Crédito Educativo: Alto Risco de Inadimplência, Aqui e nos EUA

Crédito Educativo nos EUA

Crédito estudantilFIES e IES

Quando participei do Conselho Diretor da Caixa (2003-2007), herdamos a experiência de perda de cerca de R$ 1,7 bilhão com a inadimplência de 84% no antigo CREDUC. Então, recusávamos conceder o FIES se não se elevasse as garantias bancárias e as avaliações do risco não ficasse como responsabilidade do banco. Não cabia transferir tal responsabilidade para as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas: seria como “amarrar cachorro com linguiça”, transformando um subsídio social em negócio privado!

Antes de eu sair do cargo, tentava articular os diversos interesses com uma inovação financeira: crédito educativo consignado com desconto em folha de pagamento pelo futuro empregador do universitário formado. Sai antes, não houve o desenvolvimento dessa minha proposta e deslancharam, descontroladamente, o FIES. Grandes IES se concentraram e abriram o capital na Bolsa de Valores, para ganhos-dos-fundadores. Agora, “está caindo-a-ficha” do Governo e elas chiam. Sua bancada já derrubou um Ministro do MEC. Uma proposta de política pública para esta questão seria condicionar a concessão do FIES à melhoria da qualidade do ensino universitário.

Acostumamos ver citações nos filmes norte-americanos o problema social que virou o crédito educativo lá na “matriz”. Até mesmo o ícone da livre-economia de mercado não escapa do problema…

Primeiro financiamento estudantil do governo federal, o Creduc é lembrado até hoje como um caso malsucedido de crédito universitário. Isso porque o programa, criado em 1976 e extinto em 1998, quebrou com taxas elevadíssimas de inadimplência.

Em 2003, herdamos uma “herança maldita”: havia cerca de 200 mil contratos ativos, mas 84% estavam inadimplentes. Na época, o valor da carteira do Creduc era de R$ 2,1 bilhões, sendo que R$ 1,7 bilhão pertenciam à Caixa Econômica Federal (CEF) e o restante era recurso do Ministério da Educação (MEC).

Com a inflação e taxa de juros elevadas, o passivo dos estudantes era considerado impagável pelos alunos e, ao mesmo tempo, a CEF não tinha estruturado um plano de cobrança, tampouco havia um fundo garantidor para cobrir os calotes. Cada aluno tinha em média uma dívida de R$ 10 mil em 2003.

Diante deste cenário, o governo federal publicou uma portaria em dezembro de 2003 autorizando uma renegociação da dívida com descontos que chegavam a 90% e houve até casos em que o beneficiário estava desempregado e teve sua dívida perdoada. Estudantes que estavam com pagamento em dia também foram beneficiados pela portaria.

O Creduc foi substituído pelo Fies, financiamento estudantil, em 1999, que na época tinha regras mais rígidas como, por exemplo, taxa de juros de 6,5% ao ano, exigência de fiador, carência de seis meses e prazo de amortização de até oito anos. Nessas condições, foram assinados 564 mil contratos de 1999 a 2009. Mas em 2010, as regras do financiamento foram flexibilizadas com redução dos juros para 3,4% ao ano, carência de 18 meses, amortização em até 12 anos e também foi eliminada a exigência de fiador. Entre 2010 e 2014, o número de contratos somou 1,9 milhão com repasse de cerca de R$ 25 bilhões no acumulado do período.

Sérgio Lamucci (Valor, 13/03/15) informa que o volume de crédito educativo nos EUA mais do que triplicou nos últimos dez anos, atingindo quase US$ 1,2 trilhão no fim de 2014, valor superior aos financiamentos de veículos e das dívidas de cartão de crédito. A escalada desses empréstimos, hoje nas mãos de 43 milhões de pessoas, é considerada preocupante por vários analistas, especialmente por causa da elevada inadimplência — no quarto trimestre de 2014, 11,3% dos pagamentos estavam atrasados havia 90 dias ou mais, um pouco acima dos 11,1% do trimestre anterior.

Cerca de 90% do crédito educativo é bancado pelo governo federal, indicando um risco potencial para as contas públicas. Outro problema é o impacto sobre a economia – quem tem uma dívida estudantil elevada tende a consumir menos. No Brasil, o governo tem feito mudanças no Programa de Financiamento Estudantil (Fies), para reduzir gastos.

Desde 2004, o número de beneficiados pelo crédito estudantil subiu 92%, segundo dados da unidade do Federal Reserve (Fed, o BC americano) de Nova York. A dívida média está em US$ 27 mil, uma alta de 75% em dez anos.

Até 2009, o crédito educativo respondia pela menor fatia de empréstimos para indivíduos nos Estados Unidos, com exceção dos financiamentos imobiliários, como destacam Meta Brown e outros quatro economistas do Fed de Nova York. Com a crise, os americanos reduziram as outras dívidas, mas os débitos estudantis continuaram a crescer com força.

Vários fatores explicam esse salto, segundo os autores. O número de pessoas que passaram a cursar uma universidade aumentou 37% entre 2000 e 2010, ao mesmo tempo em que o custo da educação superior disparou. Os estudantes também ficam mais tempo na faculdade, e uma fatia maior passou a fazer pós-graduação, com o acesso mais fácil a empréstimos. Mais de 70% dos americanos que concluem a educação superior recorreram a um financiamento.

Os empréstimos do governo federal são feitos por meio do Departamento de Educação, com alguns sendo administrados pelas universidades, como os do programa Perkins. Contam com mais proteções que os privados e têm melhores opções de repagamento. Uma das modalidades são os empréstimos diretos subsidiados, concedidos com base na necessidade de financiamento do estudante. Os juros não incidem sobre a dívida enquanto o aluno está na faculdade. Para o período de 2014 a 2015, a taxa anual é de 4,66%.

Um dos principais problemas do crédito educativo é que se trata de uma dívida quase impossível de se livrar, mesmo que a pessoa decrete falência, algo que pode ocorrer nos EUA. Depois de 270 dias de atraso, o calote é oficializado, e a dívida pode ser encaminhada a agências de cobrança. Quem não paga perde o direito a planos de perdão ou adiamento da dívida. Também não pode aderir a programas de repagamento. O calote mancha o histórico de crédito do devedor, afetando a capacidade de tomar outros empréstimos.

Para lidar com esse problema, o presidente Barack Obama assinou na terça-feira o que chamou de “Lei dos Direitos de Ajuda aos Estudantes“, com o objetivo de facilitar o financiamento educacional e o pagamento dos empréstimos. O governo anunciou a criação de um sistema centralizado para reclamações relacionadas ao crédito federal, além de um site único para que os usuários possam administrar os pagamentos.

Em junho, o governo havia permitido que um número maior de americanos aderisse ao programa de repagamento baseado na renda. Por esse plano, as pessoas destinam no máximo 10% ou 15% de seus rendimentos para quitar o débito estudantil, por prazos que podem chegar a 20 ou 25 anos.

Alguns analistas, porém, relativizam o tamanho do problema do crédito educativo, como Beth Akers e Matthew Chingos, do centro de estudos Brookings Institution. Um dos motivos é que, embora a dívida média tenha aumentado bastante, não há um grande número de pessoas com débitos exagerados. No fim de 2014, apenas cerca de 4% dos beneficiários tinham dívidas superiores a US$ 100 mil, enquanto quase 39% deviam menos de US$ 10 mil.

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