Risco Mundial: Juro Baixo – Endividamento – Capital Especulativo em Bolsa de Valores – Boom e Crash

Victor Rezende e Lucas Hirata (Valor, 18/12/2019) advertem quanto ao risco da crise de 1929 se repetir quase um século depois.

O ambiente global de taxas de juros mais baixas já se reflete em um aumento significativo da dívida mundial. Ele deve fechar o ano no nível recorde de US$ 255 trilhões. Com o alto endividamento observado em empresas não financeiras, analistas e instituições reguladoras têm se mostrado mais preocupadas com a questão.

O Federal Reserve (Fed) é uma das mais recentes a emitir sinais de alerta nesse sentido, em linha com o pensamento de profissionais conscientes do fato: ainda se a dívida não se mostrar uma ameaça iminente para o sistema financeiro, choques comerciais e a desaceleração global podem expor vulnerabilidades em empresas alavancadas e em estruturas não testadas de mercado.

Nos EUA, a dívida corporativa está em torno de 45% do Produto Interno Bruto (PIB), maior nível desde a Segunda Guerra. O cenário de crescimento econômico deve ser monitorado. Duas coisas poderiam mudar esse ambiente:

  1. uma elevação substancial das taxas de juros e
  2. uma deterioração do fluxo de caixa das empresas, o que poderia ocorrer em um cenário de desaceleração da atividade econômica.

Se as taxas de juros aumentarem bastante, as empresas veriam seus custos subirem e poderiam ter alguns problemas, mas isso não deve acontecer no curto prazo. O Fed deve manter sua política monetária inalterada ao longo de 2020 — e com mais capital especulativo inflar a bolha de ações na bolsa de valores de NYC.

Quanto a um desaquecimento econômico adicional, várias situações poderiam causar um choque negativo forte. Como exemplos:

  1. uma deterioração substancial das relações sino-americanas e
  2. um cenário em que tropas chineses invadissem Hong Kong.

Não estamos no ponto quando o setor corporativo nos EUA e no restante do mundo está prestes a entrar em colapso. Contudo, três anos atrás não havia nenhuma preocupação com o endividamento no setor corporativo, mas hoje tem de se estar mais apreensivo, embora não de forma exagerada.

Sentimento semelhante é visto no Fed. Em relatório bianual sobre estabilidade financeira, divulgado em novembro, o banco central americano afirmou que “o excesso de empréstimos por parte de empresas e famílias deixa-as vulneráveis a estresse se seus rendimentos diminuírem”. Caso tais choques ocorram, avalia o BC dos EUA, “as empresas e as famílias altamente endividadas podem precisar reduzir drasticamente os gastos, afetando o nível geral de atividade econômica”.

Já o Fundo Monetário internacional (FMI) dedicou um capítulo inteiro de seu relatório sobre estabilidade financeira global para discutir os riscos do aumento da dívida corporativa. De acordo com o FMI, as vulnerabilidades do setor corporativo já estão elevadas em várias economias sistemicamente importantes como resultado do aumento do ônus da dívida e do enfraquecimento da capacidade de serviço da dívida.

“Em um cenário de desaceleração econômica relevante, com intensidade equivalente à metade do que foi a crise financeira global, a ‘dívida em risco’ do setor corporativo [passivo acumulado por empresas que não podem cobrir suas despesas de juros com suas receitas] pode subir para US$ 19 trilhões – ou quase 40% do total das dívidas das empresas nas principais economias do mundo, e acima dos níveis pós-crise”, apontou o FMI, em outubro de 2019.

Diante de medidas de relaxamento quantitativo empregadas pelos grandes bancos centrais e em meio ao período de taxas de juros baixas globalmente, foram criadas condições de financiamento mais atrativas para o setor corporativo. Nesse ambiente, empresas realizaram emissões e aumentaram o nível da dívida em seus balanços. Nesse período, houve um aumento tanto na alavancagem corporativa quanto no número de emissores com ratings mais baixos (“high yield”). Ambos se beneficiaram do maior apetite por risco.

Esse movimento pode ser observado no desempenho do fundo de índice (ETF, na sigla em inglês) HYG, composto por uma cesta de títulos de renda fixa emitidos por empresas americanas com nota de crédito abaixo do grau de investimento. Somente em 2019, o HYG acumula alta de 8,21%.

Sem dúvida, há um aumento nos riscos globais. A combinação de baixo crescimento, inflação contida e espaço monetário limitado (em função das taxas de juros já baixas) deixa a economia global mais vulnerável em caso de eventos negativos. Os bancos centrais globais teriam espaço limitado para atuar na prevenção de uma recessão.

Ainda assim, agência avaliadora de risco não trabalha com um cenário de recessão em 2020 e 2021. Espera os países do G-20 terem crescimento de 2,6% em 2020, em linha com 2019, e de 2,8% em 2021, mas abaixo dos 3,0% de 2018. Já a taxa de default de empresas não financeiras “high yield” deve ficar em linha com a média dos últimos anos. Esse indicador deve chegar globalmente a 3,6% no fim de 2020, acima do nível de 2,3% em 2019 até outubro, mas em linha com a média de 3,3% desde 2010. O número fica aquém da média de 4,1% se considerados os percentuais desde 2001. No caso de uma recessão, esse percentual poderia chegar a 15%.

Assim, o aumento da alavancagem corporativa por si só não é um gatilho para uma possível recessão. Pelo lado positivo, o ambiente de taxas de juros baixas vai continuar a beneficiar as condições de funding para empresas de mercados emergentes, incluindo o Brasil. A resolução de conflitos comerciais entre EUA e China também poderia trazer aumento para as expectativas de crescimento atuais. Mas um choque cambial elevará muito a fragilidade financeira das grandes empresas endividadas no exterior.

Dessa forma, os riscos derivados da expansão da dívida corporativa continuam “administráveis”, na avaliação do Instituto Internacional de Finanças (IIF), formado pelos 500 maiores bancos do mundo.

“As empresas se endividaram muito, mas estão sentadas em um volume de caixa muito significativo. É inegável a dívida ter crescido, é inegável que pode ser um ponto de fraqueza em algum momento. Mas não temos nenhuma indicação de que estamos na iminência de um problema”, afirma Rodrigo Azevedo, sócio e gestor da Ibiuna Investimentos.

Ex-diretor do Banco Central, Azevedo ressalta: os spreads de crédito “high yield” e “high grade” nos EUA estão bem baixos, mesmo num momento que se discute o risco de recessão. “Isso ratifica a percepção de não ser um problema iminente”, afirma. A informação neste momento é: “pode estar sendo criada uma vulnerabilidade, mas isso não diz nada se essa vulnerabilidade vai, de fato, mostrar sua cara em 2020, 2021 ou 2025”.

O mesmo se dizia em 1920, 1921 ou 1925…

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