O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo

O princípio iluminista de podermos aplicar a razão e a solidariedade para aprimorar o desenvolvimento humano pode parecer óbvio, banal, antiquado. Steven Pinker escreveu o livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018) porque se deu conta de não ser o caso. Na realidade atual, os ideais da razão, da ciência, do humanismo e do progresso necessitam de uma defesa entusiasmada.

Não damos o devido valor às suas benesses: recém-nascidos viverem por mais de oito décadas, mercados abarrotados de alimentos, água limpa, dejetos desaparecidos, comprimidos capazes de debelar uma infecção dolorosa, filhos não mandados para a guerra, filhas com possibilidade de andar na rua em segurança, críticos de poderosos não sendo presos ou fuzilados, o conhecimento e a cultura mundiais disponíveis no bolso da camisa. Mas tudo isso são realizações humanas, e não direitos cósmicos inatos.

Na memória de muitos leitores deste livro — e na experiência de pessoas em partes menos afortunadas do planeta —, guerra, carestia, doença, ignorância e ameaça letal são uma parte natural da existência. Sabemos os países poderem regredir a essas condições primitivas, portanto é um perigo não darmos o devido valor às realizações do Iluminismo.

Pinker é lembrado frequentemente da necessidade de reafirmar os ideais do Iluminismo também chamado de humanismo, sociedade aberta, liberalismo cosmopolita ou clássico. É porque o esquecimento da dimensão do progresso humano pode levar a sintomas piores se comparado apenas à angústia existencial. Pode levar ao ceticismo com relação às instituições inspiradas no Iluminismo que asseguram esse progresso — por exemplo, a democracia liberal e as organizações de cooperação internacional — e direcionar as pessoas para alternativas atávicas.

Os ideais do Iluminismo são produtos da razão humana, mas vivem em conflito com outras facetas da nossa natureza: lealdade à tribo, acato à autoridade, pensamento mágico, atribuição de infortúnio a elementos malfazejos.

A segunda década do século XXI testemunhou a ascensão de movimentos políticos segundo os quais seus países estão sendo empurrados para uma distopia infernal por facções malignas que só podem ser combatidas por um líder forte, capaz de forçar um retrocesso do país a fim de torná-lo “grande novamente”.

Esses movimentos foram favorecidos por uma narrativa compartilhada por muitos de seus mais ferrenhos oponentes: “as instituições da modernidade fracassaram e todos os aspectos da vida estão em crise acelerada” — os dois lados na macabra concordância de que destruir essas instituições farão do mundo um lugar melhor. Já mais difícil de encontrar é uma perspectiva positiva capaz de ver os problemas do mundo contra um pano de fundo de progresso – e usá-la como apoio para resolvê-los.

Este livro é a tentativa de Steve Pinker reafirmar os ideais do Iluminismo de acordo com a linguagem e os conceitos do século XXI. Primeiro, armará uma estrutura para compreendermos a condição humana alicerçada na ciência moderna: quem somos, de onde viemos, quais são nossos desafios e como podemos enfrentá-los. A maior parte do livro é dedicada a defender esses ideais de um modo característico do século XXI: com dados.

Essa análise do projeto iluminista baseada em evidências revela não se tratar de uma esperança ingênua. O Iluminismo deu certo — talvez seja a maior história (quase nunca contada) de todos os tempos. E, como o seu triunfo é tão pouco alardeado, os ideais fundamentais da razão, da ciência e do humanismo também são pouco valorizados.

Longe de ser um consenso insípido, esses ideais são tratados com indiferença, com ceticismo e às vezes com desprezo por intelectuais do nosso tempo. Pinker procurará mostrar que, na verdade, quando avaliados adequadamente, os ideais do Iluminismo são empolgantes, inspiradores, nobres — uma razão para viver.

O que é iluminismo? Em um ensaio com esse título escrito em 1784, Immanuel Kant respondeu: é “a saída do ser humano da menoridade de que ele próprio é culpado”, de sua submissão “preguiçosa e covarde” aos “dogmas e fórmulas” da autoridade religiosa ou política.

Seu lema, ele proclamou, é “ouse entender!”, e sua exigência fundamental é a liberdade de pensamento e expressão. Se ousarmos entender, o progresso será possível em todas as esferas: a científica, a política e a moral.

“Uma época não pode firmar um pacto que impeça épocas posteriores de ampliar sua visão, aprimorar seu conhecimento e reabilitar-se de seus erros. Isso seria um crime contra a natureza humana, cujo destino apropriado reside precisamente nesse progresso.”

O que é o Iluminismo? Não existe uma resposta oficial, pois a época mencionada no ensaio de Kant nunca foi demarcada por cerimônias de abertura e encerramento, e tampouco possuiu princípios estipulados em um juramento ou credo.

Convencionalmente, situamos o Iluminismo nos dois últimos terços do século XVIII, embora tenha brotado da Revolução Científica e da Idade da Razão no século XVII e extravasado para o apogeu do liberalismo clássico na primeira metade do século XIX.

Os pensadores do Iluminismo, provocados por contestações da ciência e da exploração à sabedoria convencional, informados sobre o banho de sangue das guerras religiosas recentes e apoiados na facilidade de movimentação de ideias e pessoas, buscaram uma nova compreensão da condição humana. Foi uma era exuberante em ideias, algumas contraditórias, mas todas ligadas por quatro temas: razão, ciência, humanismo e progresso.

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