O nível do sistema Cantareira, principal manancial do Estado de São Paulo, baixou para 4,7% no dia 13 de outubro de 2014. Esse nível é o mais baixo já registrado pela Sabesp, estatal estadual paulista de saneamento e fornecimento de água. A crise hídrica deve continuar, pois não há previsão de chuva significativa, brevemente, na região Sudeste.
Em Campinas, no interior paulista, cerca de 20% da população de 1,1 milhão de habitantes ficou sem fornecimento de água, de acordo com a Sanasa (empresa mista de saneamento e esgoto). Será possível os eleitores, que não souberam canalizar seus votos contra quem é responsável pelo planejamento preventivo no sentido de evitar crises hídricas — o governo tucano que abomina prevenção com base na fé cega que “Deus-Mercado tudo dará” –, votará no candidato tucano para a Presidência da República?! Não bastou a experiência do apagão da energia elétrica em 2001?!
Há um ano, o sistema Cantareira operava com 39% da capacidade e os reservatórios contavam com um volume acumulado de chuva de 53,8 milímetros. Nos primeiros 13 dias de outubro, o nível foi de 0,4 milímetro. Por enquanto, o uso da primeira cota da reserva técnica tem permitido garantir o abastecimento para a maioria das 6,5 milhões de pessoas que dependem do Cantareira.
Apesar de não ser tão crítica quanto a do Cantareira, a situação hídrica dos demais sistemas de abastecimento de São Paulo também enfrentam diminuição de volumes. No Alto Tietê, o nível está em 10,5% ante 46,9%, registrados há um ano. Também em 12 meses, caíram de forma expressiva as reservas existentes nos sistemas Guarapiranga (de 77,3% para 46,9%), Alto Cotia (de 86,3% para 32,8%), Rio Grande (de 93,7% para 74,3%) e Rio Claro (de 90,8% para 54,3%).
Poderá chover, eventualmente, na região do Cantareira, mas com fraca intensidade e de forma localizada, “talvez restringindo-se às regiões de serra”, de acordo com o meteorologista Gustavo Escobar, coordenador do Grupo de Previsão de Tempo do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cpetec). Segundo Escobar, são esperadas chuvas mais fortes apenas para o fim do mês, entre os dias 25 e 26. “O inverno mais seco está dentro da normalidade, o problema que é no último verão não choveu. ”
A receita tucana de gestão do patrimônio público é sempre a mesma:
- enfraquecem as empresas públicas,
- diminuem os custos com funcionários,
- não realizam investimentos e,
- quando o valor da empresa está em baixa, privatizam ou, ao menos, abrem o capital para investimentos estrangeiros, transformando-a em empresa de capital misto.
- Depois, é só dividir o lucro entre os acionistas, sempre com o menor gasto possível, para que os acionistas fiquem bem felizes.
Mas quando a receita é aplicada a uma empresa responsável por um bem essencial como a água, fica claro o quanto ela é nociva à população. Em 2009, o então governador José Serra (PSDB) eliminou quase 500 postos de trabalho (link is external) na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). De acordo com o que foi veiculado na época (link is external), os analistas acreditavam que a notícia fosse repercutir positivamente, para valorizar as ações da Sabesp na Bolsa de Valores.
Enquanto se enxugou o quadro de funcionários, também se economizou nos investimentos. O Plano Metropolitano de Água III, elaborado pela própria empresa e divulgado pela Folha de S.Paulo, previa investimentos que não foram feitos. De 2008 a 2013, “37% do que tinha previsto para a realização de obras” não foi realizado. Esses planos são elaborados, justamente para que haja prevenção ao que pode acontecer em períodos de estiagem, como o que vivemos em 2014. Paralelamente, por “falta de manutenção e monitoramento adequado” no sistema da companhia, 32% da água da companhia são desperdiçados (link is external), de acordo com nota técnica da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp).
Portanto, mais de um um terço do que deveria ter sido investido não foi e a própria empresa desperdiça um terço do que produz. E quando isso resultou na maior crise hídrica que o estado já viveu, a conta foi, literalmente para o consumidor. Desde a sexta-feira seguinte à reeleição do governador Alckmin (17/10/14), a empresa tem enviado mensagens de texto aos celulares dos consumidores, solicitando que ECONOMIZEM ÁGUA, para que o abastecimento seja mantido. Ignorando que as altas temperaturas e o consequente aumento de consumo já tinham sido previstos no Plano Metropolitano de Água da empresa, o governo tucano agora joga toda a culpa por conta de excesso dos gastos do consumidor!
Sim, a consciência e a boa utilização dos bens naturais são fundamentais, mas, mais do que isso, também é importante a consciência política de perceber que os atos de uma gestão inconsequente dos tucanos estão levando o estado mais rico da nação a uma situação de seca tal como existia no passado dos estados mais pobres do Nordeste. Hoje, os sertanejos tem cisternas para armazenamento de água.
Fernando Torres (Valor, 19/10/14) informa que no documento em que pede à Agência Nacional de Águas (ANA) a autorização para uso de uma cota adicional do volume morto do Cantareira, a Sabesp usa dados de vazão de 1953 para simular o “pior cenário” do que poderia ocorrer até abril do ano que vem com os reservatórios, indicando que, mesmo nessa simulação “conservadora”, não seria necessário usar a segunda parcela da reserva técnica. Mas parece que nem a própria companhia acredita nessa projeção, já que, se ela fosse confiável, não seria preciso pedir à ANA a liberação de uso do volume extra de água.
A referência a 1953 é feita porque esse era o ano que, até então, havia registrado os piores índices de vazão de entrada de água nas três represas que compõem o sistema equivalente, que são Jaguari-Jacareí, Cachoeira e Atibainha – Paiva Castro é o quarto e último reservatório, mas é tratado de forma separada.
O que a Sabesp não diz, mas é claro que tanto ela como a ANA sabem, é que a situação atual é muito mais crítica que a vivida em 1953. Naquele ano, conforme dados da agência, a vazão média de entrada ficou em 21 mil litros por segundo de janeiro a outubro, volume 145% maior que os 8,5 mil litros por segundo deste ano até agora.
A irrealidade fica patente quando se considera que, na simulação com os dados de 1953 apresentada pela estatal paulista, a vazão ficaria em 15,4 mil litros por segundo neste mês de outubro, enquanto o volume registrado até dia 13 está em 4 mil litros por segundo, o que equivale a 26% da projeção usada.
Quando se toma como referência as menores vazões históricas já registradas para cada mês de forma isolada, independentemente do ano em que se verificaram, chega-se a um índice de 17 mil litros por segundo, em média, de janeiro a outubro, ainda o dobro do registrado na prática em 2014.
O fato é que, se o regime hidrológico de 2014 – o novo pior cenário – fosse repetido em 2015, o volume morto inteiro do Cantareira seria esgotado já no ano que vem, o que seria catastrófico.
Se serve de consolo ou de esperança, da outra vez em que se atingiu um mínimo histórico, o cenário melhorou bastante no exercício seguinte. O ano de 1954 mostrou vazão média de 30,7 mil litros por segundo, 46% maior que a de 1953.
FNC: há 1/2 século se desconhecia mudança climática como agora. E praticava-se planejamento preventivo!
Agora, em 2014, assim como FHC em 2001, Alckmin apenas pratica “a dança da chuva”…