Era das Grandes Navegações: Competição

Mapa das Grandes Navegações

Durante séculos, a rota das especiarias – canela, cravo e noz-moscada que melhoravam o sabor da comida dos europeus – correra do oceano Índico ao mar Vermelho ou também por terra, atravessando a Arábia. Em meados do século XV, seu lucrativo trecho final, ao chegar à Europa, estava estritamente controlado pelos turcos e pelos venezianos. Os portugueses perceberam que, se conseguissem encontrar uma rota alternativa, descendo pela costa oeste da África e contornando o cabo da Boa Esperança até o oceano Índico, eles dominariam o negócio. Bartolomeu Dias, marinheiro português, já tinha contornado o Cabo em 1488, mas sua tripulação o forçara a voltar. Nove anos depois, coube a Vasco da Gama a fazer o caminho completo.

A competição acirrada que impulsionou a era das Grandes Navegações, expandindo a Civilização Ocidental para além-mar. Navegar em torno da África era questão de sair à frente dos concorrentes, tanto em termos econômicos, quanto políticos. Segundo Nial Ferguson (Civilização, 2012: 60), “a exploração marítima, em suma, foi a corrida espacial da Europa quatrocentista. Ou, melhor dizendo, sua corrida por especiarias“.

Os portugueses se dedicaram  a demonstrações de violência porque sabiam que encontrariam resistência ao tentar abrir um nova rota de especiarias. Acreditavam que a melhor defesa era o ataque.

Assim como Portugal, a Espanha havia saído na frente, tomando a iniciativa no Novo Mundo. As duas potências ibéricas puderam olhar para suas conquistas imperiais com incrível autoconfiança. Mas os holandeses, com aptidão comercial – e que na época estavam sob domínio espanhol -, passaram a avaliar o potencial de uma nova rota de especiarias. Em meados do século XVII, eles haviam superado os portugueses quanto à tonelagem e ao número de navios contornando o Cabo.

Ao chegar notícias de que seus arqui-inimigos, os espanhois e os franceses, estavam fazendo fortuna no além-mar, os ingleses se somaram à corrida pelo comércio ultramarino. Em 1496, John Cabort fez sua primeira tentativa de atravessar o Atlântico partindo de Bristol. Em 1533, outros ingleses partiram de à procura de uma “passagem nordeste” para a Índia. Projetos similares proliferaram com apoio real, não só no Atlântico como também ao longo da rota das especiarias. O mundo estava sendo repartido em um frenesi de competição acirrada.

Os mapas da Europa medieval mostravam centenas de Estados concorrentes. Havia, aproximadamente, mil cidades na Europa do século XIV; e ainda cerca de 500 unidades mais ou menos independentes 200 anos mais tarde. Por que? Por causa da geografia. Enquanto a China tinha apenas três grandes rios, todos fluindo de oeste para leste, a Europa tinha muitos rios fluindo em várias direções. Com cadeias montanhosas como os Alpes e os Pirineus, densas florestas e regiões pantanosas, a Europa não podia ser facilmente invadida por um bando de homens a cavalo, como os mongóis invadiam a China, – e, portanto, tinha menos necessidade de se unir.

Em todos os anos de 1500 a 1799, a Espanha esteve em guerra contra inimigos estrangeiros europeus durante 81% do tempo; a Inglaterra, 53%; a França, 52%. Mas essas lutas constantes tiveram três vantagens não intencionais.

Primeiro, encorajaram a inovação em tecnologia militar, seja em terra (fortificações), seja em mar (navios).

A segunda vantagem da situação de guerra quase incessante da Europa é que os Estados rivais se tornavam cada vez melhores no que dizia respeito a levantar a verba necessária para financiar as campanhas, seja via coleta de impostos, seja via empréstimos públicos, originando o mercado de obrigações. A dívida pública era uma instituição totalmente desconhecida na China da dinastia Ming, e só foi introduzida no fim do século XIX, sob influência europeia.

Outra inovação fiscal que transformou o mundo foi a ideia holandesa de conceder direitos de monopólio comercial a empresas de capital aberto em troca de uma participação em seus lucros. As empresas atuariam também como fornecedoras de serviços navais contra as potências inimigas. A Companhia Holandesas das Índias Orientais foi fundada, em 1602, como a primeira Sociedade por Ações com autofinanciamento das arriscadas empreitadas. Foi a primeira verdadeira corporação capitalista, com seu patrimônio líquido dividido em ações negociáveis e pagando dividendos em moeda corrente a critério de seus diretores.

Nos primórdios do Estado moderno, diminuíram as prerrogativas reais, através do exclusivismo do financiamento, ao se criar os novos grupos de interesses que perdurariam até nossos dias: banqueiros, debenturistas e diretores de empresa.

Todos os monarcas europeus estimulavam o comércio, a conquista e a colonização como parte de sua competição uns com os outros.

A guerra religiosa foi a ruína da vida europeia por mais de um século depois que a reforma luterana varreu a Alemanha. Mas as batalhas sangrentas entre protestantes e católicos, bem como as perseguições periódicas e localizadas contra os judeus, também tiveram efeitos colaterais benéficos.

Em 1492, os judeus foram expulsos de Castela e Aragão, sendo considerados hereges. Então, uma comunidade judaica se estabeleceu em Veneza após 1509. Nela, surgiram agiotas, empréstimos usurários, banqueiros.

Em 1556, com a revolta dos holandeses contra o governo espanhol e o estabelecimento das Províncias Unidas como uma república protestante, Amsterdã se tornou mais um porto de tolerância.

Em suma, a fragmentação política que caracterizou a Europa impossibilitou a criação de qualquer coisa que lembrasse remotamente a letargia do império chinês. Também incentivou os europeus a procurar oportunidades – econômicas, geopolíticas e religiosas – em terras distantes. Segundo Ferguson (2012: 65), “foi dividindo-se a si mesmo que os europeus conseguiram governar o mundo. Na Europa, ‘o pequeno era belo’ porque significava competição – e competição não só entre Estados, mas também no interior destes.”

As cidades eram, com frequência, autogovernadas. A Europa não era só feita de Estados, como também de estratos sociais: aristocratas, clérigos e citadinos.

Os empréstimos e doações à Coroa se tornaram a chave da autonomia urbana. Quanto mais rica a cidade se tornava, maior sua capacidade de alavancagem financeira.

Não só a cidade competia com a Coroa por poder. Havia competição até mesmo no interior de cidades como Londres. As origens de todas as corporações de ofício remontam ao período medieval. Essas guildas exerciam considerável poder sobre seus setores específicos da economia, mas também tinha poder político.

Essa competição em vários níveis, entre Estados e também no interior deste – e até mesmo no interior das cidades -, ajuda a explicar a rápida disseminação e os avanços tecnológicos na Europa. Assim como com a tecnologia militar, a competição levou ao progresso, à medida em que os artesãos tratavam de introduzir melhorias pequenas, mas cumulativas, à precisão e à elegância do produto.

A América – e não “Colômbia“, porque Américo (Vespúcio), descobridor do continente, através de seu livro Mundos Novus, publicado em 1504, retirou a reputação de (Cristóvão) Colombo -, foi conquistada porque as monarquias da Europa, competindo por almas, ouro e terras, estiveram dispostas a atravessar oceanos e conquistar continentes inteiros.

Para muitos historiadores, a descoberta das Américas é a principal razão para a supremacia do Ocidente. Sem seus recursos naturais, nativos e escravos africanos não poderia ter havido a emergência europeia nem a Revolução Industrial.

Para Ferguson (2012: 128), “o verdadeiro significado da conquista e colonização das Américas é que este foi um dos maiores experimentos naturais da história: pegue duas culturais ocidentais, exporte-as – os britânicos no Norte, os espanhóis e os portugueses no Sul -, imponha-as sobre uma ampla gama de povos e terras diferentes, e depois veja qual delas se sai melhor”.

Como e por que a força dominante da civilização ocidental se tornou os Estados Unidos da América? Não foi porque o solo setentrional era mais fértil ou continha mais ouro e petróleo, ou porque o clima era melhor, ou porque a localização dos rios era mais apropriada, ou apenas porque a Europa estava geograficamente mais próxima. Em vez disso, foi uma ideia o que levou à diferença crucial entre a América britânica e a ibérica – uma ideia sobre o modo como as pessoas deveriam ser governadas. A democracia culmina o estado de coisas predominante na América do Norte, ou melhor, o Estado de Direito que envolve a liberdade individual e a segurança dos direitos de propriedade, garantidos por um governo constitucional e representativo.

Por que a definição anglo-americana de civilização – de liberdade individual, sociedade baseada na opinião dos civis, representados em parlamentos, cortes de justiça independentes, subordinação da classe dominante aos costumes do povo e à sua vontades, tal como expressos na Constituição – não conseguiu criar raízes na América ao sul do Rio Grande?

Veja a resposta no próximo post sobre Colonização e Propriedade.

Deixe um comentário