Como o mundo ficou rico: as origens históricas do crescimento econômico

How the World Became Rich: The Historical Origins of Economic Growth” (Polity Press) foi publicado em 2022, pelos coautores Mark Koyama e Jared Rubin. À primeira leitura lembra muito a ladainha neoliberal no estilo da Deirdre McCloskey – o presente é muito superior ao passado pré-capitalista e não se fala em aperfeiçoar um futuro sistema – ao interpretar o “crescimento sustentado”. Sequer falam em “desenvolvimento”, afinal é coisa de “desenvolvimentista”, pelo qual parecem ter a ojeriza típica de anticomunista.

Não à toa, o livro foi recomendado na Folha de S.Paulo por Marcos Mendes, Pesquisador Associado do INSPER, organizador do livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”. Quais? Praticamente todas adotadas por O Estado em lugar de O Mercado sobrenatural, porque onipresente, onipotente e… onisciente (?!).

Para Mendes, de maio de 2016 a dezembro de 2018, Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles no péssimo governo golpista com reformas neoliberais e o famigerado Teto dos Gastos, o livro confirma: “o caminho protecionista, no qual insistimos há décadas, é equivocado”. Destaca o seguinte trecho:

“As economias do Leste da Ásia eram todas relativamente pequenas. Portanto, elas foram obrigadas a depender dos mercados internacionais. Elas não caíram na armadilha em que muitos países em desenvolvimento maiores caíram, de depender de tarifas protetoras e subsídios para apoiar a indústria nacional. (…) Tarifas protetoras e subsídios pareciam plausíveis em países com grandes mercados domésticos, como Brasil e Índia. Tais políticas poderiam funcionar (como na América do Norte do século 19), mas na prática muitas vezes libertavam os fabricantes domésticos da ameaça da concorrência internacional e incentivavam a busca de renda e a corrupção” (pág. 209).

O livro beira a isso, mas não é tão simplório como aparentam ser todos os adeptos do reducionismo binário “+Mises/Hayek (Mercado) -Marx/Keynes (Estado)”. Mark Koyama é historiador econômico da Universidade George Mason, cujos principais interesses de investigação residem nas origens do crescimento econômico no neoliberalismo e no desenvolvimento comparativo dos Estados. Jared Rubin é seu colega, cuja investigação centra-se nas relações históricas entre instituições políticas e religiosas e no seu papel no desenvolvimento econômico.

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Conhecimento é Dívida – Baixe o Livro Digital em Comemoração das 10 Milhões Visitas no Blog Cidadania & Cultura

Era uma vez, uma criança caçula de três irmãos da geração baby-boom, nascidos em série, eu um ano e dois meses depois do meu irmão ainda bebê. Eu era muito tímido diante da reação dos outros à minha ocupação de lugar.

De modo geral, minha infância foi feliz, cercado de proteção materna e com um pai médico provedor. Nossos avós maternos levavam-nos nos fins de semana para uma fazenda, onde desfrutávamos a liberdade de viver em harmonia com a natureza. Passávamos férias nas praias cariocas com os avós paternos.

Até um dia acontecer meu primeiro “ponto de ruptura”: acompanhar meu irmão mais velho no Jardim de Infância. Vi a “escola maternal” como um mundo hostil, cercado de crianças competitivas. Todas desejavam os “bens da moda” e buscavam se apossar daquilo em mãos de outros.

O bullying (intimidação) não era um nome conhecido nos anos 50s. Mas havia já o comportamento agressivo e antissocial de estudantes, sem motivação evidente, em uma relação desigual de forças contra os tímidos.

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Novos Conhecimentos e Nova Ignorância

Peter Burke, em seu livro Ignorance: A Global History (2023), salienta ser comum ver os períodos anteriores como Eras de Ignorância. Opina ser mais exato e mais modesto dizer: toda época é uma época de ignorância. Isto por três razões principais.

Em primeiro lugar, o crescimento espetacular do conhecimento coletivo nos últimos dois séculos não se reflete no conhecimento da maioria dos indivíduos. Embora a humanidade como um todo saiba mais diante do antes sabido, a maioria dos indivíduos sabe pouco mais além do conhecido por seus antepassados.

Em segundo lugar, cada Era é uma época de ignorância porque o surgimento de alguns conhecimentos é frequentemente acompanhado pela perda de outros. Por exemplo, a desvantagem do aumento do conhecimento de línguas mundiais como o inglês, o espanhol, o árabe e o mandarim é a taxa acelerada de extinção de outras línguas. Não se espera entre 50% e 90% das sete mil línguas do mundo sobreviverem até o ano 2100.

Em terceiro lugar, a rápida expansão da informação, especialmente nas últimas décadas, não é idêntica à expansão do conhecimento, no sentido de dados terem sido testados, absorvidos e classificados. Em qualquer caso, as organizações, especialmente os governos e as grandes empresas, ocultam uma quantidade cada vez maior de informações recolhidas – e não processadas publicamente.

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Ignorância Coletiva

Peter Burke, em seu livro Ignorance: A Global History (2023), narra: na década de 1980, alguns filósofos deram uma guinada social e passaram a estudar o conhecimento e a ignorância de uma forma diferente.

A Epistemologia tradicional concentrou-se nas maneiras pelas quais os indivíduos adquirem conhecimento. Em contraste, a Epistemologia social centra-se em comunidades “cognitivas”, tais como escolas, universidades, empresas, igrejas e departamentos governamentais.

Quanto à Epistemologia da ignorância, o seu programa foi definido como “identificar diferentes formas de ignorância, examinando como são produzidas e sustentadas e qual papel desempenham nas práticas de conhecimento”. Na prática, o programa tem-se centrado na ignorância imputada a géneros, raças e classes.

Há, segundo Burke, uma explicação social óbvia para esse foco. A entrada de mulheres, negros e membros da classe trabalhadora na arena acadêmica, primeiro como estudantes e mais tarde como professores e acadêmicos, tornou-os particularmente conscientes da ignorância e dos preconceitos dos homens brancos da classe média.

Outrora, eles monopolizaram posições de domínio nesta área. É hora de olhar mais de perto para as formas coletivas de ignorância. Burke dedica um capítulo ao tema.

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Sociologia e Variedades da Ignorância

“Se existe uma sociologia do conhecimento, então deveria haver também uma sociologia da ignorância”. Este desdobramento de sua obra levou a Peter Burke publicar, em 2023, o livro Ignorance: A Global History.

Tal sociologia poderia começar com a questão: Quem não sabe o quê? “Somos todos ignorantes, apenas sobre coisas diferentes…”

Por exemplo, existem cerca de seis mil línguas faladas no mundo hoje. Porém, mesmo os poliglotas ignoram 99,9% delas.

As discussões sobre ignorância precisam distinguir entre as suas muitas variedades, “ignorâncias” no plural, em paralelo com “conhecimentos”. Uma famosa distinção contrasta saber como fazer algo e saber algo ser obra do acaso, “saber como” e “saber aquilo”.

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Ignorância: Uma História Global

O livro Ignorance: A Global History de autoria de Peter Burke foi publicado no ano corrente. Ele o dedica “para os professores do mundo, heróis e heroínas do cotidiano, tentativas de remediar a ignorância”.

Como epígrafe, o historiador inglês cita Leonel Brizola! “A educação não é cara. O que custa caro é a ignorância”. E lança a pergunta de Petrarca: – “Pode haver um campo mais amplo. . . em vez de um Tratado sobre a Ignorância?

Cita outro brasileiro logo no parágrafo inicial do Prefácio. “A ignorância, definida como ausência de conhecimento, pode nem parecer um tema – um amigo meu imaginou um livro sobre o assunto não conter nada além de páginas em branco. No entanto, o assunto desperta um interesse crescente, estimulado por exemplos espetaculares de ignorância dos presidentes Trump e Bolsonaro, para não falar de outros presidentes”.

Como Burke espera demonstrar, tanto os tipos de ignorância como os tipos de desastres consequentes são muitos e variados.

Escreveu este livro, além de especialistas, para leitores em geral. Como cada indivíduo é uma combinação única de conhecimento e ignorância, o tema é certamente de interesse geral.

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Exilados e Expatriados na História do Conhecimento

Peter Burke, em seu livro Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000, publicado no Brasil em 2017, cita “cada época reescreve a história do passado à sua maneira, com referência às mais elevadas condições de seu próprio tempo”. Enquanto avançamos rumo ao futuro, tendemos a olhar para o passado a partir de novos ângulos.

Os historiadores profissionais rejeitam aquilo chamado de “presentismo”, mas é necessário distinguir perguntas e respostas. Para Burke, “sem dúvida, temos todo o direito de fazer perguntas provocadas pelo presente, só precisamos é evitar respostas provocadas pelo presente, obliterando a alteridade e a estranheza do passado. Dessa forma, os historiadores podem contribuir para a compreensão do presente através do passado, vendo o presente de acordo com a perspectiva do longo prazo”.

Dependência de trajetória [path dependence] é um conceito das Ciências Sociais referente a processos cujas decisões anteriores ou experiências feitas no passado restringem ou influenciam eventos ou decisões posteriores. Existe quando uma característica da economia (instituição, rotina tecnológica, padrão de desenvolvimento etc.) não se baseia nas condições atuais, mas, ao contrário, foi formada por uma sequência de ações anteriores, cada uma levando a um resultado distinto.

O citado livro de Peter Burke se localiza no cruzamento das duas tendências: a história do conhecimento e a história das diásporas, concentrando-se nos exilados e expatriados. Em especial, focaliza seus saberes “deslocados”, “transplantados” ou “traduzidos”.

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Avanço Contemporâneo do Conhecimento

O historiador Peter Burke, no seu livro Uma História Social do Conhecimento – II (Da Enciclopédia à Wikipédia), continua sua narrativa a transformação tecnológica do conhecimento. A Segunda Guerra Mundial marca uma guinada na história do conhecimento de maneira ainda mais evidente diante da primeira, conhecida como a Grande Guerra.

Como recentemente o filme Oppenheimer mostrou, o Projeto Manhattan e sua grande equipe de cientistas tornou-se o símbolo da nova Era da Alta Tecnologia e do financiamento governamental. Mas a Ciência Grande não nasceu com a bomba atômica destruidora.

As experiências da guerra levaram a outras inovações. Um cientista americano estava trabalhando no problema de “ensinar” as armas de defesa antiaérea a mirar alvos velozes ao desenvolver a cibernética. A tecnologização do conhecimento continuou no mesmo passo da guerra, levada pela quarta onda de Kondratiev, a da Era Eletrônica.

A aceleração da inovação tecnológica gerou avanços no conhecimento e, por sua vez, eles levaram a outras inovações. A obsolescência se tornou mais evidente, como no caso do surgimento e desaparecimento da Era do Rádio, TV, cinema, jornais, discos e CDs…

O desenvolvimento mais significativo na história do conhecimento no período contemporâneo foi, sem dúvida, o advento do aprendizado de máquinas capazes de pensar, saber e aprender. A Inteligência Artificial está superando a burrice natural

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Re-evolução do Conhecimento

O historiador Peter Burke teve seu livro traduzido sob o título Uma História Social do Conhecimento – II (Da Enciclopédia à Wikipédia) e publicado no Brasil em 2012. distingue entre uma história intelectual do conhecimento concentrada em debates e uma história social concentrada em grupos sociais, como o clero, e em instituições, como bibliotecas e universidades.

O papel do clero na produção e na disseminação do conhecimento, no período 1750-2000, perdeu gradualmente sua importância. As bibliotecas foram secularizadas desde a segunda metade do século XVIII, no sentido de ser transferidas de instituições religiosas, como os colégios jesuítas, para instituições laicas, como as universidades.

No domínio das instituições do conhecimento, a secularização, isto é, “uma transição de um domínio religioso para um mundano ou leigo”, se apresenta como a tendência dominante. Mesmo assim, há reacionários defensores de contrassecularização, quando, além das pressões políticas, os estudiosos sofrem também pressões religiosas.

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Variedades do Trabalhador do Conhecimento

Peter Burke, na Introdução do segundo volume de seu livro Uma História Social do Conhecimento – II (Da Enciclopédia à Wikipédia), publicado por Jorge Zahar  Editor em 2003, indica ele poder ser lido sozinho ou como uma continuação do Volume I – do Gutenberg a Diderot. Espera fazer uma versão revista dos dois volumes, com o título De Gutenberg ao Google.

A obra nasceu de uma curiosidade pessoal, procurando responder à pergunta: “por quais caminhos chegamos ao nosso estado atual de conhecimento coletivo?”. Como se viu liberado das “matérias” e dos “períodos letivos” pela aposentadoria – nasceu em 1937 –, foi mais fácil ele se entregar a essa curiosidade.

Dando continuidade a De Gutenberg a Diderot, este volume II apresenta uma visão geral das transformações no mundo do saber desde a Enciclopédia (1751-66) até a Wikipédia (2001). Seus temas principais são processos, entre eles, quantificação, secularização, profissionalização, especialização, democratização, globalização e tecnologização.

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Quem sou eu?

O livro Uma História Social do Conhecimento (de Gutenberg a Diderot), cuja autoria é de Peter Burke, foi publicado por Jorge Zahar  Editor em 2003. Descreve os especialistas no conhecimento como “letrados”.

O termo é empregado para descrever grupos sociais cujos membros se consideravam “homens de saber” (doutores, eruditos, sábios), ou “homens de letras” (literatos, hommes de lettres). Neste contexto, lettres quer dizer cultura – e não literatura, de onde surge a necessidade do adjetivo em belles-lettres.

Do século XV ao XVIII, período pesquisado por Burke, os acadêmicos se referiam regularmente a si mesmos como cidadãos da “República das Letras”. Esta afirmação expressava a sensação de pertencerem a uma comunidade transcendente às fronteiras nacionais.

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Surgimento da Casta dos Sábios Intelectuais

Peter Burke, no seu livro Uma História Social do Conhecimento (de Gutenberg a Diderot), publicado no Brasil em 2003, oferece a seguinte informação.  A partir de 1700, passou a ser possível seguir uma carreira intelectual não só como professor ou escritor, mas também como membro assalariado de certas organizações dedicadas à acumulação do conhecimento, notadamente as Academias de Ciências.

A limitação dos fundos disponíveis em geral levava a quem os recebiam a complementar seus salários com outras formas de emprego. Avant la lettre, esses homens seriam considerados “cientistas” (termo cunhado no século XIX), daí a ascensão desse grupo foi certamente um momento significativo na história dos letrados europeus. Alguns dos membros do grupo escolheram conscientemente essa ocupação de preferência a uma carreira tradicional na universidade.

Indivíduos da estatura de Gottfried Leibniz e Isaac Newton dirigiam “sociedades de eruditos”, combinando esses postos com outras ocupações. Leibniz, por exemplo, tinha atividade de bibliotecário, carreira com importância crescente no início da Modernidade.

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