Trocar os Swaps pelas Reservas Cambiais

Nível das Reservas CambiaisDesvalorização de Moedas na ALSergio Lamucci (Valor, 10/08/15) informa que o volume de reservas internacionais do Brasil, em torno de US$ 370 bilhões, é bastante confortável e parece mais do que suficiente para proteger a economia dos efeitos de uma parada súbita do fluxo de capitais, de acordo com vários critérios que buscam medir o nível adequado dos recursos externos. As reservas equivalem a quase 14 meses dos gastos com importações de bens e serviços e outras despesas da conta corrente, abaixo apenas dos 19 meses da China e dos quase 15 de Taiwan, segundo estimativas da Standard & Poor’s (S&P) para 2015. Além disso, representam cerca de 19% do PIB, um número bem abaixo dos 36% dos chineses e dos quase 50% dos tailandeses mas superior aos 10% a 15% do PIB apontados por especialistas como o nível ótimo para aguentar fugas abruptas de capital.

Cogitada por alguns economistas brasileiros, a troca de reservas pelo estoque de swaps cambiais é uma opção bem vista por alguns especialistas no exterior. A operação, porém, precisaria ser muito bem feita, para que não seja vista como uma tentativa de influenciar a taxa de câmbio. Além disso, é complicado desfazer-se de reservas num momento em que a economia brasileira passa por uma situação delicada e o aumento dos juros nos Estados Unidos se aproxima. De todo modo, a piora da percepção de risco local, em meio à atual crise política, tem gerado intensa volatilidade na taxa de câmbio e muitos profissionais de mercado já não descartam que o Banco Central tenha de vir a vender moeda física para amenizar o movimento.

Professor da Escola de Economia de Paris, Romain Rancière estima que reservas equivalentes a 10% a 15% do PIB são suficientes para “mitigar os efeitos de uma parada súbita de capitais sobre a economia”. Esse intervalo seria o adequado para quem espera um grande choque, tem elevada aversão ao risco e um baixo custo de carregamento de reservas, diz Rancière, autor de um estudo sobre o nível ótimo de reservas em parceria com Olivier Jeanne. Caso a ideia seja ter um volume que não apenas proteja o país em caso de choques mas também previna sua ocorrência, o volume teria que ser maior que os 10% a 15% do PIB, sendo mais difícil de calibrar, avalia o francês.

O brasileiro Samer Shousha, que conclui o doutorado na Universidade de Columbia em macroeconomia e finanças internacionais, diz que a literatura em geral e a sua pesquisa em particular mostram que “o nível ótimo de reservas para se proteger de fugas abruptas de capital não ultrapassa 10% do PIB“. “Isso indica que o nível de reservas internacionais está bem acima do ótimo.” Ex-presidente do banco central do Chile, José de Gregorio considera que reservas equivalentes a 10% do PIB são mais do que suficientes.

Shousha observa que as reservas brasileiras também superam outros indicadores que buscam medir o volume adequado de recursos externos. Um deles, por exemplo, diz que as reservas devem equivaler a 100% da dívida de curto prazo do país. No caso do Brasil, representam 323% do endividamento de até um ano, segundo números do Banco Central (BC).

O economista Javier Bianchi, do Federal Reserve (Fed) de Minneapolis, também cita essa “regra de bolso“, explicando que a ideia básica é que esse nível protegeria o país do risco de os credores se recusarem a rolar a dívida do país. “Isso forçaria um grande ajuste na conta corrente ou possivelmente um calote do governo”.

Em suas pesquisas, Bianchi diz ter concluído que essa regra intuitiva é razoável. “Um país que tem reservas suficientes para cobrir as suas obrigações no prazo de um ano está em média bem preparado para enfrentar turbulência nos mercados sem incorrer em grandes custos financeiros”, afirma ele, professor em licença da Universidade de Wisconsin-Madison.

Shousha lembra de outra medida tradicional, a de que as reservas cubram pelo menos três meses de importações. Por esse critério, o Brasil tem recursos de sobra. Pelos números da S&P, as reservas são suficientes para cobrir quase 14 meses de importações de bens e serviços e outros gastos em conta corrente, um indicador mais amplo do que apenas as despesas com as compras de mercadorias no exterior.

Graças às reservas acumuladas, o Brasil está mais bem preparado para enfrentar turbulências nos mercados financeiros“, resume Bianchi, notando que os países que tinham mais reservas durante a crise financeira global de 2008 tiveram um desempenho relativamente melhor. Para ele, porém, se o diferencial entre os juros externos e internos continuar a crescer, usar as reservas se tornaria a solução “ótima”. “Afinal, um dos motivos para acumulá-las é usar em dias chuvosos”, afirma Bianchi. “Uma questão, porém, é que há sempre uma preocupação em utilizar reservas devido a estigmas. Os investidores podem ver a queda como um mau sinal e perder a confiança na economia.”

Para ele, a ideia de trocar os swaps pelas reservas faz sentido.Swaps são uma faca de dois gumes. Eles podem ajudar a sustentar o nível do câmbio, mas, se houver uma depreciação, as perdas podem se tornar graves.”

De Gregorio também vê problemas nos swaps, por não ficar clara a exata exposição quando eles são utilizados, podendo transmitir sinais confusos. Uma eventual troca desses instrumentos por reservas, porém, precisa ser feita com muito cuidado, para que não haja a impressão de que, em vez de fazer operação financeira, o BC quer na verdade controlar a taxa de câmbio, adverte ele, professor da Universidade do Chile.

Shousha acredita que o “crucial” hoje é permitir um ajuste gradual da taxa de câmbio, com as reservas eventualmente sendo usadas para suavizar o movimento caso ele ocorra de modo abrupto, opinião compartilhada por Bianchi. “Mais para frente, eu teria como meta ter reservas mais baixas como proporção do PIB, reduzindo-as de modo gradual”, diz Shousha, que vê um custo muito elevado de carregamento. Para evitar fugas bruscas de capital no atual cenário, “é muito mais importante ter políticas macroeconômicas de boa qualidade, especialmente em relação à política fiscal, muito mal conduzida nos últimos anos”, avalia ele.

A relação de 19% entre as reservas e o tamanho da economia brasileira foi calculada com um PIB estimado na casa de US$ 1,9 trilhão. Nas contas da S&P, as reservas “utilizáveis” ficarão em cerca de US$ 364 bilhões neste ano. Em 2014, esse valor equivaleria a aproximadamente 16% do PIB, porque o PIB era maior em dólares.

Silvia Rosa e José de Castro (Valor, 10/08/15) informam que a decisão do Banco Central (BC) de aumentar a rolagem de swaps cambiais recebe críticas no debate sobre os limites da autoridade monetária para usar esse instrumento, que tem tido impactos negativos do lado fiscal num momento em que o país sofre para emplacar o ajuste nas contas públicas.

As vendas de contratos de swap cambial pelo BC têm garantido proteção e liquidez aos agentes de mercado sem afetar as reservas cambiais. Hoje, o estoque desses instrumentos cambiais soma US$ 103,9 bilhões. Contudo, o prejuízo com essas operações tem impactado as contas públicas e aumentado o déficit nominal.

Com a alta de 27,78% do dólar Ptax entre janeiro e julho, o BC acumula prejuízo contábil de R$ 57,040 bilhões com as operações de swap. E as perdas com o uso desse instrumento combinadas com os custos fiscais de manutenção das reservas internacionais têm alimentado o debate sobre a eficácia da atual estratégia de atuação no câmbio.

“O BC conseguiu criar uma mini crise cambial mesmo tendo reservas tão elevadas”, afirma um gestor de um grande fundo, que prefere não ser identificado. Ele observa que o uso dos swaps alimenta um círculo vicioso: a queda da confiança, por causa do ambiente político e econômico, pressiona o dólar, eleva o custo para o Banco Central, piora o quadro fiscal e deteriora ainda mais a confiança. “O erro dessa estratégia é de origem: o BC não poderia ter chegado a esse estoque de swap. Agora, será difícil reverter o quadro”.

Para essa fonte, essa dinâmica torna o arsenal do BC mais limitado neste momento de forte volatilidade dos preços. “Em outra situação, a intervenção teria vindo antes”, afirma. Agora, a expectativa é que o BC monitore atentamente a natureza dos fluxos de recursos para definir se a atuação virá por meio da venda líquida de swaps, de leilões de linha ou de reservas. “Há um fluxo negativo, que tem sido absorvido pelos bancos. Em determinado momento, isso pode mudar e o BC poderá ter de vender dólares. Mas o mais importante nisso é que o BC não compre uma briga com o mercado.”

Alguns analistas já vêm defendo o uso das reservas em vez dos swaps para dar liquidez ao mercado de câmbio. Para quem apoia essa tese, a política fiscal ganharia nas duas pontas:

  1. tanto pela redução do patamar das reservas, já que há um custo fiscal para a manutenção delas,
  2. quanto pelo prejuízo potencialmente menor resultante da redução do estoque de swap cambial.

Um dos defensores dessa ideia é o ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall. Segundo ele, é “perfeitamente possível”, tanto do ponto de vista técnico quanto de mercado, fazer a troca. Para Kawall, o país tem hoje “muito mais conforto” do lado das reservas, atualmente pouco acima de US$ 370 bilhões, do que da política fiscal, com uma relação dívida bruta/PIB que pode superar 70% nos próximos anos. “Você precisa trocar as peças no tabuleiro para não sofrer um xeque-mate. Podemos levar esse xeque-mate pelo fiscal, não pelas contas externas.”

As reservas são contabilizadas na dívida líquida, mas não na dívida bruta, que é o indicador mais monitorado pelas agências de risco. Já o resultado das operações de swap cambial acaba impactando as despesas com juros, com efeito direto na dívida bruta.

Nas operações de venda de swap cambial tradicional, o BC paga aos investidores a taxa do cupom cambial (que representa a taxa de juros em dólar) mais a variação do câmbio. Em troca, recebe a rentabilidade do Depósito Interfinanceiro (DI) do período.

As perdas do BC com essas operações contribuíram para aumentar a despesa com juros da dívida pública e elevar a taxa implícita de juros da dívida líquida para 25,2% no acumulado de 12 meses até junho, recorde da série histórica do BC.

O técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mansueto Almeida, diz que o BC poderia reduzir gradualmente o estoque de swaps cambiais, deixando de renovar os contratos que estão vencendo e passar a ofertar dólares no mercado à vista, usando as reservas. “Com isso você diminuiria o estoque da dívida bruta, além de reduzir o custo das despesas com juros, de modo que a relação dívida/PIB pudesse chegar a 66% como quer o governo.”

O professor Márcio Garcia, do Departamento de Economia da PUC-Rio, alerta que qualquer ajuste na estratégia deve respeitar as condições de liquidez do mercado. “O BC poderia ir reduzindo o estoque de swaps e continuar oferecendo proteção aos agentes de mercado vendendo dólares no mercado à vista”, diz.

Mas a zeragem do estoque de swaps cambiais com as reservas reduziria o colchão de liquidez do Brasil, um ativo que para analistas tem ajudado a proteger o mercado doméstico de uma turbulência ainda mais forte e permitiu ao Brasil ser credor externo líquido, superando a dívida externa bruta, que somava, em junho de 2015, US$ 345,2 bilhões.

Mesmo depois de rebaixar a perspectiva do “rating” brasileiro para negativa, a agência de classificação de risco Standard and Poor’s avaliou que, apesar do déficit em transações correntes mais amplo, o Brasil tem baixa necessidade de financiamento externo comparado a seus pares, devido, em parte, ao alto nível de reservas internacionais.

Para Kawall, no entanto, US$ 270 bilhões em reservas ainda seria um volume suficiente para não afetar a avaliação de solvência do Brasil. “De qualquer forma, não é necessário fazer tudo e nem tudo de uma só vez”, diz o economista.

O professor titular de Economia Internacional da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, diz que as reservas poderiam ser usadas para acelerar a recompra de bônus brasileiros no exterior, o que ajudaria na redução do que ele chama de custo cambial associado às reservas, que seria a diferença entre o custo para manter o passivo externo e a rentabilidade das reservas. Nos cálculos do professor, esse custo estaria em torno de 3% das reservas ao ano. Ou seja, em um ano o custo cambial das reservas seria o equivalente a US$ 11,1 bilhões – o equivalente a R$ 39,0 bilhões pela Ptax do dia 07/08/15.

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