Fuga de Capital dos Ricaços Brasileiros

Em 2016, havia 69,2 milhões de domicílios no Brasil, dos quais 86,0% eram casas (59,6 milhões) e 13,7% apartamentos (9,5 milhões). Desse total, 68,2% eram próprios e pagos (47,2 milhões); 5,9% eram próprios, mas ainda estavam sendo pagos (4,1 milhões); 17,5% eram alugados (12,1 milhões); 8,2% eram cedidos (5,7 milhões); e 0,2% tinham outra condição (143 mil domicílios), como invasões, por exemplo.

Existe coabitação — contabilizada no déficit habitacional –, mas esse número (69,2 milhões) dá uma ordem de grandeza das famílias habitantes no País, grosso modo, ⅓ da população total de 208,313 milhões pessoas. Qual é a estratificação social dessas famílias?

Pela riqueza financeira (ver tabela acima), as famílias do segmento de clientes Private Banking eram 55.725 ou 0,1% desse total de famílias.

Quando comecei a pesquisar a história bancária brasileira eu “garimpava” até em crônicas sociais e obituários sobre as vidas dos banqueiros. “Caiu na rede é peixe!”

Ainda continuo curioso sobre as raízes da desigualdade de renda e riqueza no Brasil. Pela minha especialização em Finanças eu tinha uma vantagem comparativa face aos outros pesquisadores: justamente ler reportagens e analisar estatísticas sobre Finanças!

Confira abaixo como em algumas reportagens se descobre algumas pistas ou indícios para dimensionar o que estamos falando a respeito de concentração de riqueza. Antes, verifique qual segmento de clientes tem investido dinheiro novo nos FIFs no ano corrente de economia estagnada e com alto desemprego, confirmando que, aqui, com “cobertor curto, cobre-se a cabeça”, isto é, concentra-se riqueza financeira nos mais ricos:

Adriana Cotias (Valor, 28/11/17) informa que o Banco Santander criou uma área de “family office” dentro da sua estrutura de private banking, em que pretende atuar como se fosse uma gestora de patrimônio independente. A ideia é olhar a carteira dos clientes como um todo, ainda que parte do patrimônio esteja em outras instituições financeiras, além de prestar assessoria no planejamento sucessório e patrimonial. Para inibir potenciais conflitos de interesses, a remuneração dos gestores de investimentos estará atrelada à performance dos portfólios, mas o volume alocado no próprio banco terá um peso menor.

O passo é emblemático do esforço que o banco espanhol tem feito no Brasil para dar robustez à divisão de gestão de riqueza e que vem passando por uma verdadeira transformação. A iniciativa mais recente foi o anúncio da contratação do ex-vice-presidente de gestão financeira e relações com investidores do Banco do Brasil, para comandar o Private Bank. O Mercado critica O Governo, mas contrata gente da casta dos sábios-tecnocratas…

Em setembro, o grupo espanhol nomeou globalmente o então vice-presidente de estratégia, para o comando global da recém-criada área de “wealth management“, que passou a integrar atividades de private banking e gestão de recursos. A iniciativa se deu cerca de um ano e meio após o Santander recomprar a asset dos fundos de private equity Warburg Pincus e General Atlantic. A mesma estrutura vai ser replicada no Brasil.

Neste ano, o Santander já ganhou o reforço de três ex-executivos do BTG Pactual, entre eles um para ser o chefe de “advisory” (aconselhamento) da nova divisão de family office, ao lado de responsável pela área de produtos.

“A ideia é ser uma mini-asset dentro do private, ter uma área composta como um advisor de fato, com pessoas responsáveis para olhar a carteira do cliente de maneira agregada casando a visão de ‘asset allocation‘ [alocação de ativos]”. Sim, gente de O Mercado “se acha”, misturando inglishi com a língua dos nativos tupiniquins…

Com dez pessoas na estrutura, a prestação dos serviços de aconselhamento vem casada com uma mesa de clientes também criada neste ano para oferta de ativos de renda fixa, derivativos e ações no mercado primário e secundário. A área jurídica e a expertise tributária e sucessória do private banking também são emprestadas a essa nova caixa de negócios.

Para evitar conflitos, o executivo conta que o modelo de remuneração prevê uma cobrança menor pelos produtos do próprio Santander na carteira. “Se não fosse assim, haveria um incentivo perverso para o banqueiro trazer recursos de outras instituições para o Santander”.

O alvo são famílias da segmentação “ultra-high net worth“, com recursos a partir de R$ 80 milhões — topo da pirâmide da riqueza pessoal. A divisão destinada já nasce com quase 20 grupos familiares e tem condições de dobrar de tamanho com a equipe atual.

Gestada há quase dois anos, a área abre para captação em um momento bastante particular de mercado com a edição da Medida Provisória 806, que vai impor um custo tributário aos multimercados e fundos de renda fixa fechados e passará a tratar os fundos de participações familiares como empresas. Chega também em um contexto inédito em que os juros em nível sensivelmente mais baixo do que um ano atrás tendem a incentivar uma tomada de risco diversa.

Entre gestores de patrimônio independentes, a percepção é que toda a movimentação do Santander na área de gestão de riqueza busca tirar o atraso ante os rivais. O Bradesco concluiu no ano passado a aquisição das operações do HSBC no Brasil tendo como um dos focos a segmentação de alta renda e o private, enquanto o Itaú se associou à XP Investimentos, adquirindo uma fatia inicial de 49,9% da plataforma por cerca de R$ 6 bilhões depois de ver passar pela sua compensação diária um sem número de TED e DOC para a XP.

Pelo dados da Morningstar, a Santander Asset Management fechou outubro com R$ 125 bilhões em recursos sob gestão, equivalente a 9,96% do mercado. Manteve a terceira posição no ranking, mas com uma participação menor do que tinha um ano atrás, de 10,5%.

A Bradesco Asset Management, com R$ 206 bilhões, também perdeu mercado, com 16,45% em comparação a 19,88% 12 meses antes, enquanto no Itaú a cota de mercado caiu de 9,96% para 9,74%, para R$ 122 bilhões.

A BB DTVM manteve a liderança, com 30,8% de participação e R$ 386 bilhões, mas também abaixo do que tinha em 2016. A fatia da Caixa cresceu de 7,15% para 7,76%, para R$ 97 bilhões. Depois dessas instituições, estão as gestoras independentes, que vêm ganhando expressão.

Com a significativa redução da Selic de um ano para cá e uma nova tributação para os fundos fechados, as famílias mais afortunadas têm um incentivo extra para direcionar parte de seus recursos para fora do Brasil, i.é, fuga do capital.

Com todo o imbróglio político para avançar com as reformas neoliberais [e daí? O que a reforma previdenciária interessa para os endinheirados?!] e às vésperas de um processo eleitoral sem pistas sobre qual será o desfecho [“terrorismo pré-eleitoral”, cujo roteiro já vimos várias vezes] é uma [falsa] justificativa para o que já começou a ser observado neste ano e deve ser um dos grandes temas no segmento de “private banking” em 2018.

Em fundos próprios “offshore, o ricaço brasileiro ainda tem a prerrogativa de pagar imposto só quando resgata os recursos — mecanismo conhecido como diferimento fiscal –, vantagem que vai potencialmente perder nas suas estruturas locais se a Medida Provisória 806 for convertida em lei até meados de dezembro. E já tem investidores repensando a estratégia de repatriar recursos regularizados.

O comprometimento dessa “elite” econômica com o País é comovente!

Contando apenas os investimentos em carteira, os afortunados brasileiros tinham US$ 40,8 bilhões no exterior, segundo as estatísticas preliminares do Banco Central (BC) referentes a outubro de 2017, um incremento de 30,1% em relação a dezembro do ano passado. Só em ações fora, segmento que teve valorização expressiva neste ano, o incremento foi de 37,7%, para US$ 30,7 bilhões.

Olhando pelos dados de fluxo, no ano até outubro o investidor local destinou US$ 9,4 bilhões para aplicações em portfólio fora do Brasil, em comparação a saques de US$ 362 milhões no mesmo período de 2016.

“As mudanças da [Medida Provisória] 806, a repatriação, são estruturais, mas há fatores cíclicos também que estimulam olhar para fora”, diz o executivo responsável pela alocação do BTG Pactual. “A queda dos juros nominal e real no Brasil é um grande motivador para que os aplicadores busquem alternativas com retorno esperado maior e isso inclui os investimentos no exterior.”

Nesse sentido, o executivo do “banco testa-de-ferro” acredita que ter um time integrado na gestão de investimentos locais e offshore é uma vantagem na atuação do banco brasileiro, que conseguiu, segundo ele, capturar uma parcela do dinheiro regularizado nos programas de anistia. A instituição tem escritórios nos Estados Unidos, Chile e Colômbia e consegue oferecer serviços financeiros na Ásia e na Europa por meio de uma parceria com o suíço European Financial Group. “Nós conseguimos atacar o pool de capital. É ainda uma oportunidade, uma janela que não se encerrou.”

O BTG Pactual fechou o terceiro trimestre com R$ 84,4 bilhões sob gestão, com grande parte do bolo, o equivalente a R$ 55,6 bilhões, em fundos de investimentos. É um banco de negócios para administração de fortunas pessoais. Crédito? Ora, o que é isso?!

A instituição não revela o total de ativos no exterior, mas sinaliza que a alocação média média é de 15% e diz ver espaço para ampliar essa fatia. Para ele, as oportunidades estão não só nos Estados Unidos, o mercado mais líquido e com maior proximidade cultural, como também na Europa e Ásia, com a China oferecendo boas opções.

“As pessoas [ricas] estão viciadas em juros alto e deixam de olhar muitas classes de ativos interessantes. O investidor tem, por exemplo, acesso à renda variável no Brasil, mas não a um segmento que é dominante fora, como o de tecnologia ou a cadeia de valor do segmento de saúde, não só farmácias, mas provedores de serviços hospitalares, que é um setor líquido e amplo nos Estados Unidos e na Europa“, cita. É melhor, né? Aliás, ser melhor do que tudo aqui não está difícil…

Ele acrescenta que o brasileiro [estupidamente rico] também está fora da categoria de alternativos, não só dos hedge funds, mas também de fundos de private equity, venture capital ou ainda alocações menos corriqueiras, como a concessão de crédito para operações de leasing financeiro de aeronaves.

O ano de 2017 foi, em grande parte, um período em que o investidor ganhou dinheiro localmente ao se apropriar da queda dos juros, da alta da bolsa e da valorização do real. Mas, olhando à frente, o mercado externo tende a ganhar mais visibilidade, afirma o superintendente-executivo do private banking do Bradesco.

“Após a queda da taxa Selic, várias classes de ativos, incluindo a de internacionais, têm despertado maior interesse. Já aconteceu ao longo deste ano, e o movimento deve ganhar robustez em 2018. O cliente vai buscar investimentos com maior perfil de risco e o mercado internacional se coloca como alternativa importante”, confirmando a fuga de capital se o BCB não pagar o juro disparatado em relação ao resto do mundo.

Nesse campo entram como opções desde os multimercados tradicionais que têm posição importante no exterior, os fundos de BDR (recibos de ações estrangeiras listados na B3) até a possibilidade de ter uma conta no exterior a fim de acessar uma gama de ativos muito maior. O executivo acrescenta que, mesmo que não houvesse a MP 806, a diversificação internacional tem de ser parte integrante do portfólio. Para isso que serve o aconselhamento?!

Para atender as novas demandas, o banco “brasileiro” já tem uma estrutura robusta no exterior com o atendimento na Europa a partir de Luxemburgo ou do escritório em Londres, com uma parte do time de gestão de fortunas baseado lá. Há ainda unidades em Nova York e Cayman. O Bradesco também está no processo de estabelecer um escritório em Miami. Beleza, né? Este é o comprometimento com o futuro do País!

No conjunto, os private banking brasileiros chegaram a setembro com R$ 949,5 bilhões sob sua guarda, um incremento de 14,18% em relação a dezembro de 2016. Os fundos reservados ou exclusivos, alvo da MP, reuniam R$ 193,8 bilhões e havia outros R$ 22,5 bilhões em FIPs familiares.

Nessa diversificação internacional, os fundos globais também vêm ganhando fama no Brasil, principalmente as carteiras que oferecem “hedge cambial“, segundo o responsável pela área comercial do J.P. Morgan no Brasil. “A indústria [qual?! o que produz?!] está passando por um momento único de mudança, com a taxa de juros podendo chegar perto de 6,5% no ano que vem. É uma mudança secular que, junto com a instabilidade do mercado por questões políticas, pede uma alocação maior em outros riscos. Nosso diferencial é o mercado internacional que vai crescer muito no Brasil.”

A gestora do banco americano tem hoje um patrimônio de quase R$ 1 bilhão [só?!] investido em três estratégias que compram cotas de fundos globais da instituição, em comparação a R$ 300 milhões no início do ano. No primeiro semestre de 2018, o executivo espera distribuir no país outras duas carteiras internacionais, uma de bônus globais com retorno absoluto que investe em qualquer ativo de renda fixa mundo afora, e uma “long-short“, de arbitragem em ações.

Campeã de audiência no país tem sido a gigante americana Pimco, que tinha um patrimônio de R$ 200 milhões no início do ano no seu veículo atrelado ao Pimco Income e reúne atualmente quase R$ 9 bilhões [só?!], segundo dados da Morningstar.

No mercado como um todo, de Marchi, do J.P., contabiliza 45 mil cotistas nos veículos locais (conhecidos como “feeders“) que acolhem dinheiro de investidores brasileiros para aplicar em fundos fora do país, saindo de um universo de cerca de 5 mil no início do ano.

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