Quais os motivos para se fazer Ciência?

Um dos objetivos do livro de Ronaldo Pilati, “Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar”, é fornecer argumentos para desmistificar a ampla visão de a ciência tratar apenas de assuntos áridos e acaba por deixar o sentido das coisas no universo e da própria vida destituído de beleza. Essa concepção é cheia de preconceito e perde de vista a real natureza e significado da Ciência para nossas vidas. Essa característica atribuída à Ciência é mais um dos argumentos de racionalização dos Escaninhos Mentais (EM).

De um lado, está a padronicidade. Ela motiva a buscar conhecimento estável, no qual as predições de compreensão do mundo sejam seguras e certas. Do outro, está o caráter incerto e provisório fornecido pelo conhecimento científico. Tais sistemas de crença são incompatíveis por sua natureza. Como lidamos com esta incompatibilidade? Como acomodar sistemas de crença de bases tão distintas na mesma mente?

A manutenção de sistemas de crença incoerentes começa a ser esclarecida quando nos debruçamos sobre os processos cognitivos da mente. Observa-se a intuitiva adesão de pessoas ignorantes sobre o natural a ideologias infalsificáveis ou sobrenaturais.

O endosso a crenças infalsificáveis possui dois benefícios.

  1. O primeiro é o ofensivo, intolerante e violento. Permite aos bolsanaristas de extrema-direita mantê-las de maneira mais firme atacando evidências contrárias.
  2. O segundo é defensivo, fazendo os milicianos evangélicos reconstruírem suas crenças tendo por base justificativas infalsificáveis, mantendo a resistência aos fatos capazes de as contradizerem.

Por exemplo, se um olavete (adepto imbecil do guru Olavo de Carvalho) acredita a Terra ser plana e busca manter sua crença, sua estratégia ofensiva usual é atacar argumentos contrários, desqualificando-os violentamente. Argumenta contra a foto do planeta em forma de esfera tirada pela NASA, por pressupor ela ser uma das corporações com o maquiavelismo de manter “o pacto de mentira global sobre o assunto”.

Como exemplo de uma estratégia defensiva dos idiotas, eles argumentam uma esfera não poder manter água em estado líquido sem perdê-la para a gravidade e, portanto, apenas um planeta em formato plano seria um recipiente adequado para manter rios e mares. Os mecanismos psicológicos ofensivos e defensivos para manutenção de crenças infalsificáveis são aplicáveis a qualquer tipo de sistema, como pseudocientíficos, religiosos ou ideológicos.

Na verdade, nossa cultura leva a criar os EM sobre a ciência, encaixando-a em escaninhos específicos. Eles dizem respeitos a assuntos pontuais. Tal compartimentalização ocorre quando aprendemos sobre ciência e a aplicamos apenas a assuntos e temas circunscritos a determinadas dimensões, como a escolar ou a profissional. Talvez por motivos como este as pessoas ignorantes, frequentemente, associam os propósitos da ciência estritamente ao desenvolvimento de tecnologias para melhorar as condições de vida.

A criação desse EM dificulta ou impossibilita o entendimento dos propósitos da ciência, de suas principais características e de suas motivações elementares. Sempre espanta o baixo efeito do pensamento científico para o conhecimento da maioria das pessoas. Algumas, afortunadamente, conseguem ter acesso a ele na universidade.

Embora essas pessoas sejam expostas aos princípios científicos, desenvolvendo habilidades para duvidar de suas próprias crenças, muitas são perfeitamente capazes de consultar o horóscopo para decidir o que fazer durante a semana, tomar remédios homeopáticos como solução para as tentativas fracassadas dos alopáticos ou rezar fervorosamente para Deus contribuir positivamente para os desígnios da vida.

Isto é um subproduto dos EM, quando as pessoas passam a restringir a ciência a algumas dimensões da vida, impedindo a mesma ser compreendida em todo seu potencial e amplitude.

A função primordial da ciência é a busca de respostas para as diversas perguntas sobre o ainda desconhecido. Elas motivam nossa busca por conhecer, como “de onde viemos?”, “por que existimos?” e “por que somos morais?”.

Os psicólogos a investigam, por exemplo, como se desenvolve a moralidade, como os indivíduos a aprendem, como formam crenças automaticamente, se somos genuinamente maus ou majoritariamente irracionais. Poderíamos listar várias outras questões de natureza semelhante, como as substâncias básicas que compõem a matéria, para um físico, ou a origem da vida, para um biólogo.

O ponto aqui é essas perguntas primordiais darem sentido à existência da ciência. As perguntas com uma preocupação mais aplicada têm como finalidade resolver um problema prático, criando uma tecnologia ou uma tecnologia social. Elas também são cientificamente válidas e relevantes, mas não expressam as principais motivações do empreendimento científico.

A religião como um sistema de crença infalível tem más consequências. A principal consequência do pensamento religioso é a maneira pela qual esse sistema de crença possibilita o desenvolvimento de argumentos para a racionalização de Escaninhos Mentais. Por sua vez, outra motivação impele a ciência. Ela examina, por exemplo, porque muitas pessoas acreditam em religião e outras fazem empreendimentos com (e como) arte.

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