concorrência externa, na sua avaliação, vêm ganhando mais espaço incentivados também pelo maior consumo dos trabalhadores, cuja renda real cresceu muito nos últimos anos.

O pós-crise mundial piorou a situação para a indústria sediada no país, acreditam alguns economistas. “Antes da crise, quem importava manufaturados do Brasil eram os Estados Unidos. Depois da crise, quem passou a importar foi a América Latina“, disse Marconi, citando que há grandes diferenças nesses mercados, tanto em volume quanto em tipo de produção exportada, sendo as de maior valor agregado as exportações que geralmente eram feitas ao mercado americano. Ele também lembrou que houve retração da exportação brasileira de manufaturados para a Europa, que entrou em recessão após a crise de 2008.

Embora não seja um consenso entre os economistas, a desindustrialização relativa é caracterizada pelo recuo na importância da indústria de transformação na economia como todo. Os dados de emprego formal não são os únicos usados para entender o fenômeno, mas ajudam a explicá-lo. Ao lado da queda de participação da indústria nesta variável, há aumento da importância relativa de outros setores, como serviços.

Para alguns economistas, a redução da participação da indústria é um problema, pois eles entendem que ela seria o principal vetor de avanços tecnológicos e de efeitos multiplicadores na economia pelos seus encadeamentos, para trás (insumos) e para frente (comércio e serviços). Além disso, com a perda de importância da indústria, geralmente há um avanço de produtos importados para suprir a demanda de bens do mercado interno.

“O problema neste ‘modelo‘ é ser cada vez mais demandante de importações. “E isso tem uma implicação grande em um problema histórico e estrutural da economia brasileira que é o do balanço de pagamentos”, alerta a professora Maria Beatriz de Albuquerque David, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

“A indústria brasileira continua fornecendo, atuando, mas o conteúdo importado é cada vez maior“, também ressalta Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. “As melhoras do mercado de consumo não estão rebatendo suficientemente na indústria do país”, acrescentou. Em uma recente pesquisa, de 2004 a 2012, Lacerda constatou que o consumo representado pelas vendas reais no varejo cresceu 90% enquanto a produção industrial no mesmo período, apenas 16%.

Alguns pesquisadores creditam o opaco crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos justamente ao baixo crescimento da indústria. “Nos últimos anos, o fato de o setor de serviços ter apresentado um desempenho melhor do que o setor industrial explica porque há um PIB fraco e um mercado de trabalho aquecido”, diz Gabriel Ulyssea, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea).

Para outros economistas, contudo, o alarde em torno do processo de desindustrialização não se justifica. Ele não é visto como algo negativo para o país, mas um fenômeno “natural”, presente em diversas nações. Estes entendem que o setor de serviços cresceu por conta de automação na indústria e em razão da terceirização de várias funções, com a transformação de ocupações antes consideradas industriais em vagas pertencentes ao setor de serviços. “O cozinheiro de uma montadora, a partir do momento que é contratado de outra empresa, vira um trabalhador do setor de serviços”, exemplifica Haroldo Campos, pesquisador da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Maria Beatriz, da Uerj, discorda. “Acho que [o crescimento do emprego nos serviços] está muito mais ligado ao aumento do poder de compra da população, então mais relacionado a serviço pessoal, telecomunicação sem qualidade, e setores com pouca inovação“, diz ela.

Os economistas concordam, contudo, sobre a continuidade do processo de desindustrialização – sendo ele avaliado como negativo ou ‘natural‘. Alguns apontam que isso permanecerá porque investimentos em inovação e melhora da produtividade do trabalho, por meio de qualificação, condições-chave para reversão do quadro, são questões que só conseguem ser modificadas no longo prazo. Outros entendem que isso está consolidado, como uma mudança que veio para ficar, uma espécie de “novo modo de ser” da economia.

Para Lacerda, mesmo que haja uma maior desvalorização do real ante o dólar em 2014, para haver mudanças que beneficiem a indústria, é preciso ir além. Ele cita necessidade de juros para o tomador mais baixos e uma política industrial que estimule determinados setores. Também cita que é preciso um ambiente regulatório que permita mais avanços na infraestrutura e um processo que depende das próprias empresas, que ele chama de “revolução na gestão“.

“As empresas vão precisar aumentar a produtividade, rever seus processos, inovar e automatizar mais. É uma lista desafiadora. Não adianta fazermos mais do mesmo”, afirmou.

A mesma opinião é partilhada pela professora Maria Beatriz. “Não sinto que o empresariado nacional está preocupado com inovação. É muita reclamação, muita culpa em tudo, mas não vejo eles querendo correr riscos. E inovação requer risco”.

Reconhecido como “locomotiva do país” pela importância histórica de sua indústria, o Estado de São Paulo vem perdendo participação relativa no emprego formal de diversos ramos industriais. Para alguns economistas, esse movimento significa uma desconcentração espacial da indústria, que migra parte da sua produção em busca de custos menores em outros Estados, ancorada principalmente em benefícios tributários da guerra fiscal.

Entre as que reduziram sua importância relativa em São Paulo estão a indústria metalúrgica, a indústria mecânica, a de material de transporte, a química, a têxtil e a indústria calçadista. Em 2007, a metalúrgica paulista respondia por 41,96% dos empregos deste segmento no país, participação que recuou para 37,73% em 2012. Na mecânica, essa relação caiu de 49,55% para 46,76% no mesmo período. Na indústria de material de transporte, de 54,86% para 48,43%. Na química, saiu de 47,52% para 43,62%. No setor têxtil, de 30,82% para 28,96% e no de calçados, de 17,20% para 16,83%, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), divulgada pelo Ministério do Trabalho.

As empresas, que iniciaram parte deste deslocamento nos anos 1990, seguem se transferindo para locais com mão de obra mais barata, como o Nordeste, onde são também menores os custos de mobilidade e logística do que em São Paulo. Outro destino da transferência são os Estados que estão recebendo investimentos em infraestrutura ou vivem a pujança do agronegócio, como os do Centro-Oeste, e principalmente ela ocorre para locais onde são dadas também vantagens fiscais.

André Nassif, professor da Universidade Federal Fluminense, lembra que, no início deste processo, as empresas foram para o Sul do país, depois foram mais para o Nordeste. Mas ainda há exemplos recentes de deslocamentos para o Sul, como novas plantas da General Motors – representante do setor automotivo, indústria que se concentra bastante no Estado de São Paulo – anunciadas nos últimos anos em Santa Catarina.

Na avaliação de Haroldo Campos, pesquisador da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), o Estado de São Paulo não tem assistido necessariamente a uma migração de sua indústria para outras regiões, mas vem sendo substituído quando há um processo de expansão das atividades das empresas já sediadas em solo paulista. Nesses casos, elas têm dado preferência a outras localidades. “Mas, no geral, as empresas não têm saído de São Paulo. Elas se expandem para outras regiões por conta dos custos menores”, diz.

Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, diz que o efeito positivo é que essa mudança ajuda muitas vezes a indústria sediada no Brasil a fazer frente à concorrência de empresas de outros países, que produzem a custos menores na Ásia e que disputam clientes com empresas brasileiras tanto no mercado interno quanto no mercado internacional. Um malefício desse processo, porém, é o fato de ele se fazer sobretudo pela guerra fiscal, um modo de descentralizar espacialmente a produção ao custo de diminuição na arrecadação de impostos de Estados e municípios.

Gabriel Ulyssea, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), tem opinião parecida. Ele afirma que “a desconcentração é desejável para reduzir as disparidades regionais, mas a guerra fiscal é um meio ruim para este fim porque introduz muitas distorções na alocação de recursos”.

Para alguns economistas, esse processo costuma provocar a “guerra entre lugares”. Municípios e Estados abrem mão de receita de impostos para abrigar uma empresa, mas não necessariamente o retorno em empregos e atividade econômica gerada pela empresa instalada compensam os benefícios que ela recebeu.

Apesar do deslocamento territorial da produção, há concordância entre os economistas de que São Paulo ainda é importante, sendo necessário manter parte de sua estrutura, especialmente o comando das decisões estratégicas, em São Paulo, pela sua importância como mercado consumidor e centro financeiro do país. Segundo eles, isso mostra que a desconcentração é muitas vezes específica – da produção física em si e não do núcleo da diretoria – e apenas parcial.

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