Cuidados, marxistas dogmáticos, ler o texto abaixo é pecado!

Yuval Noah Harari, no livro “Homo Deus: Uma breve história do amanhã” (São Paulo: Companhia das Letras; 2015), pergunta:

O que acontecerá com o mercado de trabalho quando a inteligência artificial suplantar humanos na maioria das tarefas cognitivas?

Qual será o impacto político de uma nova classe massiva de pessoas economicamente inúteis?

O que vai acontecer com os relacionamentos, as famílias e os fundos de pensão quando a nanotecnologia e a medicina regenerativa transformarem os oitenta anos nos novos cinquenta anos dos baby-boomers?

O que acontecerá com a sociedade humana quando a biotecnologia nos permitir ter bebês projetados e abrir abismos sem precedentes entre ricos e pobres?

Você não vai achar a resposta a nenhuma dessas perguntas no Corão ou na Lei da Sharia, nem na Bíblia ou nos Analectos confucianos, porque ninguém no Oriente Médio medieval ou na China antiga conhecia computadores, genética ou nanotecnologia.

O islamismo radical pode prometer uma âncora de certeza em um mundo de tempestades tecnológicas e econômicas — mas, para navegar em meio à tempestade, precisamos de um mapa e de um leme mais do que de uma âncora. Portanto, o islamismo radical pode ser atraente para pessoas que nasceram e se criaram em seu seio, mas tem pouco de valioso a oferecer a jovens espanhóis desempregados ou a chineses bilionários inquietos.

Com efeito, centenas de milhões de pessoas podem assim mesmo continuar a acreditar no islamismo, no cristianismo ou no hinduísmo. Porém, números apenas não representam muita coisa na história. Frequentemente, a história é modelada por pequenos grupos de inovadores que olham para a frente e não por massas que olham para trás.

Há 10 mil anos, as pessoas em sua maioria eram caçadores-coletores e apenas alguns pioneiros no Oriente Médio eram agricultores. Mas o futuro seria dos agricultores. Em 1850, mais de 90% dos humanos eram camponeses e, nas pequenas aldeias ao longo do Ganges, do Nilo e do Yangtzé, ninguém sabia nada sobre motores a vapor, ferrovias ou linhas telegráficas.

Entretanto, o destino desses camponeses já fora selado em Manchester e em Birmingham por um grupo de engenheiros, políticos e financistas que foram os líderes da Revolução Industrial. Motores a vapor, ferrovias e telégrafos transformaram a produção de alimentos, têxteis, veículos e armas, conferindo às forças industriais uma vantagem decisiva sobre as sociedades agrícolas tradicionais.

Mesmo quando a Revolução Industrial se espalhou pelo mundo e chegou ao Ganges, ao Nilo e ao Yangtzé, a maioria das pessoas continuou a acreditar mais nos Vedas, na Bíblia, no Corão e nos Analectos do que na máquina a vapor.

Como hoje em dia, tampouco no século XIX havia carência de padres, místicos e gurus alegando que somente eles tinham a solução para todos os infortúnios da humanidade, inclusive para os problemas criados pela Revolução Industrial.

Por que Marx e Lênin tiveram êxito onde outros pregadores fracassaram? Isso não aconteceu porque o humanismo socialista fosse filosoficamente mais sofisticado do que as teologias islâmica e cristã, e sim porque Marx e Lênin deram mais atenção à necessidade de entender as realidades tecnológicas e econômicas de seu tempo do que à leitura atenta de textos antigos e a sonhos proféticos.

Máquinas a vapor, ferrovias, telégrafos e eletricidade criaram problemas inéditos, assim como oportunidades sem precedentes. As experiências, necessidades e esperanças da nova classe de proletariados urbanos eram muito diferentes daquelas dos camponeses bíblicos. Para atender a essas necessidades e esperanças, Marx e Lênin estudaram como funciona uma máquina a vapor, como opera uma mina de carvão, como ferrovias dão formato à economia e como a eletricidade influencia a política.

Uma vez pediram a Lênin definir o comunismo em uma única frase. “Comunismo é o poder com conselhos de trabalhadores”, ele disse, “mais a eletrificação do país inteiro.” Não pode haver comunismo sem eletricidade, sem ferrovias, sem rádio. Não se poderia estabelecer um regime comunista na Rússia no século XVI porque o comunismo precisa da concentração da informação e de recursos em um âmbito único.

“De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade” só funciona quando a produção pode ser facilmente reunida e distribuída através de grandes distâncias e quando as atividades podem ser monitoradas e coordenadas em um país inteiro.

Marx e seus seguidores compreenderam as novas realidades tecnológicas e as novas experiências humanas, por isso tinham respostas relevantes aos novos problemas da sociedade industrial, assim como ideias originais sobre como se beneficiar dessas oportunidades.

Os socialistas criaram uma admirável religião nova para um admirável mundo novo. Prometeram a salvação por meio da tecnologia e da economia, estabelecendo a primeira tecnorreligião na história, e mudaram os fundamentos do discurso ideológico.

Antes de Marx, as pessoas se definiam e se dividiam de acordo com o modo como viam Deus, e não segundo os métodos de produção. Depois de Marx, as questões envolvendo tecnologia e estrutura econômica tornaram-se muito mais importantes e delimitantes do que discussões sobre a alma e o pós-vida.

Na segunda metade do século XX, o gênero humano quase se destruiu numa discussão sobre métodos de produção. Até os mais ferrenhos críticos de Marx e de Lênin adotaram sua posição básica em relação à história e à sociedade. Começaram a pensar sobre tecnologia e produção muito mais cuidadosamente do que sobre Deus e o céu.

Em meados do século XIX, poucas pessoas foram tão perceptivas quanto Marx, por isso só uns poucos países passaram por um processo rápido de industrialização. Foram esses países que conquistaram o mundo.

As sociedades em geral não conseguiram compreender o que estava acontecendo e com isso perderam o trem do progresso. A Índia de Dayananda e o Sudão do Mahdi mantiveram-se muito mais preocupados com Deus do que com motores a vapor, motivo pelo qual foram ocupados e explorados pela Grã-Bretanha industrial.

Foi apenas nos últimos poucos anos que a Índia conseguiu fazer significativo progresso ao fechar a brecha econômica e política que a separava da Grã-Bretanha. O Sudão ainda luta, muito atrás.

No início do século XXI, o trem do progresso está novamente saindo da estação — e será provavelmente o último a deixar a estação chamada Homo sapiens. Os que perderem esse trem jamais terão uma segunda oportunidade. Para conseguir um assento, você tem de entender a tecnologia do século XXI, particularmente os poderes da biotecnologia e dos algoritmos de computação.

Esses poderes são muito mais potentes do que o vapor e o telégrafo e não serão usados apenas para produzir alimento, têxteis, veículos e armas. Os principais produtos do século XXI serão corpos, cérebros e mentes, e o abismo entre os que sabem operar a engenharia de corpos e cérebros e os que não sabem será muito maior do que aquele entre a Grã-Bretanha de Dickens e o Sudão do Mahdi.

Na verdade, será maior do que a brecha entre o Sapiens e os neandertais. Neste século, os que viajam no trem do progresso vão adquirir aptidões divinas de criação e destruição, enquanto os que ficarem para trás enfrentarão a extinção.

O socialismo estava muito atualizado cem anos atrás, porém não conseguiu acompanhar a nova tecnologia. Leonid Brejnev e Fidel Castro agarraram-se às ideias de Marx e Engels formuladas na Era do Vapor e não compreenderam o poder dos computadores e da biotecnologia.

Os liberais [libertários clássicos inspirados no Iluminismo pregador de igualdade de oportunidades e livre-arbítrio individual], em contrapartida, adaptaram-se muito melhor à Era da Informação. Isso explica em parte porque a predição de Khruschóv em 1956 nunca se materializou e porque os capitalistas liberais enterraram os marxistas. Se Marx voltasse a viver hoje em dia, provavelmente incitaria seus poucos discípulos remanescentes a ler menos O Capital e a estudar a internet e o genoma humano.

Tanto as relações de produção quanto as forças produtivas se alteraram. O sistema ainda é capitalista – exploração de um número relativamente menor de trabalhadores na produção de bens e serviços –, porém continua em transição. A Lei da Tendência Declinante da Taxa de Lucro perdura na produção? E na circulação?

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