Chimérica contrapartida da Chisil

ChiméricaDavid Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Obtive em um artigo dele os dados acima, talvez os mais expressivos, em termos sintéticos, do que se denomina de “Chimérica“: a integração industrial entre a China e a América. Através de IDE (Investimento Direto Estrangeiro) norte-americano na China, condicionado à transferência de tecnologia, criou-se uma nova divisão internacional do trabalho: a China produz, os EUA consomem — e recebem financiamento chinês que lá aplica parte de suas imensas reservas cambiais. Nesse contexto, grosso modo, os BRIC emergiram, sendo o Brasil “a fazenda do mundo”, a Rússia “a usina do mundo”, a Índia “o escritório do mundo”, e a China “a fábrica do mundo”!

Evidentemente, isso é uma caricatura metafórica, pois todos esses grandes países emergentes têm uma economia multidiversificada com todos as atividades.

Compartilho abaixo outro artigo dele (Valor, 08/06/15) sobre a potencial colaboração entre China e Brasil:Chisil“?

“A assinatura de um rol de 35 acordos bilaterais entre o Brasil e a China por ocasião da visita oficial do primeiro ministro chinês ao país em maio último foi recebida como um novo marco nas relações diplomáticas sino-brasileiras. Menos pela densidade dos acordos que, de fato, são em sua maioria nada mais que memorandos de entendimento, é o apetite revelado pela missão chinesa de investir no Brasil valores superiores a US$ 50 bilhões nos próximos seis anos a novidade a ser colocada em perspectiva.

As relações econômicas entre os países se organizam fundamentalmente em torno dos fluxos de mercadorias, de capitais e de tecnologias. É fácil constatar que China e Brasil ainda se encontram na primeira fase, a das relações predominantemente assentadas no campo comercial. Nesse campo, a China já atingiu uma posição muito favorável.

No início da década de 2000, a China surgia como uma potência imbatível na indústria tradicional (têxtil, vestuário, calçados, plásticos, etc.). Hoje, a enorme competitividade da manufatura leve de lá se manteve, mas eles também se tornaram igualmente imbatíveis nos segmentos da ponta da atividade industrial. Do lado de cá, a indústria brasileira ajustou-se ao padrão de relacionamento comercial proposto pela China, percorrendo uma firme trajetória de especialização em produtos mais básicos. Enquanto os preços internacionais desses últimos estavam nas alturas, essa estratégia mostrou-se suficientemente atrativa. Porém, após o fim do ciclo altista que sobreveio com a crise global de 2008, a indústria brasileira entrou em uma posição de córner.

Quem observar os números do comércio bilateral sino-brasileiro vai verificar a extensão da transformação ocorrida. Em 2004 a China originava cerca de 6% do valor total dos bens industriais importados pelo Brasil. Em 2014, esse valor já havia atingido a casa dos 16%, fazendo da China o maior fornecedor de bens industriais para o Brasil. Em valores, isso significa que nesses dez anos as compras de produtos industriais chineses decuplicaram, indo de US$ 3,6 bilhões para US$ 37 bilhões. Pois bem, desse montante, quase 60% referem-se a bens de mais alto conteúdo tecnológico.

No presente, os cinco produtos mais importantes nas compras da China são equipamentos de comunicação, informática, aparelhos de áudio e vídeo, equipamentos eletrônicos e produtos químicos orgânicos. Esse fluxo de bens intensivos em tecnologia cresceu nesses dez anos de US$ 2,1 bilhões para US$ 20,8 bilhões, atingindo nada mais nada menos do que quase 10% do valor das importações industriais totais do Brasil.

No outro sentido, o das exportações do Brasil para a China, também se observou um crescimento, embora menos intenso. Entre 2004 e 2014 as compras chinesas de produtos industriais brasileiros expandiram-se de US$ 3,8 bilhões para US$ 23,8 bilhões, um crescimento de 6,3 vezes. Só que desse montante, em 2014, 92,8% foram de commodities (agroindústrias de primeiro processamento, insumos básicos industriais e petróleo). As exportações de bens de mais alto conteúdo tecnológico, que eram de 11,2% do total em 2004 reduziram-se para 2,6% em 2014.

Diferentemente, no campo dos fluxos de capital as relações estão ainda em uma fase muito incipiente dado que, salvo em algumas poucas exceções setoriais (distribuição de eletricidade ou petróleo), a presença de empresas chinesas no Brasil é muito tímida. Por isso, ainda não são muito visíveis os alvos que estão sendo mirados pelos investimentos chineses.

De um lado, não parece errada a visão de que a onda de IDE chineses no Brasil, assim como em outros países da América do Sul e da África, será fundamentalmente motivada pela busca de recursos naturais. Assim, o Brasil estaria diante de um ciclo de transnacionalização distinto do padrão que vigorou desde o pós- segunda guerra, no qual empresas europeias e americanas se dirigiram para cá motivadas fundamentalmente pela busca de mercados. Com base nesse diagnóstico, muitos veem na entrada de capitais chineses uma complementariedade positiva com a estrutura produtiva local, similar a que teria ocorrido no período inicial da entrada de capitais japoneses com igual objetivo nos anos 1970.

Mas há boas chances desse tipo de visão revelar-se incompleta. Parece claro que a tendência é que a atuação dos capitais chineses se diversifique em direção a empreendimentos em infraestrutura, com mais fortes encadeamentos industriais. Isso pode significar um aprofundamento da situação de córner pois os novos investimentos, externamente financiados, poderão induzir a um suprimento de bens de capital e de insumos especializados importados da China, reduzindo ainda mais o espaço para a mudança estrutural tão necessário para a retomada da indústria nacional.

Diante desse quadro, é fundamental que a diplomacia econômica brasileira equacione adequadamente as oportunidades e os riscos envolvidos no aprofundamento da cooperação com a China e abra os horizontes para que essa parceria, necessária e desejável, possa se revelar efetivamente vantajosa. Uma dimensão vital para esse objetivo está no campo da tecnologia. Aqui há um espaço para o Brasil manter uma interlocução com a China menos assimétrica do que a prevalecente nos fluxos de mercadorias e de capital. Existem diversos nichos tecnológicos nos quais esse maior equilíbrio é possível, nichos esses que podem e devem ser explorados nessa rodada de aproximação Brasil-China.”

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