Segundo Ana Maria Bahiana, no livro “Como Ver Um Filme” (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2012. p. 256), um bom roteiro deve ser o relato do possível, não do real.
A Lei da Probabilidade cria a lógica interna que todo bom filme deve ter e que nos leva a suspender nossa descrença. Tudo na tela é fruto da imaginação de alguém, contando uma estória complexa em 120 minutos, mas tudo aquilo é provável?
A Lei da Necessidade dá ao roteirista a disciplina para escolher, entre todas as vertentes possíveis para sua narrativa, aquelas que realmente:
- impulsionam a estória,
- explicam o mundo interior dos personagens,
- justificam suas ações,
- esclarecem o universo físico e emocional em que vivem,
- criam tensões, enigmas e paradoxos que tornam a história mais envolvente e interessante.
Se algo mostrado não é necessário para elucidar, complicar ou avançar o que aconteceu antes, a Lei da Necessidade foi violada. Vamos achar o filme confuso, tedioso, impenetrável. O controle sobre o material deve ser de tal ordem que nada do que está na tela seja gratuito, tudo o que está na tela tenha uma razão de ser.
As perguntas-chave do expectador são:
- Por que o Diretor está me mostrando estas imagens e não outras?
- Por que estou vendo as imagens desta forma?
- Por que estou vendo as imagens nesta ordem?
- Por que estou ouvindo ou não ouvindo palavras, sons, ruídos, música?
As respostas, idealmente, nos abrirão as chaves secretas do filme, permitindo que tudo nele fale conosco.
O tema é aquilo que o filme discorre. Não é a estória, ou os traços dos personagens, ou o que acontece com eles: é a ideia fundamental, subjacente a tudo. Tema de filme pode ser a respeito de responsabilidade individual (ou social), lealdade (a si, ao conjugue, ao amigo, à corporação, ao país, etc.), coragem (ausência de medo ou capacidade de enfrentá-lo), virtudes ou defeitos humanos.
A premissa é a forma que o tema assume. A trama é a estória do filme, o desenvolvimento da premissa. Constitui os detalhes da estória, como ela começa, como se desenvolve, os conflitos, os problemas, os confrontos, as vitórias e as derrotas.
O gênero é a forma que a premissa e a trama tomam. No post seguinte, trataremos dele especificamente.
Uma vez estabelecidos esses elementos básicos, o escritor de roteiro deve escolher o tipo de narrativa que dará à sua trama, qual será a mais adequada para enfatizar o tema, mais coerente com sua premissa.
Os principais tipos de narrativa são:
- Direta: em ordem cronológica com começo, meio e fim.
- Inversa: uma estória contada inteiramente em flashback, cujas primeiras imagens são, na realidade, as derradeiras, por exemplo, para contar a história de uma vida.
- Episódica: diversas estórias, cada qual com sua própria trama, mas em geral unidas por um tema comum, ou até mesmo uma única premissa, podendo ou não se intercalar em determinados momentos.
- Fracionada ou não linear: uma ou várias estórias, ligadas entre si, contadas em segmentos fora de cronologia, que se conectam em momentos-chave, através de personagens, situações ou símbolos.
O mais importante é a estrutura do projeto. Na verdade, o diálogo é algo secundário no filme. Um bom roteiro deve privilegiar o mostrar e não o contar. O diálogo, para ter probabilidade e necessidade, deve ter coerência com o perfil psicológico de cada personagem. Roteiro é principalmente estrutura, a arquitetura de uma ideia claramente expressa, mas repleta de elementos que possam estimular, intrigar, provocar, emocionar o expectador.
Fazer um mau filme com um bom roteiro é algo que acontece, mas fazer um bom filme com um roteiro ruim é praticamente impossível!
A estrutura de um roteiro apoia-se em dois elementos essenciais:
- O ritmo: dado o tempo, por exemplo, várias décadas na história de uma nação, precisa ser roteirizada em, idealmente, 120 minutos, equivalendo a 120 páginas impressas. É preciso contar essas páginas como tempo, não como texto literário.
- O arco da narrativa: um filme é uma jornada, e o roteiro é seu mapa. Protagonistas movimentam-se não apenas no espaço, mas principalmente no espaço interior ao sabor de crises e resoluções. Idealmente, eles devem chegar ao final do filme o mais transformados possíveis, ou seja, a narrativa leva-os, existencialmente, ao mais distante lugar – físico, metafísico, emocional – em relação a onde começaram.
Essa trajetória não pode ser linear, senão entedia. A narrativa cinematográfica segue um arco descrito assim:
- Na Exposição, trama e personagens são apresentados.
- Na Ação Crescente (ou Complicação), conflitos se anunciam e chegam a seu ápice.
- A partir daí, a ação torna-se Decrescente, com a dissolução ou resolução dos conflitos.
- Até que chega a Conclusão Final.
Um roteirista pode seguir este arco da narrativa ao pé da letra, criar variações sobre ele ou até, deliberadamente, ignorá-lo, para obter reações e resultados diversos. Mas 95% dos filmes obedecem essencialmente a essa estrutura, definidos em três atos.
Ato I:
- Exposição – o primeiro personagem mostrado, em princípio, seria o protagonista.
- Oposição – o primeiro grande obstáculo se apresenta, complicando a ação, mudando o status quo descrito na Exposição.
Ato II:
- Auge da Oposição – a trama se complica ainda mais, a ação cresce, novos personagens aparecem de ambos lados.
- Conflito – o problema essencial da trama se revela.
- Primeira tentativa de resolução – solução imediata se revela insuficiente, criando novos problemas.
Ato III:
- Mudança radical – transformação interior dos personagens, atos heroicos resolvem, finalmente, o conflito / impasse.
- Resolução – os personagens principais estão o mais longe possível de onde estavam no início do filme. Uma grande jornada se deu, quando deve ficar clara a resolução do conflito inicial.
Todas as estórias da humanidade são uma única, um monomito, o mito universal. O herói vive em mundo da inocência, recebe um chamado, enfrenta uma jornada de provações, conquista o troféu, volta para casa, compartilhando as conquistas.