Futuro da Indústria do Petróleo e da Construção Naval e Offshore no Brasil

Sete BrasilFrancisco Góes e Sérgio Ruck Bueno (Valor, 20/11/14) informam que as denúncias contra empreiteiras na Operação Lava-Jato e a admissão, pela empresa SBM, de pagamento de propina a funcionários da Petrobras, criaram um clima de apreensão sobre o futuro da indústria da construção naval e offshore no Brasil. Há receio dos eventuais efeitos das investigações sobre os estaleiros nacionais, controlados em alguns casos pelas empresas envolvidas na Lava-Jato.

Sindicatos de metalúrgicos temem demissões em instalações industriais do setor, que poderiam ficar impedidas de participar de novas licitações da Petrobras. E há ainda, no meio empresarial, a avaliação de que a estatal, cliente única dos grandes estaleiros, pode ter dificuldades de executar o seu plano de investimentos, o que levaria a atrasos em novas encomendas.

A construção naval é uma indústria recente no Brasil que requer investimentos de longo prazo e renovação da carteira de encomendas para se consolidar. Por outra parte, a Petrobras tem o desafio de cumprir sua meta de produção até 2020 e, pelas regras do conteúdo local, precisa dos estaleiros nacionais para construir novas plataformas, sondas de perfuração, entre outros equipamentos.

Em meio aos escândalos da Lava-Jato e da SBM, surgem dúvidas sobre o futuro de alguns estaleiros. Um deles é o Estaleiro Brasa, de Niterói (RJ), controlado pela SBM em parceria com o grupo Synergy. Na segunda-feira, a presidente da Petrobras, Graça Foster, afirmou que a SBM está impedida de participar de licitações da Petrobras enquanto não esclarecer para quem pagou propina na estatal. Graça disse que os contratos em andamento com a SBM não serão interrompidos. No mercado, existem avaliações de que o Brasa, por ter a SBM como sócia, poderá ficar sem novas obras da Petrobras. Procurada, a Petrobras não se pronunciou.

O estaleiro constrói módulos para plataformas e faz a integração desses módulos no casco de navios-plataforma. Já entregou uma unidade e trabalha nos módulos de outras duas plataformas, empregando hoje 1,6 mil trabalhadores, segundo Edson Rocha da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói. Ele disse temer que ocorram demissões caso o Brasa fique impedido de entrar em novas licitações da Petrobras. Procurados, os representantes do Brasa e da SBM não foram localizados. Silva acrescentou que a UTC, envolvida na Lava-Jato, também tem unidade em Niterói para a construção de módulos, onde emprega 850 trabalhadores.

“Não queremos que se repita em Niterói o que está acontecendo em Charqueadas [RS]”, disse Silva. A afirmação é uma referência à paralisação da unidade da Iesa Óleo e Gás, em Charqueadas, que pode levar à demissão de mil trabalhadores. Na terça, a Petrobras rescindiu contrato para construção de módulos de compressão de gás para plataformas de petróleo com a IESA. A IESA, em recuperação judicial, é alvo da Lava-Jato e teve o presidente, Valdir Carreiro, e o diretor Otto Garrido Sparenberg, presos na sexta-feira pela Polícia Federal. Eles foram soltos na terça-feira.

A Petrobras informou que uma nova licitação para a contratação dos módulos que estavam com a IESA será realizada “oportunamente”. A encomenda original feita à Iesa em julho de 2012 era de 24 módulos para seis plataformas, por US$ 720,4 milhões. Em outubro, porém, a construção de oito deles foi transferida para a China em função da crise financeira enfrentada pela empresa e pela controladora, a Inepar, que pediu recuperação judicial em setembro.

Ainda no Rio Grande do Sul, a Estaleiros do Brasil (EBR), de São José do Norte, está construindo módulos para a plataforma P-74 da Petrobras. A EBR é controlada pela Toyo-Setal, que teve dois diretores incluídos na Lava-Jato, os quais fizeram acordo de delação premiada. Fonte próxima da EBR disse que os contratos que a empresa têm com a Petrobras, de construção de módulos, seguem “normalmente”. Mas a pergunta que o mercado faz é qual será o futuro da EBR: se a empresa poderá sofrer os impactos dos atos dos controladores da Toyo-Setal. Também há dúvidas sobre eventuais desdobramentos da Lava-Jato para a Engevix Construções Oceânicas (Ecovix), do mesmo grupo da construtora Engevix, cujo vice-presidente, Gerson Almada, está entre os presos da Lava-Jato.

Um dos delatores ligados à Toyo-Setal é o empresário Augusto Mendonça, que também integra o conselho de administração da EBR. Mendonça foi eleito, na semana passada, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) para o período 2014-2018. “O Sinaval não pode cercear o direito de candidatura, em suas eleições, de representantes de empresas legítimas do segmento industrial naval e offshore, os quais, pelas leis brasileiras, devem ser considerados idôneos até prova em contrário”, disse nota do Sinaval divulgada após a eleição.

Na Lava-Jato, foram presos executivos de empresas que controlam alguns dos novos estaleiros do país. É o caso da Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, donas do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), de Pernambuco, em parceria com japoneses. OAS e UTC também tiveram executivos presos. As duas empresas controlam, junto com Odebrecht e Kawasaki, o estaleiro Enseada, da Bahia. Fonte disse que as denúncias na Lava-Jato se referem à área de refino e, portanto, não guardam relação com esses estaleiros. Outra fonte disse que o Enseada tem vida própria, independente dos acionistas, e, este ano, deve faturar quase R$ 3 bilhões.

Refinaria Abreu e Lima em PE

Murillo Camarotto e Edna Simão (Valor, 20/11/14) informam que pouco mais de cinco anos separam as operações Castelo de Areia e Lava-Jato, da Polícia Federal. Em ambas, executivos de grandes empreiteiras do país foram presos sob a acusação de superfaturamento de obras e doações ilegais a políticos. Nas duas, constava da lista de empreendimentos fraudados a emblemática Refinaria Abreu e Lima, cuja produção estava prevista para começar no mês de novembro de 2014 em Pernambuco.

O espetaculoso enredo que cerca o bilionário projeto da Petrobras sugeriria, no mínimo, uma inauguração solene, mas não é que o vai acontecer. Pelo contrário. O início da produção de 230 mil barris diários de derivados de petróleo se dará de forma absolutamente discreta, quase envergonhada. Em um relatório operacional publicado esta semana, a Petrobras informou, sem qualquer alarde, que a refinaria “já está operando”.

Mas a produção propriamente dita não começou. O petróleo que vai ser refinado em Pernambuco chegou em setembro do Rio Janeiro, mas ainda não foi processado na Unidade de Destilação Atmosférica, responsável pela transformação do óleo em derivados. “A pressão é grande para que comece a produzir dentro do mês de novembro”, contou ao Valor um engenheiro da Petrobras envolvido no projeto.

Com ou sem solenidade, o início da produção não vai livrar a Refinaria do Nordeste (Rnest) – como também é chamada a unidade – do emaranhado de problemas que marcou toda a sua trajetória. Na semana passada, por exemplo, um protesto de trabalhadores da Alumini Engenharia bloqueou por algumas horas o acesso ao Complexo Portuário de Suape, onde fica a refinaria. A empresa atrasou o salário dos operários porque não está recebendo da Petrobras.

A dívida da estatal com a Alumini está hoje em R$ 1,2 bilhão. A empresa terceirizada, que tinha quatro contratos com a Petrobras, vinha bancando com recursos próprios a sua parte nas obras, que antes de serem paralisadas estavam bem perto de serem concluídas, segundo informou sua assessoria de imprensa.

Outras fornecedoras vivem situação parecida. Trabalhadores da Jaraguá Equipamentos, que presta serviços de montagem industrial, também bloquearam o acesso a Suape este ano. Da mesma forma protestaram operários da Fidens Milplan, que era responsável pelas obras de engenharia, suprimento e construção da unidade de manuseio de coque.

A Petrobras paralisou a análise e o pagamento de aditivos contratuais de refinarias nos últimos três meses. O congelamento coincidiu, segundo fornecedoras da estatal, com o aprofundamento da Operação Lava-Jato. Em setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia determinado o bloqueio do pagamento de R$ 125 milhões em aditivos de contratos suspeitos.

Questionada, a Petrobras informou que está em dia com suas obrigações contratuais e que cabe às empresas terceirizadas honrarem com os vencimentos de seus funcionários. A estatal reafirmou ainda que Abreu e Lima vai começar a produzir nos próximos dias.

O preciosismo com a data da inauguração, a esta altura, torna-se mero detalhe diante de quase quatro anos de atraso no projeto. O primeiro alerta foi dado em agosto de 2007 por ninguém menos que o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Quase dois anos após participar, ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do lançamento da pedra fundamental da refinaria, o líder bolivariano definiu como “vergonhoso” o atraso no início das obras da unidade.

A sociedade com a estatal venezuelana PDVSA foi o primeiro dos muitos vexames protagonizados pela Rnest. Após mais de cinco anos de reuniões no eixo Caracas-Brasília, a Petrobras só reconheceu em setembro de 2013 que a parceria afundara. Conforme antecipou à época o Valor, a estatal decidiu incorporar a refinaria como sua subsidiária integral, o que oficializou o desfecho da associação.

Diante das evasivas da PDVSA, a Petrobras decidiu em 2007 começar sozinha as obras, que não tardaram a apresentar problemas. A Operação Castelo de Areia apontou indícios superfaturamento na terraplenagem da refinaria, tocada pelas empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão — todas citadas na Lava-Jato. À época, o TCU confirmou o sobrepreço e determinou a paralisação das obras, mas Lula vetou o dispositivo e garantiu prosseguimento.

A partir de então, um festival de aditivos colocou em progressão geométrica o valor do empreendimento. Ironicamente, a primeira pessoa a anunciar que a Rnest sairia mais cara que o planejado foi o então diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, pivô da Operação Lava-Jato. Em agosto de 2009, ele informou que o custo de Abreu e Lima ficaria “acima dos US$ 4 bilhões”.

A estimativa se provou demasiado otimista. Esta semana, a presidente da Petrobras, Graça Foster, disse que a refinaria vai entrar em operação tendo custado US$ 18,5 bilhões, um reajuste de mais de 700% em relação ao valor anunciado por Lula e Chávez. Ela também chegou a dizer que Abreu e Lima era um exemplo a não ser seguido na empresa. Em junho deste ano, já preso, Paulo Roberto Costa revelou que o orçamento da refinaria se baseou em uma “conta de padeiro”.

Quando foi questionado, em 2005, sobre o nome da refinaria, Lula explicou que a homenagem ao general José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869) teria sido a única exigência colocada pelo colega da Venezuela. Quase dez anos após o malfadado acordo, uma busca simples na internet comprova que a fama da refinaria já superou a do militar que lhe empresta o nome.

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