Como Ver Um Filme: Gênero Cinematográfico

Ana Maria Bahiana 2De acordo com Ana Maria Bahiana, no livro “Como Ver Um Filme” (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2012. p. 256), gêneros cinematográficos servem de código de compreensão tanto para realizadores quanto para nós, na sala escura.

Herdeiro de muitas formas de expressão artísticas anteriores ao seu nascimento, o cinema definiu sua gramática e sua sintaxe tomando emprestados elementos alheios da literatura, do teatro, das artes plásticas, da fotografia. Expressa as múltiplas facetas da atividade e do sonho humanos em uma profusão de formas.

Atendendo à disciplina rigorosa do tempo de tela – entre 70 e 120 minutos que propiciam cerca de cinco sessões diárias – e das necessidades de uma narrativa que possa ser compreendida pelas pessoas mais variadas, o cinema criou seus códigos interiores, os gêneros. Não se pode definir gêneros estudando a realidade. “Só podemos definir ‘gênero’ comparando uma obra a outra, nunca comparando a obra com a experiência vivida” (Roland Barthes).

Ao saber o que é o filme mesmo antes de ver o filme, sua rede neural fará previamente uma série de associações que possibilitam que a narrativa visual se relacione de maneira mais intensa em sua mente. O filme pede a parceria do espectador, dando-lhe os sinais necessários para o diálogo. São as muitas maneiras de ver um filme, cristalizadas em torno de códigos próprios.

Para os realizadores, gêneros podem ser balizas, desafios, confinamentos ou estímulos. Podem fornecer parâmetros claros, por exemplo, o clima que as regras do thriller impõem. Mas os gêneros podem também aprisionar um realizador em apenas um deles, por exemplo, o cineasta do terror.

Para o espectador, anunciado o gênero, ele sabe que tipo de filme esperar. A delícia do cinema são as 1001 maneiras que essa interpretação pode tomar.

Um gênero pode ser definido por:

  1. Narrativa
  2. Caracterização dos personagens
  3. Temas básicos
  4. Ambiente
  5. Iconografia
  6. Técnicas
  7. Estilos.

Estes Estilos correspondem ao mise en scene, palavra originária do francês, significa “colocado em cena“, podendo também significar a arte da encenação teatral ou cinematográfica. Em sentido figurado, sugere “a atitude que se caracteriza pela falta de sinceridade ou por não corresponder à verdade, e cujo fito é iludir ou impressionar alguém“.

Cinema é uma arte empírica. Tempo e prática se encarregam de acumular esses signos, que se repetem, e organizá-los em gêneros.

Quando seus elementos principais passam a ser copiados, reinterpretados, respondidos por outras visões, outros realizadores, a certa altura da repetição, o gênero se cristaliza, tornando-se plenamente um clichê. Está pronto para ser criticado, destroçado, ironizado, satirizado e, eventualmente, esquecido. Mas tudo o que foi clássico vinte anos atrás pode ser novidade de novo, resgatado e reinterpretado sob um novo olhar.

O ciclo aproximado de vida de um gênero é:

  1. Enunciação
  2. Solidificação
  3. Apogeu (“clássicos”)
  4. Fórmula
  5. Dissolução / desconstrução / crítica
  6. Retomada / hibridização / sátira

À base do conceito de gênero, isto é, as estruturas dramáticas identificadas por Aristóteles em seu livro Poética –, deduz-se que cinco gêneros cinematográficos são essenciais:

  1. Drama
  2. Comédia
  3. Ação / Aventura
  4. Ficção Científica (Sci-Fi) / Fantasia
  5. Thriller (Suspense / Terror)

Esta classificação leva em consideração apenas os princípios mais básicos de cada formato, possibilitando que se vejam outros gêneros a partir de sua essência. Por exemplo, westerns – um gênero essencial para o desenvolvimento do cinema – caem facilmente dentro da categoria Drama. O faroeste é essencialmente um drama: sua paisagem física e sociopolítica é que lhe dá os contornos finais, a devida coloração.

Por se passarem em paisagens inóspitas, repletas de desafios constantes, onde estruturas sociais ainda não estão plenamente consolidadas, o “drama do oeste”, ou western, é um dos gêneros mais profundamente morais do cinema: seu tema é o livre-arbítrio, a escolha entre bem e mal, entre o que é certo e errado. Na “derradeira fronteira” ainda não há leis ou acordos que possam dizer aos personagens com agir, apenas seus desejos e consciências os impulsionam, e cada escolha pode ser uma decisão fatal.

Estabelecidas as vigas mestras, podem-se fazer todas as associações possíveis: local, época, subtemas, tudo isso adiciona-se ao eixo central de um gênero e cria a diversa teia de estilo que chega às telas. Cada um dos subgêneros tem seu próprio conjunto de normas e elementos-chave.

Finalmente, existem os gêneros autorais: realizadores cuja marca é tão pessoal e distinta que, além de transcender as normas preestabelecidas, criam um novo parâmetro de reconhecimento. Não importa que eles pratiquem com assiduidade um ou mais gêneros preexistentes: nomes como Bunuel, Hitchcock, Kurosawa, Fellini, Almodóvar são, eles mesmos, qualificadores.

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