Após 30 anos de NAFTA, México cresceu menos diante o Brasil, apesar da proximidade com os EUA

Humberto Saccomandi (Valor, 14/03/2024) informa: a área de livre comércio da América do Norte completou 30 anos em janeiro. Quando ela foi criada havia a expectativa de um grande benefício econômico para o México, o parceiro mais pobre do bloco.

Tem ainda EUA e Canadá. Mas, por vários motivos, esse benefício não se materializou. Nesse período, o México cresceu até menos que o Brasil. Começam a surgir sinais, no entanto, de que isso pode estar mudando.

Nos 30 anos entre 1994, quando o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) entrou em vigor, e 2023, a economia do México cresceu 79,9%, contra 102,1% da do Brasil. Os dados foram elaborados pelo Valor Data, com base em números oficiais do PIB dos dois países.

O Nafta, que foi renegociado em 2018 e rebatizado de USMCA (EUA-México-Canadá), reúne quase 500 milhões de habitantes, a maior parte com alto poder aquisitivo. Já o Brasil ao longo deste período fez parte do Mercosul, um acordo mais limitado e que inclui ainda Argentina, Paraguai e Uruguai, com cerca de 270 milhões de habitantes.

Abertura comercial deveria trazer mais crescimento e desenvolvimento. Então por que o México cresceu menos que o Brasil nesse período?

Fernando Nogueira da Costa: o ranking dos PIBs na América Latina coloca na seguinte ordem as maiores economias latino-americanas: Brasil com PIB de US$ 2,13 trilhões, México, US$ 1,81 trilhão, Argentina US$ 621,83 bilhões, Colômbia US$ 363,84 bilhões, Chile US$ 344,4 bilhões.

Alguns fatores ajudam a explicar esse resultado. Um deles é que o México era mais rico comparado ao Brasil em 1994. O PIB per capita mexicano naquele ano era de US$ 6.268, segundo dados do Banco Mundial, quase o dobro do brasileiro, que estava em US$ 3.393. É mais fácil crescer a partir de uma base mais baixa.

Além disso, o México sofre com elevados níveis de violência e de insegurança pública. Têm prejudicado os investimentos no país [e no Brasil não?!].

O Brasil também gastou mais. A dívida pública brasileira é hoje de pouco mais de 74% do PIB, enquanto as finanças públicas no México estão mais arrumadas, com dívida em torno de 48% do PIB.

O economista Alberto Ramos, chefe de pesquisa macroeconômica para a América Latina do banco americano Goldman Sachs, acredita, porém, o fator principal desse diferencial do PIB ter sido o cenário externo mais favorável ao Brasil.

São duas economias muito diferentes. A economia mexicana tem uma base manufatureira. A economia brasileira é uma economia com uma base em commodities. Se formos ver os períodos de aceleração do crescimento do Brasil, eles estão muito associados aos ciclos de commodities. E, nesses últimos 30 anos, o desenvolvimento e o crescimento da China e o impacto disso nos preços das commodities beneficiou muito mais o Brasil diante do México.

A China foi um concorrente ferrenho do México no mercado de exportação de manufaturas, especialmente para os EUA, apesar do Nafta.

“O momento de oportunidade proporcionado pelo fantástico crescimento da China nesse período tendeu a favorecer muito mais os países como o Brasil e a prejudicar países como o México”. Isso porque a economia do Brasil apresenta complementaridades com a economia da China e se beneficiou disso, enquanto os chineses são competidores para o México.

A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2002, agravou essa concorrência chinesa para os mexicanos.

Outro fator citado por Ramos é o caráter dual da economia mexicana. “O país tem uma faixa desenvolvida no norte, que é formada principalmente pelas maquiadoras, as indústrias de reexportação, muito integrada em cadeias globais, principalmente na exportação para os EUA. Essa é a parte do México mais moderna, com produtividade mais elevada. Teve um crescimento muito mais acelerado. Mas tem o resto do México, é o país do atraso, da violência, de baixos níveis de capital humano. Nesse interior do país, no México profundo, a produtividade não cresceu quase nada nos últimos 30 anos.”

Para Ramos, o caminho de desenvolvimento seria que o crescimento econômico e da produtividade dessa faixa mais desenvolvida do México, propiciados pelo Nafta, começasse a contaminar de forma positiva o resto do México. “Isso não tem acontecido. A oportunidade que o Nafta representou para o México desenvolveu apenas uma pequena parte do país, e o resto continuou tão atrasado como sempre foi.”

Ramos, porém, não vê motivos para o Brasil comemorar esse crescimento maior nos últimos 30 anos.

“Nenhum dos dois países cresceu muito nesse período, nem maximizou as oportunidades que teve. O Brasil não aproveitou o crescimento econômico da China, nem o México tirou o máximo proveito do Nafta, por questões de baixo nível de educação, de capital humano, da violência Essas questões são conhecidas e não superadas.

O economista não é otimista com as duas principais economias da América Latina. “O Brasil e o México têm, infelizmente, um potencial de crescimento ainda bastante baixo, e isso é reflexo das idiossincrasias das políticas locais.”

Mas o vento pode estar mudando em favor do México. A crescente tensão entre os EUA e a China está favorecendo a transferência de produção para o México. Ele vem ganhando participação de mercado nos EUA, desbancando exportadores chineses.

Em 2023, o México se tornou o maior exportador de bens para os EUA, ultrapassando a China. Ela ocupava a liderança havia duas décadas. O México exportou US$ 475,6 bilhões em produtos para os EUA no ano passado, contra US$ 427,2 bilhões da China. Em comparação, as exportações totais do Brasil em 2023 alcançaram US$ 339,6 bilhões.

Com as guinadas geopolíticas, o mundo agora tende a beneficiar um pouco mais o México. É uma economia produtoras de manufaturados baratos, muito próxima dos EUA, cujo comércio está protegido pelo USMCA, e que é um país relativamente amigável aos EUA, apesar dos atritos na área de imigração. Não é um país competidor e geoestrategicamente pouco amigável aos EUA, como a China está se tornando. Essa é uma oportunidade de ouro para o México, se eles souberem aproveitar”.

O Brasil será menos beneficiado pela tensão EUA-China. “O Brasil é um país caro para produzir. E não é tão próximo dos EUA para se beneficiar do ‘near-shoring’. A indústria brasileira em geral não é competitiva. O país tem uma carga tributária enorme e um nível de proteção comercial exagerado. Logo, não é o local para atrair esse fluxo de produção deixado pela China.”

Mas ele vê algumas vantagens geoestratégicas para o Brasil neste momento. “O Brasil tem duas coisas de que o mundo precisa muito: alimentos e energia, principalmente energia limpa. E também tem grandes estoques de minerais que são críticos para essa economia de transição para o ‘net zero’ de carbono. Assim, se o Brasil souber jogar as cartas, tem oportunidades”.

Ele destaca ainda a relativa tranquilidade do Brasil, e de toda a América Latina, em um mundo muito complicado é possível de se tornar um ativo para atrair investimentos. “Há guerra na Europa, guerra no Oriente Médio, há tensão geoestratégica entre os EUA e a China, que vai durar décadas. O Brasil está suficientemente distante desses conflitos.“

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