Suazilândia, Nicarágua, Brasil…

Essa era a ordem de ranking vergonhoso no final dos anos 90. O Brasil era o terceiro país em desigualdade de renda do mundo, em lista de 162 países. Nas piores distribuições de renda, os 10% mais ricos recebiam parcela quase 50 vezes maior do que os 10% mais pobres: esses recebiam em torno de 1%.

A Suazilândia, pequeno reino entre o Moçambique e a África do Sul, ganhou notoriedade também por outra catástrofe social. Um quarto dos adultos de população com cerca de um milhão de habitantes era portador da Aids. A epidemia deveria baixar a expectativa de vida no país de 60 para 38 anos até 2005. Diante do quadro alarmante, o monarca impôs restrição de sexo a todas as mulheres virgens e menores de idade, até 2006. A expectativa de vida, no final da década, está em 47 anos.

Quanto à Nicarágua, além das tragédias naturais como vulcões e terremotos, sofreu intervenção norte-americana de 1911 a 1933. Foi, depois, administrada como se fosse a própria fazenda pela ditadura da família Somoza, durante 43 anos, até sua derrubada pelos sandinistas.

O Brasil, considerando seu produto interno bruto pelo critério da paridade do poder de compra – US$ 1,13 trilhões em 2000 –, era a nona economia mundial. Em 2009, alcançou a oitava posição como a maior economia, seja em Produto Interno Bruto nominal, com US$ 1,531 trilhão, seja em PIB por Paridade do Poder de Compra, com US$ 2,024 trilhões. Mas, em termos de desigualdade social, na década passada, nosso país chegava a ser pior do que a África do Sul. Este país viveu quase meio século sob apartheid racial.

A desigualdade da renda no Brasil era atribuída pela esquerda a fatores estruturais como a concentração da riqueza mobiliária e imobiliária, agravada por conjunturais como salários baixos e juros altos. Para os neoliberais, enfrentar a desigualdade exigia somente economia estável e em crescimento, somada à progressiva melhoria da estrutura educacional. O problema se resolveria, nessa concepção, por mecanismos de mercado.

Embora possa se constatar correlação entre desigualdade de renda e de nível educacional, correlação não é causalidade. As duas variáveis correlacionadas podem ser resultantes de terceiro fator, indicando correlação espúria.  No caso, a hipótese a ser examinada seria a progressividade do sistema tributário em conjunto com a prioridade social dos gastos públicos.

Países com melhores distribuições de renda conquistaram-nas com lutas sociais, desde o violento sindicalismo de resultados norte-americano, passando pelo ideológico sindicalismo social-democrata europeu, até as revoluções totalitárias do leste-europeu e da Ásia. Daí, a menor desigualdade educacional (e de renda) foi conseqüência de política pública e não de lei do mercado, como sugeriam os neoliberais.

Em regime democrático e com economia de mercado, a redistribuição de renda se faz, principalmente, via tributária. Trata-se de política de transferência de renda através de forte tributação progressiva sobre pessoas físicas “relativamente ricas”, para efetuar gastos sociais dirigidos para as “relativamente pobres”. Assim, aumenta a renda real destas e diminui a renda disponível (líquida de impostos) daquelas. Com a disponibilidade pública de educação e saúde de boa qualidade, além de financiamento subsidiado para aquisição da casa própria, pode-se gastar mais com outros itens do orçamento doméstico. Evidentemente, aumentar a carga tributária só para pagar juros para os credores não implicava em distribuição de renda…

Para se ter dimensão da dificuldade de enfrentar o problema, basta lembrar a resistência à diminuição do limite da renda isenta de imposto de renda. Considerando que o limite entre os “relativamente ricos” (20% da população) e os “relativamente pobres” (80%), no Brasil, em 2009, era a renda per capita de R$ 16.414,00 anuais ou R$ 1.367,83 mensais, o limite de isenção individual deveria ser esse.

O Brasil constitui exceção à regra mundial, possuindo participação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) em nível muito inferior à dos países com melhor distribuição de renda. A participação relativa da tributação da renda pessoal no conjunto das receitas tributárias é de 7,4% no Brasil e de 26,6%, na média, para os países da OCDE. A alíquota máxima do IRPF no Brasil é de 27,5%. Na União Européia, a média dessa alíquota é de 49,7%.

O problema se agrava considerando-se a distribuição da riqueza patrimonial. Em 1999, 103.215  contribuintes do IRPF (0,9% dos declarantes), que recebiam renda mensal acima de R$ 10.000,00, detinham cerca de 15% do total do patrimônio declarado. Com o patrimônio médio de R$ 1,450 milhão compunham quase a totalidade (105.931) dos declarantes milionários.

Qual seria a base governista, em governo de coalizão, que estaria disposta a “enfrentá-los” e “bancar” essa proposição de diminuir a renda isenta e aumentar a progressividade (alíquota máxima), durante anos seguidos? Seria necessário também que a arrecadação tributária incidisse, predominantemente, sobre as pessoas físicas e não sobre as empresas que repassam os custos tributários para os preços.

A segregação social brasileira somente poderá se alterar com autêntica democratização das instituições: justiça,  sindicatos, partidos, mídia, etc. Os eleitores terão de conseguir, repetidamente, colocar no poder representantes que dêem prioridade às políticas distributivas dos benefícios do crescimento e não à demagogia eleitoreira.

2 thoughts on “Suazilândia, Nicarágua, Brasil…

  1. Eu estou fazendo um trabalho escolar sobre taxas e impostos cobrados na SUAZILÂNDIA, e eu fiquei muito impressionado com o RAIO-X; é muito interessante e dramático…..Eu tenho um Blog que acabou de ser feito. Favor mandar coisas sobre a SUAZILÂNDIA para eu postar no meu Blog.

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