Mercado de Máquinas Agrícolas no Agronegócio Brasileiro

O volume de produção e comercialização de máquinas agrícolas, a receita das fabricantes, o número de trabalhadores que se dedicam à atividade e os altos e baixos das exportações ajudam a compor um diagnóstico dessa indústria no Brasil. E ela própria é uma espécie de termômetro do agronegócio nacional. Entender a correlação entre resultados das colheitas e de fabricantes de equipamentos como tratores e colheitadeiras é um exercício que põe em cores vivas elementos que vão de problemas climáticos a juros, de demanda por alimentos a práticas sustentáveis.

Um olhar desatento sobre os resultados da indústria em 2023 e também nos primeiros meses deste ano pode sugerir que o quadro é exclusivamente negativo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), as fabricantes comercializaram 68,9 mil máquinas agrícolas no ano passado, o que representou uma queda de 13,6% em relação a 2022. No primeiro bimestre deste ano, o volume foi de 6,1 mil unidades, ou 36,4% a menos do que o do mesmo intervalo de 2023. Para 2024, a entidade projeta nova queda de dois dígitos.

Mas esses números não contam toda a história – e as principais empresas do segmento têm usado argumentações do gênero com frequência. Um exemplo: se, por um lado, as vendas de máquinas agrícolas caíram de maneira expressiva em 2023, por outro, o volume de comercialização do ano passado foi o segundo mais alto da história.

A indústria de máquinas agrícolas habituou-se com ciclos de bonança e retração, segundo Pedro Estêvão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Equipamentos Agrícolas da Abimaq. “Faz parte do negócio”, disse ele em abril, ao comentar o declínio das vendas em 2023 e no início de 2024. “E mesmo com a queda nas vendas de mais de 20%, o setor só demitiu 1% porque sabe que logo vai precisar do trabalhador qualificado”.

O que a indústria de máquinas agrícolas explicita, com o declínio das vendas, é, principalmente, a desvalorização de soja e milho, as duas culturas agrícolas que mais geram divisas para o país. As cotações dos dois produtos dispararam no mercado internacional a partir de 2020, puxadas pelas restrições de oferta decorrentes da pandemia de covid-19 e, depois, pelas incertezas que surgiram com a guerra entre Rússia e Ucrânia. No ano passado, no entanto, os preços desses grãos entraram em queda, pressionados pela colheita volumosa em produtores importantes como Brasil, Estados Unidos e Argentina.

O termômetro fica particularmente ativo no segundo trimestre de cada ano, período em que ocorrem algumas das principais feiras agrícolas do país. Mesmo sem fazer projeções de vendas, os organizadores da Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), que começa hoje e vai até sexta-feira, avaliam que o volume de negócios não repetirá o de edições passadas. “Será uma feira de sucesso, mas não deve ser recorde como em anos anteriores”, diz o empresário João Carlos Marchesan, que neste ano vai conciliar a vice-presidência da Abimaq com a presidência da Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina.

Na Tecnoshow, em Rio Verde (GO), o volume de negócios caiu na edição deste ano, que ocorreu entre os dias 8 e 12 de abril. As vendas somaram R$ 9,3 bilhões, ou quase R$ 2 bilhões a menos que em 2023. Ainda assim, não se tratou de um mau resultado, de acordo com os organizadores. “Os números superaram nossas expectativas. Estávamos preocupados em função [dos problemas] da conjuntura atual (…), mas os empresários permaneceram otimistas”, diz Antonio Chavaglia, presidente do conselho administrativo da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), que organiza o evento – a maior feira de tecnologia agrícola do Centro-Oeste do país.

Os resultados da indústria de máquinas agrícolas em 2024 ficarão abaixo dos de anos recentes. A retração é certa, mas, segundo avaliação corrente, é também ocasional. No longo prazo, as perspectivas do agro brasileiro continuam a ser promissoras.

Projetos recentes de ampliação de estrutura física de diferentes empresas de máquinas agrícolas são um indício de que as fabricantes apostam que a demanda vai se recuperar. Os desembolsos em novos projetos de construção ou ampliação e também em obras concluídas nas últimas semanas passam de R$ 1 bilhão. A John Deere vai investir mais de R$ 700 milhões para aumentar a estrutura de sua fábrica de máquinas agrícolas em Catalão (GO), onde produz colhedoras de cana e pulverizadores, de 69 mil m2 para 89 m2 .

 

Com o investimento, também vai nacionalizar a produção do See & Spray, ferramenta de pulverização inteligente com adota visão computacional, inteligência artificial e aprendizagem de máquina que identifica plantas daninhas na lavoura e aplica herbicidas na quantidade exata.

No ano passado, a companhia anunciou plano de investir R$ 180 milhões para construir um centro de desenvolvimento de novas tecnologias em Indaiatuba (SP). Em março, revelou a compra de imóveis que aluga no interior de São Paulo e de terrenos em Montenegro (RS) para projetos futuros de ampliação fabril.

 

Entre os anúncios, a John Deere revelou a decisão de suspender, por 60 dias, a produção de máquinas agrícolas em Horizontina (RS). O vice-presidente de vendas e marketing da companhia para a América Latina, Antonio Carrere, disse que paradas ocasionais de atividades fabris servem para contrabalançar os altos e baixos característicos da indústria de máquinas agrícolas. Mas, para o futuro, afirmou, a companhia projeta aceleração.

 

Em fevereiro, a indiana Mahindra, que fabrica tratores de pequeno e médio portes, apresentou oficialmente o projeto de instalação de uma nova fábrica no Brasil, a segunda no país, em Araricá (RS). A unidade vai receber investimentos de R$ 100 milhões em cinco anos e deverá entrar em operação em 2025. No anúncio, o presidente da Mahindra Américas, Viren Popli, disse que no futuro a nova planta poderá fabricar outros equipamentos. Em outros mercados, além de colheitadeiras e implementos, a empresa fabrica veículos SUV, pequenos caminhões e ônibus.

 

Neste mês, a Case IH anunciou a conclusão das obras de modernização de sua fábrica de Sorocaba (SP). O projeto, com investimentos de R$ 100 milhões, transformou a planta em uma plataforma global de exportação de colheitadeiras de grãos.

 

No segmento de máquinas, o país é “growth business”, um mercado em que se aposta em crescimento acelerado no longo prazo, disse Eric Hansotia, o principal executivo global da AGCO, que anunciou em 2022 um programa de investimentos de R$ 340 milhões no Brasil.

Enquanto o agronegócio brasileiro aposta cada vez mais em inteligência artificial (IA) para impulsionar eficiência, buscando reduzir custos e elevar a produtividade, fornecedoras de tecnologia se esforçam para aprimorar suas soluções. A Raízen, que gerencia uma operação agrícola com 1, 2 milhão de hectares de cana-de-açúcar, possui uma área dedicada à ciência de dados e ao desenvolvimento de soluções analíticas.

Dados gerados a partir de sensores em equipamentos, computadores de bordo nos veículos e no monitoramento da operação remotamente em tempo real são digitalizados e alimentam os modelos de IA.

“A IA tem sido uma força motriz por trás de melhorias notáveis na redução de custos”, destaca Francis Queen, vice-presidente de etanol, açúcar e bioenergia da empresa. Com a ferramenta, a Raízen já obteve ganho de cerca de 15% de eficiência na operação de colheita e economia na manutenção preventiva de equipamentos agrícolas.

No dia a dia da Raízen, a IA transforma imagens de satélite e drones em informações precisas e geolocalizadas, que orientam decisões estratégicas e táticas. A solução detecta, por exemplo, não conformidades no canavial, como falhas, ervas daninhas e pragas.

Há outros usos, conta o executivo. Além de impulsionar tecnologias já usadas para reduzir a compactação do solo, resultando em canaviais mais produtivos e duradouros, a ferramenta vem ajudando a economizar com equipamentos.

Desde 2021, a empresa aplica a tecnologia para otimização da manutenção do maquinário. A iniciativa já proporcionou economia de R$ 58 milhões e está sendo replicada para outros sistemas de colhedoras da companhia.

Se quem usa vem colecionando bons resultados, quem fornece também vê perspectivas de crescimento. A brasileira Solinftec, especializada em soluções tecnológicas que envolvem robótica e IA para o agronegócio e que tem a Raízen entre seus clientes, espera chegar a 2025 com mais de 800 fazendas, no Brasil e na América Latina, monitoradas pela plataforma Alice Inteligência Artificial.

Hoje, a empresa tem como clientes 773 fazendas vinculadas a suas soluções e produtos de IA. “Antes de qualquer decisão, é feita uma análise do mercado e a necessidade do produtor”, explica o CCO para a América Latina da Solinftec, Emerson Crepaldi.

A partir dos dados levantados, o investimento é formatado para a obtenção de uma tecnologia integrada. A Alice, lançada em 2018, atende a agricultura em geral, mas é focada nos produtores de cana-de-açúcar, soja, milho, algodão, citros e florestal. Atua em logística, otimização de máquinas, soluções agronômicas, gestão e robótica em campo.

A plataforma funciona de forma sistêmica, conhecendo todos os processos da propriedade rural. Por isso, é capaz de indicar o melhor momento para a realização das operações. A IA direciona o uso de insumos, de equipamentos, maquinários e mão de obra com total autonomia.

Alexandre Rangel, sócio-líder de consultoria para o setor de agronegócios da EY para América Latina Sul, lembra que o campo já trabalha há tempos com soluções de otimização de produção, usando ferramentas avançadas de analytics -e vai conseguir um outro patamar de assertividade e eficiência com IA. Ele vê duas aplicações como promissoras:

1. a análise de imagens para tomada de decisões visando melhoria de produtividade, eficiência e gestão, e

2. tecnologias ligadas à otimização de processos.

“A inteligência artificial pega essas tecnologias que já existem e aumenta a eficiência, a velocidade e a assertividade dos modelos. Ajuda a tomar decisões mais efetivas”. Ao apoiar e turbinar o agronegócio, a IA pode ajudar na diminuição dos custos dos produtores.

Para Heli Heros Assunção, técnico do Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná/Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Paraná (Faep/Senar-PR), quanto mais capitalizado o produtor, mais possibilidades de investir em tecnologias de ponta. “Em geral, essas iniciativas estão mais presentes na cadeia das commodities“.

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