Desigualdades Regionais no Brasil

Dando continuidade ao meu estudo da Complexidade Brasileira — título do livro em elaboração por mim — sob a ótica de autores contemporâneos, li o livro Alexandre Rands Barros. “Desigualdades Regionais no Brasil: natureza, causas, origens e solução”, (Rio de Janeiro: Elsevier, 2012). Seu reducionismo desse fenômeno macrossocial a uma única causa – diferenças entre o capital humano médio das regiões – é método oposto ao adotado por mim: a Economia como Sistema Complexo emerge de interações entre múltiplos componentes com pesos diferenciados — e não de uma média uniformizadora.

Por definição, os heterodoxos leem os ortodoxos para os criticar. Faço uma análise crítica no sentido de salientar as qualidade e/ou defeitos do livro, expressando-me através de um texto escrito, e não atacando o autor em uma entrevista. Ressaltar pressupostas imperfeições de uma instituição ou de alguém sem a conhecer pessoalmente é leviano. No caso, tentarei não falar mal ou depreciar Barros por causa de seu comportamento.

Conheci o caráter desse autor na campanha eleitoral de 2014. Ele disse: “hoje em dia existem alguns consensos na teoria econômica. Estão em todas as universidades americanas, em 98% das europeias, em 95% das asiáticas e 97% das brasileiras. Só uma universidade aqui não tem articulação internacional, não traz e não manda ninguém para o exterior: a de Campinas (Unicamp). Ela é endógena. No entanto, tem uma força no governo Dilma que não tinha no de Lula, que era muito mais próximo do que Marina defende hoje. Os economistas de Campinas não consideram todo o desenvolvimento da teoria econômica desde a década de 1960. Dilma pensa com a cabeça de Campinas, que hoje é um lugar isolado, fora do mundo. Uma ilha que parou no tempo. Pela primeira vez, cada candidato tem propostas de desenvolvimento baseada em concepções diferentes.”

Curioso, não? Se o IE-UNICAMP não tivesse importância, ele não se importaria conosco. Freud explica o complexo de inferioridade

Como eu não conhecia nada escrito por ele, quando me deparei com seu livro, fiquei curioso para conhecer sua pretensa “genialidade”. Fui ler sua visão geral do livro.

Ele afirma ter adotado “uma estratégia diferente da que domina a literatura sobre a questão regional no Brasil até então que comumente se escandaliza com o nível das desigualdades encontradas e imediatamente refuta a Teoria Econômica dominante para recorrer a concepções heterodoxas de pouco rigor teórico.

Um paralelo a essa postura pode ser traçado com a Medicina para que os leitores leigos em Economia possam mais facilmente compreender. Muitas análises da questão regional no Brasil são realizadas de forma semelhante ao que ocorre quando alguém depara com problemas de saúde de alta gravidade e, por sofrer um choque psicológico forte, rejeita recorrer à Medicina tradicional para explicar e resolver o quadro do paciente. Opta logo por métodos alternativos, incluindo interpretações religiosas e medicinas exóticas, como fonte de compreensão e intervenção. Ao longo deste livro, utilizou-se a estratégia de não se assustar com o que se encontrou e basear-se na Teoria Econômica para entender o fenômeno e encontrar as soluções possíveis para reduzir as desigualdades regionais no país.

Os resultados encontrados a partir da Teoria Econômica Ortodoxa foram surpreendentes [?!], pois seus modelos têm a capacidade de explicar bem as desigualdades existentes. As análises empíricas ainda indicam que qualquer necessidade de suposições diferentes daquelas normalmente introduzidas pela teoria dominante desempenha papel secundário na explicação das disparidades regionais observadas [?!]. Ou seja, as análises apresentadas indicam que não é necessário recorrer às alquimias do passado para se analisar a questão regional no Brasil.” Modesto o rapaz, não?

Arrogante expressa uma característica negativa de um indivíduo carente de humildade, porque se sente superior aos outros. Ser arrogante significa ser altivo, prepotente, ter a convicção de ser expert em vários assuntos e, por isso, não ter interesse em ouvir outras opiniões, principalmente de quem dele discorda.

Em contraponto às “alquimias do passado”, ele pratica o reducionismo. É a tendência consistente em reduzir os fenômenos complexos a um seu componente mais simples e considerar este como mais fundamental se comparado aos fenômenos complexos observados. É recorrente a Falácia da Composição no pensamento neoclássico ao adotar o individualismo metodológico: se uma parte do todo tem um determinado atributo, deduz então o todo também deverá ter o mesmo atributo.

“As investigações empíricas apresentaram uma sinalização clara: a essência da explicação das disparidades regionais brasileiras está nas diferenças em disponibilidade de capital humano nas diversas regiões, ao menos no que diz respeito ao atraso relativo do Nordeste em relação ao Sul e ao Sudeste. Outras fontes possíveis de desigualdade tiveram papel secundário na composição do problema, apesar de não serem plenamente descartadas. Esse resultado está de acordo com as mais recentes conclusões da Teoria Econômica para explicar as diferenças de desenvolvimento econômico.” Seu individualismo metodológico as reduz a problemas de indivíduos.

Diante de tal resultado, ele se preocupou em entender por que as disparidades em disponibilidade de capital humano existem. Para que esse problema fosse mais facilmente delimitado, optou inicialmente por se questionar “se, tendo ele surgido em algum momento no tempo, haveria uma tendência, a partir da atuação das forças de mercado, para que minguasse”. Ora, O Mercado divino, onisciente e onipotente, deixado sem amarras, não resolve todos os problemas?! 🙂

A partir da abordagem teórica, Barros percebeu que, “uma vez que surjam desigualdades de disponibilidade de capital humano entre regiões, não há razão alguma para que elas desapareçam pela simples atuação das forças de mercado”.

Mas a lógica intuitiva para tal dedução é simplória, típica de um economista formado apenas com conhecimento da teoria econômica neoclássica. “A formação de capital humano ocorre a partir de uma estratégia familiar em que o bem-estar dos filhos é também levado em consideração nas decisões de alocação de recursos da família. Famílias com mais recursos investem mais em educação de seus filhos, para que eles possam obter mais renda e bem-estar no futuro. Como as famílias que dispõem de mais capital humano hoje também terão mais recursos, é normal que invistam mais em educação. Isso se dá tanto pelo sacrifício de renda potencial a ser gerada pelas crianças quando dedicam seu tempo ao estudo quanto por gastos efetivos com educação. Assim, famílias cujos pais são mais educados tendem a ter filhos também mais educados. Por consequência, regiões em que os pais são, em média, mais educados terão também gerações subsequentes com maior nível de instrução, havendo, assim, uma perpetuação de desigualdades regionais determinadas pela qualificação da população”.

Em poucas palavras, o energúmeno sugere os paulistas sempre terem sido, em média, mais educados e, por isso, houve perpetuação de desigualdades regionais determinadas pela qualificação da população! Isso não é contraditório com sua crítica à Unicamp?! 🙂

O suporte empírico apresentado por ele para a hipótese de que há essa tendência à reprodução das desigualdades em capital humano e, portanto, em renda per capita foi obtido a partir da análise da série temporal para a proporção do PIB per capita do Nordeste para o brasileiro. Desde 1939, as disparidades são bem-estáveis, mudando temporariamente de patamar, mas sem uma tendência definida. Assim, sendo a origem das disparidades regionais as diferenças em disponibilidade de capital humano, essas parecem ter sido bem-estáveis ao longo desse período.

Com sua quebra da lógica racional, ele apresenta vários maus argumentos.

Primeiro, comete a Falácia da Afirmação do Consequente: por o consequente ser verdadeiro – há uma desigualdade regional brasileira–, não se deve deduzir o antecedente ser também verdadeiro: a causa decisiva da desigualdade regional ser a escolaridade. Se A é verdadeiro, então B também será verdadeiro; mas se B é verdadeiro, A não necessariamente é verdadeiro.

Segundo, faz um Raciocínio Circular: a conclusão aparece de forma óbvia como premissa ou é uma repetição da premissa com palavras diferentes. É Petição de Princípio: no seu raciocínio, a conclusão é tomada, implícita ou explicitamente, em uma ou mais das premissas. Em consequência, volta o famoso “dilema de Tostines”: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. São Paulo é mais rico porque tem maior escolaridade ou é mais educado porque é mais rico?

Terceiro, adota a Falácia da Composição: como partes de um todo – os Estados do Nordeste – têm um determinado atributo – baixa escolaridade média –, infere então o todo – a desigualdade regional – também deve se justificar por aquele mesmo atributo.

Por fim, recai também na Falácia da Divisão (o inverso da anterior): as partes – todos os Estados – devem ter um atributo pertencente ao todo – a desigualdade escolar da região. No entanto, basta um “cisne negro” para falsear a hipótese: o maior percentual de pessoas de 15 anos ou mais que sabe ler e escrever entre todos os estados está no estado de Tocantins, na região Centro-Oeste. É uma indicação de “menor analfabetismo e maior igualdade de capital humano”? Não, simplesmente, é uma média casual calculada em uma população menor.

Barros destaca a partir dos resultados empíricos encontrados e da análise da história econômica do Brasil sob o ponto de vista da teoria neoclássica apenas uma das premissas dessa teoria: a racionalidade dos agentes econômicos.

Diz: “os brasileiros e os povos que nos formaram também são seres humanos racionais”. Percebeu então que “as desigualdades regionais têm suas raízes na formação social das regiões. No momento de colonização forte do Nordeste, não era atrativo para a mão de obra de maior qualificação migrar para o Brasil. Não havia muitas opções de emprego aqui [“detalhes”: a colonização ocorreu em regime escravista e o emprego de assalariados só predominou após a extinção da escravidão em 1888], e as atividades econômicas eram pouco diversificadas. Consequentemente, seriam pequenas as chances de se prosperar e mais elevada a probabilidade de haver perda de qualidade de vida em relação ao que seria possível obter nos países de origem. Por consequência, a escravidão de mão de obra de baixa qualificação para os padrões internacionais da época foi a solução encontrada”.

[Barros, no fundo, com sua hipótese de “capital humano” (cultural) adota o mesmo diagnóstico preconceituoso do candidato à vice-presidência da República na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições 2018, o general da reserva Mourão: o problema do Brasil é ter herdado “a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos”.].

Ele continua sua argumentação: “Quando o Sul e o Sudeste foram mais intensamente colonizados, o Brasil já era um país atraente para pessoas com maior qualificação. Algumas cidades, principalmente o Rio de Janeiro, já tinham certo porte. O consumo era mais diversificado do que no início da colonização, e novas atividades econômicas eram não só permitidas, como mais prováveis de prosperar, mesmo que realizadas em pequena escala. O acesso a mercados mais amplos reduzia substancialmente o risco de novas atividades, e a probabilidade de conseguir um novo trabalho, tendo havido perda de um anterior, era bem maior. Assim, a mão de obra mais qualificada reduziu o prêmio pelo risco que ela exigia para migrar para o Brasil, aumentando sua competitividade relativa. Isso trouxe uma mão de obra mais qualificada para essas regiões”.

Ele considera a imigração “voluntária” de brancos para o Sul e o Sudeste a raiz fundamental do diferencial de desenvolvimento dessas regiões! É a velha defesa do embraquecimento da população brasileira!

Ele demonstra desconhecimento do tipo de educação existente no Brasil durante os três séculos de colonização em todo o território. Era restrita, inicialmente, a alguns filhos de colonos e a índios aldeados. Até meados do século XVIII, as bases do ensino na Colônia consistiam nos métodos da educação jesuítica. Os missionários eram herdeiros da escolástica tardia, predominante na região da Península Ibérica no início da Idade Moderna. Essa ignorância acabou sendo refletida na cultura dos colonos brasileiros. Entretanto, um em cada três portugueses imigrantes para a colônia era judeu com conversão forçada em público, porém, mantendo a cultura judaica herdada.

No século XIX, durante o Império brasileiro, continuava a predominar uma mentalidade retrógrada, alheia às inovações. A educação era consentida desde que não ameaçasse a manutenção do poder rural. Nos estados do Sudeste ainda se rejeitava os modelos culturais progressistas em direção ao nascente industrialismo. Os cepalinos vão justamente contra essa mentalidade conservadora de “vocação agrária” brasileira! E Barros os critica!

Curiosamente, o crítico aos “estatistas” afirma: “essas diferenças de capital humano que foram geradas na formação das regiões perduram até hoje pela sua tendência à perpetuação, se não houver uma ação estratégica do governo no sentido de reduzi-las. A existência de governos de elite no Brasil sempre fez com que eles não investissem em educação pública como instrumento de redução das desigualdades de renda entre indivíduos. Assim, as desigualdades regionais explicam-se pelas diferenças em capital humano encontradas nas diversas regiões brasileiras e perpetuadas por um sistema político que não recorreu à promoção da educação como instrumento de redução das desigualdades entre indivíduos e regiões”.

Ele reconhece a mercantilização do ensino não resolver o problema. Mas, em vez de criticar a carência de iniciativa privada dos mais educados no Brasil, prefere dar um pau no governo! E seu livro, lançado em 2012, não contempla as inovações no Ensino Superior implementadas pelo Fernando Haddad no MEC com descentralização regional de Universidades Federais, PROUNI em ensino privado, além do PRONATEC.

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