Populismo

Em busca da razão populista

O populismo tende a negar qualquer identificação ou classificação com a dicotomia direita/esquerda. Trata-se de um movimento multiclassista, embora nem todo movimento multiclassista possa ser considerado populista. O populismo, provavelmente, desafia qualquer definição abrangente.

O populismo inclui, usualmente, componentes contrastantes, tais como:

  • a reivindicação da igualdade de direitos políticos e da participação universal das pessoas comuns,
  • mas funde-se com algum tipo de autoritarismo, frequentemente, sob uma liderança carismática.

Ele inclui também:

  1. demandas socialistas ou pelo menos demanda da justiça social,
  2. uma vigorosa defesa da pequena propriedade,
  3. componentes fortemente nacionalistas, e
  4. a negação da importância da classe.

O populismo é acompanhado pela afirmação dos direitos das pessoas comuns de enfrentarem os interesses de grupos privilegiados, habitualmente considerados “inimigos do povo e da nação”.

Qualquer um desses elementos pode ser enfatizado de acordo com condições sociais ou culturais, mas todos se encontram presentes na maioria dos movimentos populares.

Ocorrências históricas ilustram as condições de emergência das identidades populares. Há uma pluralidade de definições de populismo encontradas na literatura, entre outras:

  1. a crença segundo a qual a opinião majoritária das pessoas é controlada por uma minoria elitista;
  2. qualquer credo ou movimento baseado na seguinte premissa principal: a virtude se encontra nas pessoas simples, que constituem a esmagadora maioria, e em suas tradições coletivas;
  3. o populismo proclama que a vontade do povo enquanto tal tem supremacia sobre qualquer outro critério;
  4. um movimento político que goza do apoio da classe trabalhadora urbana e/ou do campesinato, mas que não resulta do poder organizativo autônomo de nenhum desses dois segmentos classistas.

uma série de identificações que empobrecem o conceito do populismo, reduzindo-o, por exemplo:

  • aos movimentos da direita radical fundamentalista religiosa (“crentes tementes de deus”) ou
  • àquelas tendências liberais elitistas que veem nele uma oposição à lógica constitucionalista operante nas democracias modernas.

O populismo é um fenômeno que se relaciona de maneira mais ambivalente à ordem institucional. Este caráter está inscrito na insígnia Par Le Peuple, Pour Le Peuple [ Para o Povo, Pelo Povo].

O núcleo duro do populismo, compreendido como um esquema ideológico, é um conjunto de fontes discursivas nos regimes democráticos:

  1. O “povo” é o soberano do regime político e o único referente legítimo para interpretar a dinâmica social, econômica e cultural.
  2. As elites no poder, especialmente as elites políticas profissionais, têm traído o povo ao não exercerem mais as funções para as quais foram designadas.
  3. É necessário restaurar o primado do “povo”, o que pode levar a uma valorização de uma era anterior, caracterizada por um reconhecimento do “povo”.

Essa série de recursos discursivos pode ser utilizada de modo muito diversificado. Isto se aproxima do conceito proposto por Ernesto Laclau, autor do livro – A Razão Populista (São Paulo: Editora Três Estrelas; 2013),  de “significantes cambiantes”.

O populismo é um conjunto de recursos disponíveis para uma pluralidade de atores. Ele é o elemento democrático nos sistemas representativos contemporâneos. No entanto, os limites que se aceita para a circulação dos recursos disponíveis para a construção populista podem ser estreitos demais.

Vale criticar aquelas abordagens liberais que, ao afirmarem uma total exterioridade do populismo com relação ao sistema político constitucionalista, o assimilam aos extremismos políticos, seja de direita, seja de esquerda, que não aceitam as “regras do jogo democrático parlamentar”:

  1. partidos democráticos no poder se definem por seu apoio ao governo;
  2. a oposição democrática, que tenta assumir o poder no marco institucional existente;
  3. os partidos anti-institucionais, que rejeitam o sistema de regras democráticas vigente.

Daí a situação ambígua dos movimentos populistas: eles existem à margem dos regimes institucionais, oscilando entre denunciar os sistemas enquanto tal ou apenas aqueles que ocupam os lugares do poder. A dificuldade com esse modelo do liberalismo político-parlamentar é que ele dá como certo que existe algo como um sistema de regras bem estabelecidas em todos os momentos.

Isso, segundo Laclau pensa, não leva suficientemente em conta a dupla face do populismo:

  1. o populismo se apresenta como subversivo em relação ao estado de coisas existente, e
  2. como ponto de partida para uma reconstrução mais ou menos radical de uma nova ordem sempre que a ordem anterior foi abalada.

O sistema constitucional tem de ser, mais ou menos, fraturado para que o apelo popular seja efetivo. Em situação de completa estabilização institucional – “completa” é uma situação puramente ideal –, a única oposição possível ao sistema emanaria de um puro exterior, isto é, partiria de um estrato puramente marginal e ineficaz.

O populismo, entretanto, não emerge de um exterior absoluto, mas procede articulando demandas fragmentadas e deslocadas ao redor de um novo núcleo. A crise da velha estrutura constitui até certo grau uma precondição necessária do populismo.

Se assim é, mais do que um movimento populista com um pé dentro e outro fora do sistema institucional, temos uma situação variável, cujas principais possibilidades são:

  1. um sistema institucional amplamente autoestruturado, que relega a uma posição marginal qualquer desafio anti institucional, isto é, a capacidade desse desafio de constituir cadeias de equivalências é mínima;
  2. o sistema menos estruturado requer algum tipo de recomposição periódica, assim o sistema pode ser desafiado, mas, como sua capacidade de autoestruturação ainda é considerável, as forças populistas têm de operar como se fossem “externas” e “internas”;
  3. o sistema em um período de “crise orgânica”, nesse caso, as forças populistas que o desafiam precisam fazer mais do que se engajar na ambígua posição de subverter o sistema e, ao mesmo tempo, estar integradas a ele: elas tem de reconstruir a Nação em torno de um novo núcleo popular, logo, a tarefa de reconstrução prevalece sobre a tarefa de subversão.

Enfim, para Ernesto Laclau, o populismo é uma lógica própria de construção política, e não um tipo de ideologia, de anomalia ou mesmo de subdesenvolvimento irracional da democracia representativa. Não pode tampouco ser resumido à relação entre liderança política e massa populacional.

Ainda que o nome do líder e o afeto por ele despertado sejam fundamentais para a constituição da lógica do populismo, este não pode ser simplesmente explicado a partir de uma relação carismática. O que comumente é chamado de populismo, esse momento da cristalização de uma liderança, representa o corolário de uma articulação política que tem raízes muito mais profundas.

7 thoughts on “Populismo

  1. Prezado Fernando,

    com a ideia de populismo o povo é enganado pelo próprio povo, a razão é que a representatividade aleatória tente a se cristalizar em torno de um catalizador comum, um líder que usará sua retórica ou hegemonia para conquistar a atenção da massa popular. Esse líder então é nomeado e entrará no circuito de escolhas populares, não importa qual seja sua competência.

    Isso a meu ver provoca um desvio das atenções do grupo para a voz de uma pessoa que tende a ser um representante com credibilidade nesse meio. No processo democrático esse líder poderá subir os degraus políticos e facilmente esquecerá do povo (somente lembrará no momento das eleições).

    A maioria dos congressistas são exemplos típicos ao defenderem seus próprios interesses e garantir seus ganhos extremamente elevados, mordomias, ajuda excessiva do estado e por aí vai. A cobra começa a morder o rabo…

    O povo novamente se revolta e volta às ruas em um processo cíclico garantido pela constituição e novamente seus próximos representantes oportunistas tomam as rédeas e teremos cada vez mais políticos que se dizem representantes do povo.

    Até parece o eterno retorno de Nietzsche, é a cobra mordendo o próprio rabo. Mas, há um limite para esse toro (figura geométrica), se a cobra tentar engolir o rabo, poderá diminuir o raio até o ponto zero, aí morrerá sufocada e o povo amargará a falência de suas reivindicações. Quando a dívida pública alcançar 100% do PIB ou mais como aconteceu com a Grécia, aí poderemos dizer que a voracidade da cobra foi extrema. 🙂

    Abs.

    • Prezado Reinaldo,
      no entanto, necessitamos de representantes (líderes) do povo em uma democracia parlamentarista, i.é, indireta…

      As lideranças se formam em ações coletivas para apresentar demandas sociais. Essa política é necessária e legítima!

      Citando um velho provérbio: “não joguemos fora o bebê (a democracia) junto com a água suja do banho (os políticos profissionais)”…

      As instituições de vigilância e punição têm de atuar sempre — e com imparcialidade!
      abs.

  2. Pingback: Populismo | educação ou barbárie

  3. Prezado Fernando

    apoio o social desenvolvimento e a democracia, a consciência de residir no planeta terra e a certeza de que temos que evoluir em todos os sentidos.

    Os políticos ditos “profissionais” usam e abusam dos recursos cedidos pelo próprio estado, conseguem extrapolar os direitos civis e pensam que o estado tem que satisfazer todos os seus desejos (múltiplas aposentadorias custeadas pelo estado, ajuda nisso e naquilo, este ano todos receberão os iPhones 6 pagos pelo estado – o salário deles é insuficiente para comprar!?). Comecei a observá-los via internet nas sessões da câmera e senado, para minha surpresa notei que as roupas que usam são dignas do tapete vermelho de Hollywood, com ternos, gravatas e sapatos que custam alguns milhares de dólares.

    Para estarem tão bem apresentados como se fossem receber o prêmio Nobel, deveriam contribuir à altura com propostas e tratar assuntos importantes para a comunidade, mas fazem o contrário: tentam o tempo todo se defender, acusar ou discutir assuntos quase sempre redundantes, dormem nas sessões e não decidem quase nada.

    Quando será que teremos pessoas que valorizam o país onde vivem, que farão o máximo pela nação – as demandas sociais -, sem exigir recompensas milionárias na forma de corrupção, lobby, etc…

    Abs.

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