Servindústria Brasileira

 

Sergio Lamucci (Valor, 05/09/11) escreveu sobre assunto que acho da maior importância: os economistas necessitam pesquisar, pois pouco sabem a respeito, o que é chamado por alguns de “Setor Terciário” – o que já demonstraria o pouco caso sobre o Setor de Serviços, como ele fosse composto apenas por “atividades residuais” em relação às agrícolas e industriais. Talvez essa postura seja devido a prolongamento do pensamento econômico do século XVIII, quando o Quadro Econômico dos Fisiocratas, elaborado por Quesnay, colocava o setor primário como o único produtivo. O mundo rodou, o pensamento econômico girou, para ficar anacrônico com o mesmo raciocínio de que produção, de fato, é apenas a de bens materiais?! Por que não se pode falar em “servindústria” assim como existe “agroindústria”?

Os serviços sustentam o crescimento do PIB. Amparado pela força do mercado de trabalho, o setor de serviços passou a puxar o crescimento da atividade econômica nos últimos anos. Com peso de mais de 67% no Produto Interno Bruto (PIB), o segmento mostra dinamismo em conjuntura em que a indústria brasileira padece com a concorrência dos produtos importados e a dificuldade de exportar. Neste ano, os serviços crescem a ritmo menor do que em 2010, mas são de longe o setor com melhor desempenho pelo lado da oferta: no primeiro semestre, avançaram 3,7% sobre o mesmo período do ano passado, mais que os 2,6% da indústria e o 1,4% da agropecuária. Os maiores destaques têm sido os segmentos de serviços de informação (como telefonia e informática) e o de intermediação financeira, seguros e previdência complementar.

O conceito clássico de Serviço define-o como a atividade em que o produtor tem de estar diretamente em presença do consumidor. Em mundo virtual, como é o contemporâneo, ainda cabe essa exigência presencial?

Qual é o efeito encadeamento desses segmentos na indústria? Quanto usam de equipamentos industriais? Sabe-se, por exemplo, que a “indústria de entretenimento” e a “indústria financeira”, no Brasil,  estão na fronteira tecnológica. Para isso, investem, anualmente, bilhões de reais em máquinas e equipamentos. Como repercutem esses investimentos na Matriz de Insumo-Produto, ou seja, em efeitos intersetoriais “para trás” e “para frente”? Multiplicam a renda em quanto? Não se sabe e não se pesquisa.

O desemprego em baixa e o rendimento em alta impulsionam a demanda por serviços, que praticamente não sofrem com a competição estrangeira, hoje favorecida pela moeda nacional apreciada, como se vê no caso da indústria. mudança no perfil da demanda, nos últimos anos, com forte aumento do salário real, que sustenta a expansão dos serviços.

Há alteração estrutural que impulsiona os serviços. Há elevação na renda per capita nos grandes centros urbanos, em cenário conjuntural de desemprego baixo. Isso eleva a demanda por serviços de informação como telefonia e banda larga, assim como a procura por mais crédito e por produtos como Planos de Previdência Complementar. Também ganham alento os chamados outros serviços, que incluem atividades como os serviços prestados às empresas e às famílias, restaurantes, hotéis e clubes. As pessoas viajam mais e comem mais fora de casa. Essa categoria representa quase 15% do valor adicionado da economia, o segundo item do grupo de serviços com maior peso – o primeiro é administração, saúde e educação públicas, com 16,5%. Comércio vem em terceiro, com quase 12%.

A importância decisiva do setor de serviços para a atividade macroeconômica fica evidente quando se compara a evolução desde o terceiro trimestre de 2008, quando a crise global ainda não havia atingido com força a economia brasileira, e o segundo trimestre deste ano, na série com ajuste sazonal. Nessa comparação, o PIB cresceu 7,8%, puxado pela alta de 9,1% dos serviços. De lá para cá, a indústria geral cresceu 2,6%, com a indústria de transformação em queda de 0,45%, enquanto a agropecuária avançou 0,9%. Depois da crise, o mercado interno ganhou mais força na economia brasileira.

Ao mesmo tempo em que os serviços tomaram fôlego, a indústria entrou em conjuntura desfavorável. A demanda externa por produtos manufaturados caiu, com o baixo crescimento nos países desenvolvidos, e as importações passaram a incomodar ainda mais, em quadro de câmbio apreciado e em que o Brasil passou a ser um dos países que mais crescem.

O resultado é que os serviços passaram a ter um peso maior na determinação do PIB. Durante muito tempo, a produção industrial mostrou forte correlação com o PIB, ainda que tenha uma participação bem menos expressiva na economia. Nos últimos trimestres, porém, a atividade tornou-se menos dependente do setor industrial. O resultado do segundo trimestre de 2011 do PIB deixa isso claro: a economia cresceu 0,8% em relação ao primeiro, com alta de 0,8% de serviços, avanço de 0,2% na indústria e recuo de 0,1% na agropecuária.

O economista Silvio Sales, consultor da Fundação Getulio Vargas (FGV), meu ex-colega no IBGE, nota que o Setor de Serviços também passa por um momento de desaceleração, como toda a economia, resultado do aumento dos juros, das medidas de restrição ao crédito e do maior esforço fiscal. A questão é que a perda de ritmo no segmento é bem mais suave do que na indústria, dada a força do mercado de trabalho. A expansão dos serviços acima da média deve persistir nos próximos trimestres.

Destaca-se a força do mercado interno, ao se ressaltar a importância do setor na geração de empregos. De janeiro a julho de 2011, foram criados 577,6 mil postos de trabalho formais em serviços, o dobro das 288 mil vagas da indústria.

O setor de serviços tem sido fundamental para garantir nível mais forte de crescimento, mas há limites para o segmento sustentar a expansão da atividade econômica do país, dizem alguns analistas. Se a indústria mantiver desempenho anêmico por muito tempo, o desempenho do próprio setor de serviços tende a ser afetado.

Os setores da economia estão interligados. Uma desaceleração muito forte da indústria teria efeitos também sobre os serviços. Se a indústria começa a demitir em massa, por exemplo, os operários sem emprego passam a demandar menos serviços.

Se um determinado ramo da indústria desaparecer ou diminuir muito por causa da concorrência importada, os serviços ligados a ela também sofrerão. Com isso, seria uma ilusão acreditar que os serviços podem puxar a economia de modo autônomo. Entre os segmentos de serviços, o comércio e os transportes têm correlação significativa com a indústria, por exemplo.

Todos os non-tradables sectors, isto é, produtores de serviços não transacionáveis no mercado externo dependem, exclusivamente, do mercado interno. Mas se eles são “não comerciais” apenas no comércio exterior, o que se tem de verificar é o andamento dos determinantes internos do crescimento da renda. Eles não estão predominando sobre os externos? Por exemplo, componentes da renda pessoal como salários, dividendos, juros, alugueis, e mesmo a concessão de crédito pessoal, como andam? Até quando terão fôlego para sustentar o crescimento? Serão abortados por política econômica recessiva?

Um problema apontado por muitos analistas é que o setor de serviços ganha importância na economia brasileira neste estágio em que o país ainda tem um nível médio de renda, ao mesmo tempo em que a indústria perde espaço. O mais saudável, de acordo com essa visão, seria que processo ocorresse um pouco mais à frente. Assim, no Brasil, onde a indústria de transformação responde por pouco menos de 16% do valor adicionado, o processo se daria precocemente.

Mas isso também já não é uma realidade nos Estados Unidos, que transferiu boa parte de sua indústria de transformação usuária de mão de obra barata para a Ásia? O desenvolvimento capitalista não é desigual e combinado? O capitalismo tardio não combina atraso e progresso ao tirar vantagem do seu atraso histórico? Não avança, diretamente, para a vanguarda da fronteira tecnológica, em alguns segmentos da sociedade do conhecimento? Não “salta etapas” de maneira descontínua?

Daí a importância de retomar o debate entre economistas estruturalistas: será que as dificuldades que passaram a afetar com mais força a indústria no pós-crise se devem a determinada conjuntura adversa, mas que não durará para sempre? O Brasil passou a crescer mais que o resto do mundo, o que tornou o mercado brasileiro mais atraente para quem produz manufaturados, em momento em que as economias desenvolvidas vivem passagem histórica muito difícil. Além desse diferencial de crescimento, há elevado diferencial de juros, que atrai mais capital e, com isso, valoriza a moeda nacional, dificultando os negócios de quem exporta ou concorre com importados. Essa situação, ainda que não deva se resolver logo, será que vai se eternizar? Tanto a diferença de crescimento, quanto a de juros, ambas não voltarão a diminuir, melhorando as condições da indústria brasileira?

Se esse cenário não se reverter, haverá sim motivos para preocupação. Economistas supõem, sem conhecer bem o setor de serviços, que a indústria é o setor em que há mais ganhos de produtividade, fator fundamental para a determinação da capacidade de crescimento em longo prazo. Nesse quadro hipotético, a produtividade mais baixa do que na indústria seria um dos limites para o setor de serviços comandar o crescimento da economia. Mas como calcular, de maneira metodológica correta (e comparável), produtividade em setores de múltiplos serviços?

Não se abriu, para o País, uma “janela de oportunidade histórica” com sua agroindústria, sua indústria de construção civil, sua indústria extrativa mineral, sua indústria de petróleo, seu bônus demográfico, seu mercado interno, seu servindústria? Seremos sempre “viúvas da indústria de transformação”, curtindo um “luto desenvolvimentista”?

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