Em Defesa da Manutenção dos Finados Juros sobre Capital Próprio

Eliseu Martins é professor da FEA-USP de São Paulo e Ribeirão Preto. Em artigo (Valor, 07/07/21), faz a defesa do atual sistema de tributação empresarial – e consequente isenção de lucros e dividendos distribuídos à Pessoa Física. É bom conhecer os argumentos de defensores de tese à qual contraporemos fatos e contra-argumentos.

Se o investidor aplica seu rico dinheiro no mercado financeiro e ganha 10% em um ano, estando submetido a uma taxa de imposto de renda de 15%, receberá, líquido, 8,5% sobre o rendimento do dinheiro aplicado. 

Se a inflação estiver em 5%, por exemplo, os primeiros 5% nada mais são senão a recuperação do capital exposto a essa inflação. Logo, só os 3,5% representam, de fato, uma renda real. 

Na verdade, o correto é 3,3% porque deveria ser calculado sobre o valor inicial devidamente corrigido. Mas Martins deixa os “detalhes” de fora.

A alíquota nominal de imposto de 15% estará sendo, na realidade, de 30% em termos reais. Nominalmente, pagou 15% do recebido, mas como metade desse valor é pura inflação, terá pago 30% sobre a metade. Este é o ganho efetivo.

Em outros termos, 5% de inflação foi o suficiente para a alíquota real (30%) ser o dobro da nominal (15%). Se tivesse ganho no mercado exatamente os 5% de inflação. O ganho real seria nulo, mas pagaria os 15% nominais sobre o lucro fictício de 5%. Na verdade, estará entregando um pedaço do próprio capital para liquidar a dívida tributária.

A inflação distorce brutalmente a realidade. Por essa razão, a tributação, até 1995, era sobre o valor real. A correção monetária não é renda, não é aumento patrimonial efetivo, só são efetivos os aumentos patrimoniais reais. 

Daí inclusive correrem ações judiciais até hoje com base nesse raciocínio lógico. Mas agora, aparentemente, até julgadores não pensam mais em termos reais, e sim nominais. O problema todo está em as alíquotas incidirem sobre valores nominais, e não sobre valores reais, sobre aumentos reais de riqueza.

Até 1995, a tributação era sempre sobre os ganhos reais, inclusive nas empresas. O lucro só era considerado pelo valor acima da inflação do patrimônio líquido do início do período para manter o verdadeiro capital aplicado. Assim, só eram tributados ganhos efetivos, isto é, os além da inflação.

Uma outra visão mais técnica do mesmo fato: nos balanços, a correção monetária das dívidas era reconhecida como despesa nominal, mas a correção monetária do capital próprio também. Assim, não era a inflação a fazer qualquer diferença frente ao uso ou não de capital de terceiros. A diferença era o juro real. 

Na época, para fins societários, só podiam estar disponíveis para dividendos os valores efetivos, reais, acima da inflação, e não lucros possíveis de ser ficção como visto. Para fins fiscais, a mesmíssima situação. Só se tributava o lucro efetivo, e não o nominal, pois ele pode ser em parte, em grande parte, ou em toda sua totalidade, fictício.

As taxas reais de tributos sobre os ganhos de pessoas físicas e jurídicas podem ser muito diferente das taxas nominais. Muitas vezes entrega-se um pedaço do próprio capital para pagar imposto sobre lucro não existente.

No resultado, tínhamos o efeito da inflação sobre a dívida, mas também o efeito da inflação sobre o patrimônio líquido. Mas a correção do patrimônio líquido foi extinta. 

Com essa extinção da correção monetária dos balançou seja, em 1995, a Receita Federal adotou a sabedora de a correção do patrimônio líquido é o de mais importante para se ter a verdadeira manutenção do capital. Só o excedente deve ser chamado de lucro. 

Procurou, então, uma forma de continuar fazendo de modo a haver o emparelhamento: se a inflação sobre as dívidas continuaria sendo tratada como despesa para fins do lucro tributável, então o importante seria fazer com também se manter a correção monetária do patrimônio líquido a ser diminuída do lucro nominal, sobrando aí o efetivo lucro, pelo menos para fins fiscais, mas sob outra forma jurídica e contábil.

Como não se podia sequer utilizar a expressão “correção monetária” como decorrência do Plano Real, precisou-se de outra terminologia. Mas precisou-se também de outro formato. 

A grande sacada foi permitir a dedutibilidade do Juro Sobre o Capital Próprio, ou seja, deduz-se do lucro nominal a parcela correspondente à mera atualização monetária do patrimônio líquido da empresa por uma taxa de juro.

Mas o juro normalmente não contém a parte relativa à inflação e algum excedente, o juro real? Sim, é correto isso. 

Para evitar, nesse caso, um benefício à empresa pela dedução de um juro superior à taxa de inflação, procurou-se duas saídas. 

Primeira, utilizar a menor taxa de juros do mercado. A escolha recaiu sobre a Taxa de Juros das Dívidas de Longo Prazo do Tesouro Nacional (TJLP). Afinal, essa taxa básica deveria ser a menor nominal da economia brasileira. 

Em segundo lugar, dado essa TJLP exceder a inflação, procurou-se compensar a dedutibilidade adicional com o IR na fonte de 15%.

Toda uma engenharia para fazer as empresas bastante capitalizadas não ficassem em inferioridade face às fortemente endividadas. Estas deduzem do lucro todo o encargo nominal da dívida, onde parte é inflação. 

Mas as capitalizadas não mais podiam fazer a correção do patrimônio líquido. Mas passarem a poder deduzir a “correção do patrimônio” via a dedutibilidade do Juro Sobre o Capital Próprio. Um ato de redução de iniquidade capaz de colocar o Brasil na liderança de uma tributação mais justa.

Alguns entendem isso ser uma benesse ou uma dádiva. Parece ao Martins não ser, muito pelo contrário: a aplicação dessa técnica reduziria, como de fato reduziu, a iniquidade com relação aos efeitos da inflação sobre empresas com diferentes estruturas de capital para financiamento de suas atividades. Ele a louva como sendo uma estruturação muito bem executada a partir da Receita Federal.

Continua sua defesa empresarial: distorções acabaram ocorrendo, sempre em prejuízo da empresa. Havia uma limitação do valor desses juros sobre o capital próprio com relação ao próprio lucro antes dessa dedutibilidade ou com relação às reservas de lucros patrimoniais. 

Logo, não era e não é um sistema perfeito, mas era e é um dos melhores do mundo para efeito dessa equalização, desfazendo fortemente os efeitos das diferentes formas de financiamento da empresa.

Ele lamenta por agora vir a reforma tributária propor a extinção dos Juros Sobre o Capital Próprio. Quanto mais capitalizada estiver a empresa, pior ficará, porque tributará um lucro acima do efetivo. 

Quanto mais endividada a empresa, menor o efeito disso tudo, porque suas despesas financeiras nominais continuarão a ser dedutíveis, ou seja, voltamos à iniquidade já encerrada a partir da Lei 6.404/76 (das SAs) e o Decreto-Lei 1.598/77 (para fins fiscais).

Infelizmente, perdemos a liderança de uma normatização capaz de colocar o Brasil em posição ímpar no mundo. Uma possível razão para isso, na qual Martins não acredita, mas poderia ocorrer: como a pessoa física paga imposto sobre lucro nominal, por que não igualar a iniquidade e estender às empresas também essa penalidade? 

Ou teria sido objetivado para fins apenas de arrecadação? Ou por se ter perdido com o tempo o verdadeiro significado desses JSCP?

Claro, é questão de uma escolha política. Mas terão sido estudados todos esses efeitos econômicos e financeiros sobre tal medida? 

Tenho certeza de quem instituiu o JSCP sabia muito bem o que estava fazendo, porque dominava toda a técnica de correção dos balanços. Houve reajuste das taxas de tributos considerando todos esses cenários. Infelizmente, com o decorrer do tempo, essa visão foi se dissipando.

Eliseu Martins, professor da FEA-USP de São Paulo e Ribeirão Preto, clama por não desaparecer esse instrumento de redução da iniquidade tributária.

Deixe um comentário