Democracia Possível

Segundo Cristina Buarque de Hollanda, em seu livro recém lançado Teoria das Elites, a obra política de Robert Dahl (1915- ), autor de Poliarquia: Participação e Oposição, publicado em 1971, soma-se ao exercício de conciliação entre elites e democracia. Diferentemente de Schumpeter, no entanto, Dahl não se dedica à condenação da democracia clássica, entendida como regime de plena e contínua prestação de contas do governo aos cidadãos. Dada a natureza utópica desta, distante das reais possibilidades de configuração da política, no entendimento de Dahl, os homens devem enxergar a democracia possível como princípio moral regulador. Entre os padrões da política real e a ideal não há, assim, relação de antagonismo. As várias formas de organização da política deverão ser avaliadas conforme a maior ou a menor proximidade com relação ao “sistema hipotético” da democracia.

Dahl define duas dimensões fixas para avaliar os níveis de democratização da política: a competição pública e o acesso ao voto e aos cargos públicos. A expressão limite e combinada desses dois vetores constitui o ambiente político da poliarquia, o maior nível de democratização que os homens podem alcançar. Trata-se de ideal possível, visto que não existem obstáculos insuperáveis à associação entre expansão da cidadania e liberalização da política.

Deformações do arranjo institucional ideal podem produzir dois regimes indesejados: as oligarquias competitivas, com plena competição pública, mas supressão do princípio inclusivo; e as hegemonias inclusivas, na hipótese contrária, de plena participação política, mas obstáculo à competição pública. Além de identificar as cenas políticas que se afastam do eixo poliárquico, Dahl cogita a respeito de seu adensamento pelo Estado de bem-estar social.

Portanto, ele não adere à tendência elitista de afirmar a indiferença entre os regimes políticos, fadados, afinal, ao governo de minorias. Propõe a distinção substantiva entre poliarquias e não poliarquias. Com a ameaça fascista, todos os autores liberais ou socialistas reconhecem a superioridade do regime de garantias das liberdades.

A convergência entre competição pública e participação ampliada produz movimento político virtuoso, com vantagens reais para os homens. Em linhas gerais, competição e participação tem efeito de retroalimentação que tende a produzir ambiente político plural, com representação crescente de preferencias e interesses, renovação de lideranças políticas, incremento da politização do eleitorado e ajuste retórico e político das práticas parlamentares às expectativas dos eleitores.

O corolário desse cenário plural, enfim, é a maior resposta dos políticos às preferencias dos eleitores e à garantia das liberdades políticas, conforme o modelo original da democracia. Poliarquias tendem a resguardar direitos civis e individuais e a rejeitar o uso injustificado da violência. Embora possam assumir formas diversas, quanto mais próximas do ideal democrático, mais distantes do terror despótico.

De acordo com a leitura de Hollanda (2011), na sua forma contemporânea, a democracia acolheu boas doses do realismo elitista e firmou-se como objeto de consenso político. Dificilmente a política é pensada hoje sem as marcas formais da democracia. O entendimento usual a respeito desse regime de governo instituiu o possível no lugar do desejável. A democracia foi ressignificada como competição entre elites.

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