PT Socialdemocrata

Quadrantes políticos

Pedro Floriano Ribeiro é professor de Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP). Publicou artigo (Valor, 23/01/15) com o qual, no substantivo, estou de acordo. Observação: não endemonizo a socialdemocracia e/ou o reformismo, como fazem os autodenominados “revolucionários” que se colocam o objetivo de “tudo ou nada”. Totalitários, adotam um Partido de Vanguarda (candidato a “Partido Único” em seus mais lindos sonhos socialistas) e acabam com “nada”, i.é, sem a representatividade social que tem um Partido de Massa como o PT.  O socialdesenvolvimentismo brasileiro é “o primo-pobre” da socialdemocracia europeia. Compartilho-o abaixo.

“Com raízes remontando ao século 19, foi após a 2ª guerra mundial que a social-democracia se disseminou pela Europa, com vitórias seguidas em diversos países. Os social-democratas lideraram a construção de complexos sistemas nacionais de proteção social, calcados em pesados investimentos em políticas de saúde, educação, moradia, assistência aos desempregados etc. Depois dos direitos civis e dos direitos políticos, firmava-se a ideia de que o Estado também era responsável por assegurar os direitos sociais, garantindo condições dignas de vida mesmo para os excluídos do mercado de trabalho. Consolidavam-se, assim, a ideia e a prática do que se convencionou chamar de Estado de bem-estar social. Com graus variados de intervenção na sociedade e na economia, a social-democracia teve êxitos inegáveis na elevação dos padrões de vida em diversos países. A deterioração fiscal de muitos Estados nacionais, principalmente a partir da crise do petróleo de 1973, abriu as portas para concepções mais liberais de governo, que cortaram políticas e promoveram processos de desregulamentação econômica.

O Brasil teve evolução histórica distinta. Direitos civis e políticos tiveram idas e vindas, ao sabor da alternância entre ditaduras e períodos mais ou menos democráticos. A Era Vargas trouxe avanços nas relações trabalhistas, ao preço da formatação de uma estrutura sindical cartorial-estatista, que ainda sobrevive. No regime de 1946-64, o PTB varguista deu seguimento às bandeiras sociais e ao sindicalismo domesticado, não tendo força política, no entanto, para ir além.

Nos estertores da última ditadura [1964-1984], o PMDB ostentou plataforma que combinava a luta pela redemocratização a um esboço de bem-estar social — o que lhe valeu a simpatia de amplas fatias do eleitorado urbano. O inchamento do partido nos anos oitenta e o fracasso do governo Sarney no combate à inflação lançaram por terra as possibilidades tanto de avanço substantivo nas políticas sociais quanto de consolidação do PMDB como porta-voz das ideias social-democratas. No entanto, setores do partido foram importantes na formatação e aprovação de capítulos centrais da Constituição de 1988, que estabeleceram as bases institucionais para avanços futuros nas politicas sociais.

Alguns dos setores progressistas do PMDB se descolaram no mesmo ano de 1988 para fundar o PSDB. O partido que traz a social-democracia no nome e no programa original logo chegaria à Presidência, antes de se consolidar como organização e desprovido de práticas de governo mais experimentadas. Copiando as concepções então dominantes, adotou um receituário genuinamente liberal de gestão econômica, com políticas fiscais restritivas e de diminuição da intervenção estatal. Se na Europa essas políticas levavam ao desmonte do Estado de bem-estar, no Brasil não havia muito o que desmontar. Em nome da estabilidade monetária, elas impediram maiores avanços nessa seara ao longo dos oito anos de FHC, deixando espaço apenas para alguns esboços, como o bolsa-escola.

Suponhamos que o PSDB tivesse adotado uma gestão econômica distinta e promovido avanços significativos na construção de um colchão social que amenizasse as desigualdades seculares do Brasil. O partido seria classificado como social-democrata? Não, pois lhe faltaria um componente essencial: vínculos sólidos com atores sociais organizados, principalmente os sindicatos.

A social-democracia e seu “welfare state” são encarados pelo cientista político Adam Przeworski como expressões de um compromisso de classe: de um lado, os operários e seus sindicatos foram percebendo que dificilmente construiriam uma maioria sólida e estável a ponto de promover mudanças radicais no sistema econômico; de outro, a burguesia via nesse compromisso uma saída para arrefecer as pressões por mudança, num momento em que o espectro da revolução comunista ainda rondava a Europa. Para uns, os ganhos possíveis; para outros, as concessões inevitáveis.

O ano de 2003 marcou a chegada ao governo brasileiro do que de mais próximo possuímos de uma social-democracia. O que foi teorizado pelo professor de origem polonesa foi praticado por Lula. Relaxamento de parâmetros da gestão econômica (mas sem uma guinada radical), políticas sociais agressivas, conciliação de interesses de grupos sociais antagônicos, e aumento da interferência estatal na sociedade e na economia, liderados por um partido umbilicalmente ligado a suas bases sindicais. Os tucanos gostam do rótulo, mas desgostam da prática; os petistas odeiam a etiqueta, preferindo um sempre vago “socialismo democrático”, enquanto o partido (nunca revolucionário, posto que fundado para ganhar eleições) firmava-se com práticas tipicamente social-democratas.

Os êxitos do PT no fortalecimento do colchão social desde 2003 são quase consensuais. A agenda e os investimentos sobreviveram ao mensalão em 2005, à crise internacional de 2008, à passagem de bastão em 2010 e a um primeiro mandato Dilma em piloto automático.

O maior desafio vem agora. Num ambiente internacional incerto, em meio a problemas fiscais, com crescimento quase nulo e inflação escorrendo pelos dedos, a gestão Dilma se vê no dilema entre o arrocho nas contas públicas e a manutenção das políticas sociais. Para fazer com que dois e dois somem mais que quatro, a equipe econômica raspa o tacho de alíquotas, fim de incentivos fiscais etc. Liderando uma equipe que agora pode chamar de “sua”, um eventual fracasso poderá levar Dilma Rousseff a ser lembrada como aquela que deixou puir a bandeira, empunhada mas renegada, da social-democracia brasileira.”

petecanos

5 thoughts on “PT Socialdemocrata

  1. acho equivocada sua visão de “esquerda revolucionária”, pois ela desconsidera que essa mesma”esquerda” ou “socialismo real” era um fator de pressão para alcançar avanços no estado de benm-estar. como ex-presidente de banco, ignora hoje, ou melhor desde a década de 70 a proliferação de paraísos fiscais, componentes da erosão do welfare state. é uma longa discussão, porém deve ser feita sem a rotulação superficial que desconsidera o momento histórico

    • Prezado Pablo,
      primeira ressalva: não impute a mim seu “discurso de ódio a banqueiros, rentistas e quejandos”. Abomino todos os discursos de ódio antissemita, anticomunista, antipetista, homofóbicos, machistas, etc. Estive apenas como VP de banco público. Dei minha pequena contribuição para o acesso popular a bancos e crédito no período janeiro 2003-junho 2007. Nunca defendi (ou usei) “paraísos fiscais”…

      Segunda ressalva, a esquerda, em geral, não deve negar fatos históricos. Tanto a URSS, quanto a China de Mao-Tse-Tung, em vez de alcançar avanços substanciais no Estado de Bem-Estar Social, forçaram a “marcha da industrialização pesada” com enormes sacrifícios para suas populações.

      Em 1928, Stalin iniciou um programa de industrialização intensiva e de coletivização da agricultura soviética (plano quinquenal), impondo uma grande reorganização social e provocando a fome – genocídio na Ucrânia (Holodomor), em 1932 – 1933. Esta fome foi imposta ao povo ucraniano pelo regime soviético, tendo causado um mínimo de 4,5 milhões de mortes na Ucrânia, além de 3 milhões de vítimas noutras regiões da U.R.S.S. Nos anos 1930 consolidou a sua posição através de uma política de modernização da indústria. Como arquitecto do sistema político soviético, criou uma poderosa estrutura militar e de policiamento. Mandou prender e deportar opositores, ao mesmo tempo que cultivava o culto da personalidade como arma ideológica.

      Entre 1957 e 1958, Mao Tse-Tung iniciou uma política de desenvolvimento chamada de Grande Salto, baseado na industrialização associada à coletivização agrária. O “Grande Salto” traduziu-se num desastre econômico que mergulhou a China em uma epidemia de fome que vitimou milhões de chineses. Em virtude disso Mao Tsé-Tung foi destituído de alguns cargos e, em 1959, Liu Shaoqi assumiu a chefia do Estado. O prestígio internacional de Mao Tsé-Tung não foi afetado, tornando-se, após a morte de Stálin, em 1953, a personalidade mais influente do comunismo internacional.

      Muitos dos programas sociais de Mao são indicados por críticos, tanto internos quanto externos à China, como causadores de danos severos à cultura, sociedade, economia e relações exteriores da China, como também pela morte de 42 a 70 milhões de pessoas.

      A Revolução Cultural maoista (1966-69) levou à destruição de grande parte do património cultural tradicional da China e a prisão de um grande número de cidadãos chineses, fossem burocratas, fossem professores ou intelectuais, bem como criou caos econômico e social no país. Milhões de vidas, inclusive de líderes que depois da morte de Mao voltaram ao Poder, foram arruinadas durante este período, como a Revolução Cultural atuando em cada parte da vida chinesa. Estima-se que centenas de milhares, talvez milhões, morreram na violência da Revolução Cultural.

      Isso não “desconsidera o momento histórico”. Pelo contrário, considera os crimes contra os Direitos Universais do Homem como imperdoáveis!
      att.

  2. Professor, a deterioração fiscal dos Estados foi decorrente de problemas de gestão econômica-politica própria a cada nação ou já estava em marcha um movimento francamente contrario ao welfare state e pró mercado? Penso, aqui, no movimento coordenado pelos liberais a partir da Sociedade do Monte Pelerin que, iniciado em 1947, foi ganhando espaço e “formando formadores” e que, de certo modo, “ganha o reforço” dos radicais de esquerda – caso das Brigadas Vermelhas, p ex, cuja ação acabaria por solapar com o PCI de Enrico Berlinguer, e o pacto com a DC de Aldo Moro; e os Baader, na então Alemanha Ocidental. Gostaria de entender esse momento que, penso eu, possui similitudes com o atual quando, a partir da “desvalorização construída” da Politica joga-se um jogo profundamente politico cujo premio é o controle do Estado. Sou grato.

    • Prezado Osmar,
      não sou Cientista Político, apenas um “amador” da Política…
      Portanto, não tenho conhecimento suficiente para lhe responder sobre os casos citados.
      Porém, o pós-guerra de 1947 não está muito longe dos “anos-de-chumbo” nos 70’s? Estes não seriam mais explicados pelos movimentos libertários de 68?
      Na verdade, nunca li uma análise profunda sobre o fenômeno da luta-armada nos países europeus.
      att.

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