Filosofia da Ciência

O conhecimento científico opera por indução. Isso significa trabalhar a partir de observações particulares, por exemplo, “todo cisne visto é branco”. Se esses princípios não podem ser comprovados, apenas refutados, por exemplo, pela observação de um cisne negro na Austrália, inexistente na Europa, adotamos eles, de maneira provisória, em direção a princípios gerais. Portanto, se uma afirmação científica trata da realidade, ela deve ser falsificável, afirma Karl Popper (1902-1994).

A incapacidade de falar sobre o futuro com alguma certeza é chamada de problema da indução. Não foi reconhecida pela primeira vez por economistas pós-keynesianos, na década de 70 no século XX, mas sim por David Hume no século XVIII.

O que é raciocínio indutivo? A indução é o processo de deslocar-se de um conjunto de fatos observados para conclusões mais gerais sobre o mundo.

Em contrapartida, o raciocínio dedutivo, ao contrário da indução de se deslocar do caso particular para o geral, desloca-se do geral para o particular. Por exemplo, começa de duas premissas e obtém uma conclusão.

Simplifica-se os argumentos dedutivos, escrevendo-os em notação. Se P, então Q; uma vez P, portanto, Q. 

Todos argumentos desse tipo são válidos, porque suas conclusões seguem inevitavelmente suas premissas. O fato de um argumento ser válido não significa suas conclusões serem verdadeiras.

Se a premissa for falsa, mesmo se o argumento em si for válido, a conclusão também será falsa. Argumentos válidos com premissas verdadeiras são “sólidos”.

Os argumentos dedutivos são como programas de computadores. As conclusões alcançadas (output) são tão satisfatórias quanto as informações recebidas (input).

O raciocínio dedutivo tem papel-chave na Ciência, mas, por si só, não diz nada sobre o mundo real. Ele apenas afirma: “se isto, então, aquilo”.

Temos de contar com indução para nossas premissas. Assim, a Ciência tem de carregar o fardo da indução.

Por essa razão, de acordo com Popper, não podemos provar nossas teorias serem verdadeiras. O que faz uma teoria ser componente não apenas de uma Ciência Abstrata, mas também de uma Ciência Aplicada às decisões práticas, não é o fato de ela ser provada, mas de ser testada na realidade e demonstrada como potencialmente falsa.

Uma teoria falsificável não é uma teoria apenas falsa, mas uma demonstrada como falsa por meio de uma observação empírica. As teorias impossíveis de ser testadas, por exemplo, um ser sobrenatural acompanhar cada ser humano de maneira vigilante com prêmios e castigos, não faz parte da Ciência Natural. Simplesmente, dogmas não compõem o tipo de teoria testada e aprovada por Ciência.

Infelizmente, a ideia de falsificabilidade (ou falseamento) não invalida os crentes acreditarem em ideias sobrenaturais impossíveis de serem falsificadas. As crenças religiosas resistem a testes repetidos, ou seja, à tentativas de falsificação.

Elas se mantém como “âncoras seguras”, para pessoas inseguras, porque mesmo as melhores teorias estão sempre abertas à possibilidade de um novo resultado demonstrar sua falsidade. Os crentes acreditam não porque aquela fé é verdadeira, mas simplesmente porque outras pessoas de sua comunidade acreditam naquilo e lhe apoiam emocionalmente.

Enfim, o pensamento sempre funcionou por oposição. As oposições definem o modo como pensamos o mundo.

Temos a tendência de agrupar elementos do mundo real e imaginário em pares opostos, tais como certo/errado, verdadeiro/falso, deus/diabo… 

Esses pares são sempre classificados hierarquicamente. São sustentados por uma tendência de considerar um elemento superior ou dominante, associado com o ativo, enquanto o outro elemento mais frágil é associado com o passivo.

O jogo de repropor oposições binárias de vencedores e vencidos não é a meta de um pensamento a respeito de um sistema complexo. Ele é analítico de múltiplos componentes – e não apenas de pares antagônicos.

Não podemos fazer suposições a priori com certeza a respeito de resultante de múltiplas interações conhecidas e outras tantas desconhecidas. A única atitude possível é observar e esperar, ativamente, até ver o resultado.

Método Racionalista

Frequentemente, a Filosofia moderna é apresentada dividida em duas escolas;

  1. a dos racionalistas, incluindo René Descartes, Bento de Espinosa e Immanuel Kant;
  2. a dos empiristas, incluindo John Locke, George Berkeley e David Hume.

Vários filósofos não se encaixam, automaticamente, neste ou naquele grupo. A diferença essencial entre as duas escolas era epistemológica. Elas divergiam em suas opiniões sobre: 

  1. o que podemos saber e 
  2. como sabemos o que sabemos.

Os empiristas sustentavam o conhecimento derivar da experiência, enquanto os racionalistas afirmavam o conhecimento poder ser adquirido exclusivamente por meio da reflexão racional.

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Método Científico

O filósofo Francis Bacon (1561-1626) estabeleceu um novo método para conduzir experiências científicas, baseado em observações detalhadas e raciocínio dedutivo. Sua metodologia forneceu um novo sistema para investigar o mundo.

Ele enfatizou a necessidade de testar uma nova teoria. É dever do cientista buscar exemplos negativos, chamados de “cisnes negros” por falsear a teoria de “todos os cisnes são brancos”.

Colocou em primeiro plano a experiência prática na Ciência. Foi criticado por negligenciar a importância dos saltos imaginativos para impulsionar todo progresso científico.

O conhecimento científico avança cumulativamente, descobrindo leis (padrões) e tornando possíveis as invenções. Permite se fazer atividades antes impossíveis. 

Bacon considerava as aplicações práticas das descobertas científicas serem seu objetivo principal. Por isso, conhecimento é poder.

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Método Socrático contra a Vida Irrefletida dos Crentes

Para viver uma vida virtuosa, segundo a Filosofia de Sócrates, é necessário distinguir entre o “bom” e o “mau”. Como são conceitos absolutos – e não relativos –, só podem ser julgados por meio de um processo de questionamento e raciocínio.

Por isso, a moralidade e o conhecimento estão relacionados. Uma vida alienada e não questionada é uma vida de ignorância, isto é, sem conhecimento nem moralidade. Sócrates conclui seu raciocínio: “a vida irrefletida não vale a pena ser vivida”.

Ele não procurava respostas ou explicações definitivas. Somente investigava a base dos conceitos aplicados a nós mesmos. Compreender quem somos é primeira tarefa da Filosofia.

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Debate para Construção de Conhecimento e não para Destruição do Interlocutor

Beatriz Montesanti e Tatiana Dias publicaram no NEXO, em 27 de dezembro de 2016, uma entrevista com Walter Carnielli, Professor de Lógica na UNICAMP. Ele explica como manter uma discussão respeitosa e produtiva nesse tempo de discurso de ódio mútuo.

Não é fácil vencer uma discussão. Especialmente em um contexto inflamado, onde as opiniões se polarizam, notícias falsas se proliferam, debatedores recorrem a ofensas e sarcasmo. Festas de fim de ano criam ambientes propícios para a briga.

Uma boa discussão, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não serve para a disputa. Serve, sim, para a construção do conhecimento. Nesse sentido, saber sustentar uma boa argumentação é fundamental.

“Um argumento é uma ‘viagem lógica’”, diz Walter Carnielli, matemático, Professor de Lógica na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de “Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação” (Editora Rideel), livro escrito em parceria com o matemático americano Richard L. Epstein.

Para Carnielli, os brasileiros têm uma “péssima educação argumentativa”. Confundimos discussão com briga e não sabemos lidar bem com críticas. Mas há técnicas capazes de ajudar na construção de bons argumentos – e também a evitar armadilhas comuns em uma discussão, como o uso de falácias.

Entre elas está, por exemplo, a busca por entender o ponto de vista oposto, ajudando, inclusive, o opositor na construção do próprio argumento. Nesta entrevista ao Nexo, o professor explica algumas delas:

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A economia dos EUA pode escapar da lei da gravidade?

Crises of Global Economies and the Future of Capitalism: reviving Marxian crisis theory, edited by Kiichiro Yagi, Nobuharu Yokokawa, Shinjiro Hagiwara and Gary A. Dymski, foi publicado em 2013. Vale ler resenhas teóricas mais permanentes, entre as quais a de Dymski, um professor ativista norte-americano muito simpático. Seu capítulo nessa coletânea é intitulado sob uma pergunta: Can the U.S. economy escape the law of gravity? A Minsky–Kalecki approach to the crisis of neoliberalism. Traduzo abaixo um resumo dessa abordagem de Minsky-Kalecki para explicar a crise do neoliberalismo.

A “Revolução Keynesiana” na economia nacional mudou o foco da economia política para longe da regulamentação do mercado microeconômico e em direção ao controle do comportamento agregado. Keynes argumentou as sociedades capitalistas modernas poderem bloquear a dinâmica cíclica geradora recorrente da alta taxa de desemprego e da queda dos preços dos ativos. De maneiras muito diferentes, Minsky e Kalecki desafiaram a visão otimista (deliberadamente) de Keynes quanto o ciclo de negócios ser coisa do passado.

Minsky considera as implicações cíclicas do mercado de capitais nas estruturas financeiras. Kalecki, em seu artigo sobre “pleno emprego”, concentra-se na exploração da força do trabalho.

Gary Dymski inicia sua contribuição ao debate com a apresentação do modelo de instabilidade financeira de Minsky.

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Estagdesigualdade no Século XXI

An Experiment on a Bird in an Air Pump by Joseph Wright of Derby, 1768
Credito: The National Gallery, London

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), afirma: reconhecer a vida das classes baixa e média nos países desenvolvidos ter melhorado em décadas recentes não é negar os enormes problemas das economias do século XXI. Embora a renda disponível tenha aumentado, o ritmo de crescimento é lento. A resultante escassez de demanda dos consumidores pode estar tolhendo a economia como um todo.

As dificuldades enfrentadas por um setor da população — o dos americanos brancos não urbanos de meia-idade e menos instruídos — são reais e trágicas. Elas se manifestam em maiores taxas de overdose e suicídio.

Avanços na robótica ameaçam tornar obsoletos milhões de empregos adicionais. Os caminhoneiros, por exemplo, exercem a ocupação mais comum na maioria dos estados americanos. Os veículos autônomos podem mandar essas pessoas pelo mesmo caminho dos copistas, consertadores de rodas de carroças e telefonistas.

A educação, grande impulsionadora da mobilidade econômica, não está acompanhando as demandas das economias modernas: o custo do ensino universitário subiu para as alturas, em contraste com o barateamento de quase todas as outras mercadorias. Em bairros pobres dos Estados Unidos o nível do ensino primário e secundário é condenavelmente inferior.

Muitas partes do sistema tributário americano são regressivas. O dinheiro compra influência política em demasia.

Talvez mais pernicioso ainda seja o fato de a impressão de a economia moderna ter deixado a maioria das pessoas para trás encorajar políticas luditas e protecionistas capazes de piorarem a situação para todos.

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Piora da Desigualdade não significa Piora do Progresso

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), depois de ter examinado a história da desigualdade e visto as forças impelidas por ela, pode avaliar a afirmação de a desigualdade crescente das três últimas décadas tem o significado do mundo estar piorando: só os ricos prosperaram, enquanto todos os demais estão estagnados ou sofrendo. Os ricos decerto prosperaram mais se comparados a todos, talvez além do aceito, porém, a afirmação a respeito de todo o resto não é correta, por várias razões.

Mais obviamente, é falsa para o mundo como um todo: a maioria da raça humana está agora em condições muito melhores:

  1. o camelo de duas corcovas tornou-se um dromedário de uma corcova;
  2. o elefante tem o tamanho do corpo de um elefante;
  3. a extrema pobreza despencou e pode até desaparecer; e
  4. os coeficientes internacionais e globais de desigualdade estão em declínio.

Em parte, os pobres do mundo ficaram mais ricos em detrimento da classe média baixa americana. Se Pinker fosse um político americano, não admitiria em público a troca ter valido a pena. Porém, como cidadãos do mundo, considerando a humanidade como um todo, só podemos dizer ter valido.

Contudo, até nas classes baixa e média baixa de países ricos os ganhos de renda moderados não significam declínio no padrão de vida. Muitas das discussões atuais sobre desigualdade comparam desfavoravelmente a era atual com uma época dourada de empregos industriais bem remunerados e prestigiados. Eles se tornaram obsoletos em virtude da automação e da globalização.

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Estágio Atual da História da Desigualdade

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), completa seu percurso pela história da desigualdade examinando o aumento da desigualdade em países ricos iniciado por volta de 1980. Esse é o retrocesso inspirador da noção de a vida ter piorado para todos, exceto para os mais ricos.

O recuo não condiz com a curva de Kuznets, segundo a qual a desigualdade deveria ter se estabilizado em um nível de equilíbrio baixo. Muitas explicações foram propostas para essa surpresa.

As restrições do tempo da guerra à competição econômica podem ter sido persistentes e perdurado depois da Segunda Guerra Mundial, mas enfim se dissiparam. Após a mudança da Economia de Guerra, liberaram os ricos para se tornarem ainda mais ricos, graças ao rendimento de seus investimentos, e para franquearem uma arena da concorrência dinâmica na qual os vencedores ficam com o total dos ganhos.

A mudança ideológica, associada ao neoliberalismo implantado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, desacelerou o movimento em direção ao aumento do gasto social financiado com impostos sobre os ricos e erodiu as normas sociais contra salários exorbitantes e ostentação de riqueza.

Quanto à mudança social-demográfica, conforme mais pessoas permaneciam solteiras ou se divorciavam, e ao mesmo tempo mais casais bem remunerados juntavam dois salários polpudos, era inevitável a variação da renda entre os domicílios vir a aumentar, mesmo se as remunerações permanecessem iguais.

A “quarta revolução industrial”, impelida pelas tecnologias eletrônicas e internet das coisas, reproduziu a elevação de Kuznets, criando uma demanda por profissionais altamente qualificados, barrando o acesso dos menos instruídos ao mesmo tempo enquanto os empregos cujos requisitos exigiam menos instrução eram eliminados pela automação.

A globalização permitiu trabalhadores na China, Índia e outras partes ter sua força do trabalho vendida por salários menores em relação aos pagos por seus concorrentes americanos, em um mercado de trabalho mundial. Logo, as empresas nacionais incapazes de aproveitarem dessas oportunidades no exterior veriam seus preços perderem competitividade. Ao mesmo tempo, a produção intelectual dos analistas, empreendedores, investidores e criadores bem-sucedidos passou a estar cada vez mais disponível para um mercado global imenso. O operário industrial no Ocidente é demitido, enquanto talentos da Economia Criativa se tornam milionários.

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Gasto Social face à Contrarrevolução Igualitária

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), cita outro exemplo de progresso, devido ao Iluminismo. Alguns o chamam de Revolução Igualitária: sociedades modernas alocam hoje uma parcela substancial de sua riqueza para saúde, educação, pensões e programas de transferência de renda

A figura acima mostra o gasto social ter decolado nas décadas intermediárias do século XX. Nos Estados Unidos, foi com o New Deal adotado na década de 1930. Em outros países desenvolvidos, ocorreu com a ascensão do Estado de bem-estar social após a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o gasto social absorve em média 22% do PIB desses países.

A explosão do gasto social redefiniu a missão do governo: de guerrear e policiar para também sustentar. Os governos passaram por essa transformação por várias razões. Entre elas, o gasto social vacina os cidadãos contra a sedução do comunismo e do fascismo, ambos regimes totalitários.

Alguns dos benefícios, como educação e saúde pública universais, são bens públicos. Eles favorecem todos, não apenas os beneficiários diretos. Muitos dos programas indenizam cidadãos em caso de infortúnios contra os quais não podem ou não querem assegurar-se por conta própria. Daí o eufemismo “rede de segurança social”.

Como não tem sentido todos mandarem dinheiro para o governo só para depois receberem de volta, deduzida a mordida da burocracia para organizar o Estado nacional, o gasto social destina-se a ajudar pessoas com menos dinheiro, sendo a conta paga por aqueles possuidores acima de muito mais acima da média. Esse é o princípio conhecido como redistribuição, Estado de bem-estar social, socialdemocracia ou socialismo.

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História da Desigualdade

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), passa da primeira parte do capítulo sobre a Desigualdade, quando trata da importância moral da desigualdade, para a questão de saber por que sua percepção mudou no decorrer do tempo.

A narrativa mais simplista da história da desigualdade diz ela vir junto com a modernidade. Sem dúvida começamos em um estado de igualdade original: quando não existe riqueza, todo mundo tem partes iguais de nada. Então, quando se cria riqueza, alguns podem ter mais se comparado ao possuído por outros. Nessa história, a desigualdade começou no zero e, à medida que a riqueza aumentou, a desigualdade a acompanhou. Mas, na realidade, não foi bem assim.

Os caçadores-coletores eram considerados acentuadamente igualitários. Esse pressuposto inspirou a teoria do “comunismo primitivo” de Marx e Engels.

No entanto, etnógrafos mostram a imagem de igualitarismo nessa categoria ser enganosa. Para começar, os bandos de caçadores-coletores nômades ainda existem e podem ser estudados. Eles não são representativos de um modo de vida ancestral, pois foram empurrados para territórios marginais e levam uma vida nômade. Esta impossibilita a acumulação de riqueza, no mínimo porque seria difícil carregá-la por toda parte.

Já os caçadores-coletores sedentários, como os nativos do noroeste do Pacífico, uma área rica em salmão, frutas silvestres e animais de pele valiosa, primaram por passar longe do igualitarismo e criaram uma nobreza hereditária. Ela mantinha escravos, acumulava artigos de luxo e ostentava riqueza.

Além disso, embora os caçadores-coletores nômades compartilhem carne — pois a caça depende demais da sorte, e partilhar o que se conseguiu garante todo mundo contra aqueles dias em que se volta para casa de mãos vazias —, é menos provável eles distribuírem os alimentos de origem vegetal, pois a coleta é questão de esforço, e um compartilhamento indiscriminado daria margem a parasitismos.

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Preocupação com Desigualdade ou com Pobreza e Injustiça?

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), diz: com certeza, pode haver razões para nos preocuparmos com a desigualdade em si, não apenas com a pobreza. Talvez a maioria das pessoas seja como Igor, e sua felicidade dependa de como se comparam com seus vizinhos, e não com do quanto elas possuem em termos absolutos.

Quando os ricos enriquecem demais, todos os outros se sentem pobres, portanto, a desigualdade reduz o bem-estar, embora todos se tornando mais ricos ao longo do tempo em uma mesma sociedade. Essa é uma ideia antiga da Psicologia Social, com várias designações, como Teoria da Comparação Social, grupos de referência, ansiedade de status e privação relativa.

No entanto, é preciso manter a ideia em perspectiva. Entre ser uma mulher analfabeta em um país pobre, presa ao seu vilarejo, com alta mortalidade infantil e baixa esperança de vida como a maioria das pessoas de seu convívio ou ser uma mulher instruída em um país rico, onde os filhos crescem e viverá até os oitenta anos, porém empacada na classe média baixa, é equivocada esta última não estar em melhores condições. Seria uma perversidade concluir ser preferível não tentar melhorar a vida da primeira porque isso poderia melhorar a vida de seus vizinhos ainda mais e ela não se tornaria mais feliz.

De qualquer modo, o experimento mental é irrelevante, pois na vida real a habitante no país rico quase certamente é mais feliz. Ao contrário da velha crença de as pessoas prestarem tanta atenção nos seus conterrâneos mais ricos a ponto de viverem reajustando seu medidor interno de felicidade de acordo com uma linha de referência, sem se importar com o quanto sua situação seja boa, Pinker demonstra as pessoas mais ricas e as pessoas de países mais ricos são (em média) mais felizes comparadas às mais pobres e em lugar dos habitantes de países mais pobres.

[Fernando Nogueira da Costa: esse debate é melhor realizado pela crítica da Economia da Boa Vida à Economia da Felicidade.]

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