Debêntures “micaram”, isto é, virou “mico preto” como no jogo de cartas, e acionistas minoritários pouco importam

Emissões de debêntures voltam aos pouco…azo menor _ Finanças _ Valor Econômico (13/03/23)

As emissões de debêntures voltam aos poucos a aparecer no mercado brasileiro depois de algumas semanas em que os investidores se mostraram pouco dispostos a absorver novas operações. Os títulos, porém, têm saído com prazos mais curtos e com acréscimo nas taxas, o que reflete o mau humor que se instalou no segmento de dívida corporativa após a debacle da Americanas e os sinais de dificuldades da Light.

Na última semana, foram protocoladas sete ofertas no sistema de registro automático da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Juntas, somam pouco mais de R$ 2,5 bilhões. Considerando desde o início de março, foram registradas 12 operações que somam cerca de R$ 4 bilhões.

As taxas das últimas emissões tiveram acréscimo, mas a mudança não foi tão significativa frente à variação observada no mercado secundário. Os prazos estão bem mais curtos, passando de cinco anos para dois ou três anos.

Parte das ofertas recentes foi absorvida pelos balanços dos bancos, ofertantes de “garantia firme” no lançamento primário, porque a aversão ao risco dos investidores no mercado local continua pequeno. Em fevereiro, os fundos investidores em renda fixa tiveram resgate líquido de R$ 7,5 bilhões, revertendo o resultado positivo de janeiro, quando foi registrada uma captação líquida de R$ 11,1 bilhões.

Em fevereiro, as emissões de debêntures somaram apenas R$ 6,6 bilhões, abaixo dos R$ 18,7 bilhões captados em janeiro, segundo dados da Anbima. O número é um quarto do volume levantado por meio desses papéis em fevereiro de 2022. A tendência é o montante total distribuído em 2023 ser menor do visto no ano passado, segundo bancos de investimento.

País tem quase 6 milhões de acionistas individuais; em 2022, menos de 1% deles participou das assembleias gerais ordinárias das 15 maiores companhias abertas.

Warren Buffett costuma reunir milhares de pessoas na assembleia geral de sua companhia de investimentos, a Berkshire Hathaway, realizada anualmente desde 1973 em Omaha, no Estado americano de Nebraska.

Com o aumento da presença dos investidores, ao longo dos anos, o evento precisou de espaços cada vez maiores. Hoje ocorre em um anfiteatro parecido com um estádio de futebol. Além da presença do megainvestidor, que responde a perguntas de acionistas por horas, conta com a presença de altos executivos. Em 2022, foi o caso do presidente da Apple, Tim Cook. Neste ano, a reunião, conhecida como “Woodstock dos capitalistas”, será em 5 de maio.

O mercado de capitais brasileiro ainda caminha a passos lentos ou devagar, quase parando, se comparado ao americano. Tampouco possui, nos dias atuais, uma personalidade como Buffett, capaz de arrastar multidões interessadas em escrutinar e conhecer melhor suas estratégias de investimentos.

Ainda assim, e apesar do crescimento dos IPOs e dos CPFs em bolsa nos últimos anos, os brasileiros praticamente ignoram as reuniões de acionistas. Hoje, o país tem quase 6 milhões de investidores individuais, CPF registrados. No ano passado, menos de 1% deles participou das assembleias gerais ordinárias das 15 maiores companhias abertas do país, de acordo com um levantamento elaborado pela Atlas Governance..

No fim do ano passado, essas empresas tinham, juntas, 5,98 milhões de acionistas. O número de acionistas é maior porque cada CPF pode investir em quantas empresas quiser. Além disso, entram na conta os investidores pessoas jurídica e institucionais, que somavam 113 mil e 19 mil, respectivamente.

Nas assembleias ordinárias realizadas entre março e abril de 2022, as pessoas físicas representaram apenas 0,88% dos votantes – considerando que o número de investidores não se alterou drasticamente ao longo do ano. O maior percentual de pessoas físicas foi visto na reunião da Vale, de 4,84%, e o menor, no Santander, de 0,07%. As 15 companhias foram procuradas mas não comentaram.

Qualquer pessoa pode participar de uma assembleia, desde que seja acionista da empresa e realize a inscrição dentro do prazo. Até 2019 o evento era somente presencial, combinado com a possibilidade de envio do boletim de voto a distância (BVD), opção praticada especialmente por investidores estrangeiros.

Com o distanciamento social imposto pela pandemia, a partir de 2020 a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiu a realização das reuniões de forma digital. O formato segue sendo utilizado por grande parte das companhias, mas não foi suficiente – pelo menos até o momento – para que investidores decidissem frequentá-las. A possibilidade de utilização do BVD se mantém.

As chamadas assembleias gerais ordinárias costumam ocorrer entre março e o fim de abril. Geralmente, essas reuniões têm como temas a aprovação das contas da empresa no ano anterior e remuneração de administradores, além de eleição de conselheiros, por exemplo. Ao longo do ano, outros encontros podem ser convocados para deliberar questões específicas de cada companhia.

O mercado brasileiro tem grande concentração do capital nas mãos das famílias fundadoras das empresas. Por isso, mesmo com baixíssima participação da base de investidores, é possível aprovar nas empresas matérias do chamado “quórum qualificado”.

Mas o futuro aponta para mais companhias com capital pulverizado, as “corporations”, segundo Eduardo Carone, fundador da Atlas Governance, que oferece soluções em governança corporativa.

“As empresas ignoram o fato de que no futuro, com a diluição de novas emissões, precisarão desta base de acionistas para aprovar suas matérias relevantes. E não enxergam que aproximar as pessoas físicas de suas empresas vai fazer com que elas invistam mais, e consequentemente aumentar seu valor de mercado, e reduzir o risco de poucos investidores o derrubarem, pela pulverização”.

A Atlas Governance investiu R$ 10 milhões em uma plataforma de automatização de assembleias corporativas, com objetivo de aprimorar os procedimentos de votação por meio do BVD no caso das companhias abertas. A ferramenta se estende a cooperativas e fundos de investimento, por exemplo. Ao facilitar que a pessoa física esteja mais presente nas decisões e acompanhe mais de perto as organizações, isso naturalmente se traduzirá em confiança na organização, e vai impulsionar seu crescimento.

A baixa frequência dos acionistas independe do porte das companhias. “Se os acionistas participassem, as discussões nas assembleias seriam mais relevantes. Os investidores praticamente não têm noção dos seus direitos”.

O alto nível de absenteísmo reduz o interesse dos administradores das companhias, na visão do presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, que espera uma transformação com relação ao tema. O cenário brasileiro se dá por conta do ambiente de juros altos por muitos anos, diferentemente do mercado americano.

“Estamos um pouco mais otimistas de que haverá um escrutínio maior em assembleias, não só por conta dos episódios recentes [Oi e Americanas], mas também pelo desenvolvimento da regulação”, diz o presidente da Amec. Para o executivo, as novas regras da CVM para o formulário de referência vão exigir mais transparência das companhias sobre diversos assuntos. E isso vai estimular acompanhamento em bases mais frequentes, acredita.

Participar de uma assembleia deveria ser a fase final de um acompanhamento, pelos investidores, do trabalho que vem sendo feito nas empresas pelos administradores, acionistas e conselheiros. “O engajamento tem que ser durante o ano todo e não simplesmente questionar durante a assembleia”. O absenteísmo mostra a baixa educação financeira no país e a falta de um regulador mais forte impede esse avanço.

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